Globo usa tom crítico e questiona Lula sobre Lava Jato e juros

Presidente foi entrevistado pelo programa “Fantástico”, que rebateu o petista quando ele disse que não teve direito de defesa antes de ser preso e também quando quis se eximir da responsabilidade sobre taxa de juros

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, deu entrevista neste domingo (15.dez.2024) para o programa “Fantástico”. Foi a 8ª vez que o petista falou com exclusividade para veículos ou programas do Grupo Globo em 2024. O objetivo era que ele explicasse sobre como se sentia depois dos procedimentos cirúrgicos a que foi submetido no Hospital Sírio-Libanês na semana passada. O tom da conversa com a repórter Sônia Bridi foi ameno, mas a edição do material resultou num tom crítico na reportagem que durou 19min49s.

A edição da entrevista apresentada no “Fantástico” teve questionamentos diretos a Lula sobre duas afirmações recorrentes do presidente:

  • Lava Jato e prisão – Lula afirmou que gostaria que os acusados de golpe de Estado em 2022 –numa citação direta à recente prisão do general Braga Netto– tivessem amplo direito de defesa, algo que ele disse que não teve quando foi preso por ter sido acusado e condenado por crimes que foram apontados pela operação Lava Jato. Na edição da entrevista colocada no ar pelo “Fantástico”, a repórter Sônia Bridi faz um histórico do que se passou, deixando claro que a afirmação do presidente estava imprecisa ou até errada: “Presidente, se o senhor me permite, quando o senhor foi preso e condenado, o senhor passou por várias instâncias da Justiça. O senhor considera que nesse processo todo da justiça, todas as instâncias, o senhor não teve um direito de defesa?“. Lula repete que não teve direito de defesa. Aí a edição do “Fantástico” explica interrompendo a entrevista: “Quando o presidente Lula foi preso em 2018 no caso da cobertura do Guarujá, contou com participação da defesa dele em todas as etapas do julgamento. Na época, o entendimento do Supremo Tribunal Federal era de que condenados em 2ª instância poderiam ser presos. Esse entendimento mudou em 2019”.
  • Taxa de juros (Selic) – o presidente disse na entrevista –ao repetir que sabe como conduzir a economia e que segue um modelo de austeridade fiscal– que a única coisa errada hoje seriam os juros altos. Lula disse que a inflação está controlada: Nesta semana [na realidade, na semana passada], o Comitê de Política Monetária do Banco Central decidiu aumentar os juros básicos da economia em 1 ponto percentual por unanimidade, com votos de todos os integrantes, incluindo os indicados por Lula, como o futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo. O Banco Central explicou que a decisão foi necessária porque a inflação está fora da meta com sinais de elevação espalhados pela economia. A taxa de juros é a ferramenta que o Banco Central dispõe para manter a inflação sob controle.

Apesar de tudo ter sido conduzido de maneira educada e cordial durante a fase de perguntas e respostas, o resultado final da entrevista –quando ser trata de lava Jato e juros– foi negativo para Lula. Trata-se de uma inflexão na forma de tratamento do presidente pela emissora, pois em geral em outras entrevistas as falas do presidente não foram questionadas como ontem no “Fantástico”.

Como comparação, em 25 de agosto de 2022, numa entrevista ao “Jornal Nacional”,  TV Globo, o apresentador William Bonner chegou a dizer o seguinte antes de fazer uma pergunta a Lula sobre a Lava Jato: “O Supremo Tribunal Federal deu razão, considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anulou a condenação do caso do tríplex e anulou também outras ações por ter considerado a vara de Curitiba, incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”.

Do ponto de vista técnico e jurídico, a declaração do apresentador da Globo em 2022 estava incorreta. Os processo de Lula na Justiça não estavam ainda todos arquivados naquele momento –ou seja, o petista ainda devia explicações, pois havia as ações ainda sendo retomadas. Agora, a Globo foi mais cuidadosa e mais dura com Lula ao não deixar o presidente falar que não teve direito de defesa.

SAÚDE E 60 DIAS SEM VIAJAR

Quando o tema foi sua saúde, o presidente disse que a recomendação médica é que não faça exercícios de nenhuma natureza por cerca de 60 dias. 

Afirmou que, dessa forma, acredita que poderá fazer uma viagem que tem programada para o Japão, no final de março. Também disse que espera que depois de uma tomografia que fará na 5ª feira (19.dez.2024), possa ser liberado para voltar a Brasília.

