Leia na íntegra:
O poste de Lula no Ministério da Fazenda
Esqualidez do pacote fiscal, anunciado como propaganda eleitoral, prova que Haddad é apenas o operador dos interesses eleitorais do presidente, sem poder para fazer o que precisa ser feito.
Nos quase dois anos de governo de Lula da Silva, cultivou-se no mercado financeiro a expectativa quase mística de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seria o guardião da sobriedade econômica ante o notório desprezo do lulopetismo pelo equilíbrio fiscal e pelo controle da inflação. Mas eis que veio o tão esperado anúncio do pacote de revisão de gastos do governo, e ficou claro que Haddad é apenas o poste de Lula no Ministério da Fazenda.
Acabou a ilusão de que Haddad poderia ser para Lula o que Fernando Henrique Cardoso foi para Itamar Franco, outro notório estatista que afinal se limitou a assinar as medidas necessárias para a efetivação do Plano Real. Se FHC conseguiu contornar o intervencionismo de Itamar (que, até as vésperas do Real, insistia em alguma forma de controle de preços), Haddad não conseguiu (e, em seu favor, diga-se que ninguém conseguiria) conter o ímpeto eleitoreiro de Lula, que determina todos e cada um de seus passos e de suas decisões.
No pronunciamento de Haddad, o verniz mais político do que deveria ser essencialmente econômico revelou, no fundo, não uma fortaleza similar a outros que, no passado, ocuparam a mesma cadeira e triunfaram politicamente, como Rodrigues Alves, Getúlio Vargas e FHC. Nem a robustez de homens notáveis que exerceram seu poder à frente da economia de forma quase inquestionável, como Rui Barbosa, Santiago Dantas, Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen. O que se viu naqueles 7 minutos e 18 segundos de anúncio do pacote foi algo diferente: a fragilidade do ministro da Fazenda.
Parece um paradoxo, e é mesmo: um ministro convertido na face visível de um pacote anunciado em rede nacional como se fosse propaganda eleitoral, e ao mesmo tempo porta-voz do resultado de um extenuante esforço da equipe econômica, mas que adquiriu contornos populistas – com direito a slogan marqueteiro de consistência duvidosa (“Brasil mais forte, governo eficiente, país justo”). É puro Lula.
Era inquestionável, até aqui, o papel de Haddad como um dos poucos trunfos de responsabilidade entre os auxiliares de Lula. Mas seu calvário rumo ao anúncio demonstra o isolamento e o esmaecimento da equipe econômica e, sobretudo, a disputa entre forças políticas antagônicas no governo, na qual o ministro claramente foi derrotado. Em maio, quando o Orçamento de 2024 estava para ser enviado ao Congresso, o mesmo Haddad foi alvo de um ataque especulativo sobre sua autoridade. O chefe da Casa Civil, Rui Costa, tentava convencer Lula a desistir da meta de déficit zero para este ano, ponto de honra de Haddad. Deu-se um ataque articulado, que envolveu deputados petistas e declarações públicas da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. A imprensa classificou as críticas ao plano do ministro da Fazenda como “fogo amigo”, mas o nome certo é motim. Ao fim, o projeto de Orçamento foi aprovado, mas o estrago estava feito.
De lá para cá, Haddad seguiu recebendo golpes abaixo da cintura, a ponto de um dos candidatos a substituir Gleisi Hoffmann na presidência do PT, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, vir a público alertar o óbvio: não há registro na história da existência de um governo forte com um ministro da Fazenda fraco. Silva mirou em Gleisi, mas esqueceu um personagem central, o chefe Lula da Silva.
Ninguém duvida que o modo lulista de governar requer bajuladores fiéis, estímulo aos conflitos internos (para triunfo único do líder máximo) e acenos contraditórios a públicos distintos, conforme as circunstâncias mais convenientes para si. Ocorre que Lula e o PT ignoram que ter um ministro da Fazenda confiável e com respaldo do chefe para exercer poder é imprescindível num país cuja economia vive em sobressalto. FHC demitiu amigos para preservar a autoridade de Pedro Malan na política econômica. Delfim era o homem forte de Emílio Médici. Simonsen, o de Ernesto Geisel. É essa sabedoria presidencial que permite ao País distinguir ministros da Fazenda dotados de instrumentos necessários para fazer o que é preciso daqueles que se convertem em meros operadores obedientes dos seus chefes.