MERCADO FINANCEIRO

Bridi também questionou Lula sobre o anúncio do pacote fiscal e a reação negativa do mercado financeiro às medidas anunciadas. Eis a pergunta e a resposta:

TV Globo – O pacote de cortes de gastos foi muito mal-recebido nessa semana. Subiu o dólar, caiu a Bolsa e há uma percepção de alguns analistas de que, com a inflação, sem controlar as contas públicas, tem mais inflação e que a inflação afeta também o mais pobre, que o juro mais alto vai afetar o mais pobre. O senhor acha que o pacote deixou alguma coisa de fora que pode ser incluída? Pode haver algum tipo de ajuste nesse pacote?

Lula – “Vamos parar com essa bobagem. Ninguém nesse país, ninguém, Sônia, ninguém, vou repetir, ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu. Não é a 1ª vez que eu sou presidente da República. Eu já governei esse país e entreguei esse país crescendo 7,5%. Entreguei esse país com a massa salarial mais alta desse país. Entreguei esse país, sabe, numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem que se preocupar com os gastos do governo. É o governo. Porque se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, sabe quem vai pagar? O povo pobre. Então, eu quero te dizer, Sônia, que é o seguinte, nós fizemos aquilo que é possível fazer, mandando para o Congresso Nacional. A única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%. Essa é a coisa errada.”

Ao detalhar as medidas em 28 de novembro, o impacto estimado pela equipe econômica foi de R$ 71,9 bilhões para 2025 e 2026. A projeção para os próximos 6 anos é de R$ 327 bilhões.

Economistas consideraram as medidas insuficientes para o equilíbrio das contas públicas.

A primeira-dama também falou ao “Fantástico”:

Janja Lula da Silva – Na 2ª feira, eu olhei que ele não estava muito bem, estava reclamando dor nas costas, a perna puxando, e eu já fiquei assim. Mas até a hora do almoço ele estava bem. Ele começou a decair durante a tarde, e aí a gente foi pro Sírio, e eu posso te dizer que aquela… Depois da noite que a minha mãe faleceu, aquela foi a pior noite pra mim. Porque eu não sabia como que a gente ia amanhecer o dia de 3ª feira. Então foi realmente momentos angustiantes de não saber o que que ia acontecer. Mas graças a Deus a gente está aqui hoje, ele está bem. Hoje a gente estava saindo aqui do hospital, ele trocando de roupa, eu realmente fiquei emocionada de estar vendo ele bem vestindo um blazer.

Você foi nesse nível de preocupação de achar que não ia sair com ele daqui?

Era bem grave a situação. Foi um momento bem delicado, então… Claro, isso passa pela cabeça da gente, mas a gente está aqui firme e forte pra seguir cuidando do país e cuidando de mim também.

ROBERTO KALIL

O médico pessoal de Lula, há mais de 20 anos, o cardiologista Roberto Kalil Filho, também falou ao “Fantástico”.

“Vamos continuar acompanhando o presidente na residência dele. Na 5ª de manhã está programada uma tomografia. Se estiver tudo bem, ele está autorizado a ir para Brasília. Em Brasília, ele vai ficar para atividades normais, com algumas restrições. Por exemplo, exercício físico: ‘Ele pode fazer? Não’. Está proibido completamente o exercício físico. Não é nem caminhar, eu disse para ele: ‘O senhor vai passear’.”

Foi uma situação assim tão grave, risco iminente de morte?

Roberto Kalil Filho – Foi, foi uma situação grave. O quadro que eu entrei foi extremamente grave. Requeria, obviamente, atendimento de emergência, mas sim, corri o risco de acontecer o pior. Eu estava naquela plataforma já esperando pra entrar no avião. E obviamente sempre tem angústia de como o paciente vai chegar. Quando assim, nem abriu a porta do avião, eu já me joguei pra dentro do avião, eu entrei rápido no avião, ele veio em pé me receber. Só que eu tive um susto do bem, estou falando. Nossa, a pessoa jogou bem, foi em pé, veio andando. Aí, obviamente, colocamos ele na ambulância, e chegamos no hospital, a equipe médica, a equipe do Dr. Marco Gustavo já estava pronta, no centro cirúrgico, na sala cirúrgica, ele foi direto pra sala cirúrgica e aconteceu a cirurgia.

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