Governo Lula infla dados sobre nº de escolas públicas com internet adequada

Dados com base em medidor oficial apontam que 49,2% das unidades têm velocidade de conexão adequada, mas balanço do MEC eleva percentual para 60%; pasta diz que problemas no uso do medidor levaram governo a usar outras fontes de informação

MEC infla dados para melhorar qualidade de conexão de escolas à internet prometida por Lula

Em parte das unidades, pasta ignora o valor registrado pelo medidor oficial quando a velocidade de conexão fica abaixo dos parâmetros previstos em resolução

Uma pilha de computadores lota o depósito do Centro Educacional Irmã Maria Regina Velanes Regis, na zona rural de Brasília. Com uma internet ruim que não atende professores nem alunos, a escola desativou o laboratório de informática para liberar o espaço para a educação integral. Sem conectividade, atividades escolares que demandam o uso da rede são feitas no improviso ou ficam para depois.

“A gente tem de colocar internet no celular para fazer a pesquisa (que o professor pediu), ou pegar internet com a ‘tia’ da lanchonete”, conta Samy da Silva, de 18 anos, aluna do ensino médio. “Às vezes tem de subir na cadeira para pegar sinal.”

Mas, segundo os dados do governo, a unidade de ensino não tem do que reclamar. O Ministério da Educação (MEC) inclui a escola entre as que têm serviço de internet adequado. A realidade, porém, é bem diferente. A cerca de 40 quilômetros do Palácio do Planalto, a Escola Irmã Maria Regina é um exemplo de que a pasta fornece dados inflados sobre qualidade da conectividade nas escolas públicas.

Levantamento feito pelo Estadão revela que 15.404 colégios no País têm rede com velocidade que não atende a comunidade escolar, mas ainda assim é considerada “adequada” pelo governo. Procurado, o MEC informa que usa várias fontes de informação para aferir a velocidade de conexão e diz que criou nova forma de avaliação da conectividade na rede pública diante de problemas enfrentados pelas unidades em várias partes do País (veja mais abaixo).

A internet na rede pública é usada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva como bandeira na educação. Lula prometeu chegar ao fim do mandato em 2026 com todas as unidades conectadas e prevê R$ 8,8 bilhões para isso.

O levantamento se baseia em dados oficiais repassados pelo MEC após pedido do Estadão via Lei de Acesso à Informação. O ministério informa a velocidade mínima que deveria estar instalada em cada escola; a velocidade de conexão aferida pelo medidor oficial; e a velocidade indicada por outras fontes como as declaradas por secretarias de Estados e municípios.

Em parte das unidades, o MEC ignora o valor registrado pelo medidor oficial quando a velocidade de conexão fica abaixo dos parâmetros previstos em resolução do governo. Nesses casos, o ministério prefere considerar desempenhos declarados por outras fontes de informação que não medem o valor real do serviço instalado e disponível na unidade escolar. Com isso, infla o número de escolas com conexão classificada como “adequada”.

Segundo o levantamento do Estadão, das 137,9 mil escolas públicas do País, 49,2% têm internet com velocidade considerada adequada. Esse cálculo considera as unidades de ensino em que o medidor oficial registra a velocidade do serviço de internet de acordo com os parâmetros mínimos conforme o número de alunos matriculados. Já em 36,1% dos colégios, a conexão medida é ruim e não serve para professores e alunos.

Esses porcentuais, porém, são diferentes do que o MEC informou ao Estadão e adota para classificar as escolas como servidas com conexão adequada ou inadequada. Segundo o ministério, 95,1% das escolas públicas brasileiras têm algum tipo de conexão. Mas pelo critério do MEC, o contingente de escolas com internet boa é maioria: alcança o porcentual de 60%, entre elas a unidade da periferia de Brasília. Já aquelas com rede ruim representariam 25%.

Para chegar nessa conta de que a maioria das escolas tem conexão adequada, o ministério usa cinco diferentes fontes de informação. Parte delas é fruto de mera autodeclaração de diretores de escolas e secretarias estaduais e municipais. Com isso, o MEC desconsidera a resolução do Comitê Executivo da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Cenec).

Essa regra reconhece só uma forma de medição para atestar a qualidade da rede: o Medidor Educação Conectada. Segundo explica o próprio MEC, é um software que serve para “conferir diversos indicadores da qualidade da conexão da escola, como a velocidade da internet para download e upload, a latência da rede e a qualidade da internet na escola”.

Nas escolas em que há divergência das classificações, o medidor oficial indica que a velocidade de internet está abaixo do recomendado. Outra fonte usada pelo ministério, porém, declara que haveria um serviço com velocidade maior disponível, ainda que não haja instrumento assegurando a veracidade da informação declarada.

No Centro Educacional Maria Regina do DF, por exemplo, a velocidade mínima de conexão deveria ser de 431 megabits por segundo (Mbps). O medidor oficial informa que ali chega a apenas 61,07. Mas o MEC inclui na lista escolas com internet adequada ao uso pedagógico como se a velocidade disponível fosse de 800 Mbps.

A promessa da gestão Lula não se limitava a instalar o serviço para ser usado apenas pelo diretor da escola para questões burocráticas, mas garantir que a rede seja usada para ensinar e aprender em sala de aula.

“Não é só ter a internetzinha lá, com baixa velocidade. É que tenha equipamento. Que pelo menos tenha um laboratório de informática, tablet, wi-fi na escola”, disse o ministro da Educação, Camilo Santana, em solenidade de 2023.

Como identificar os dados inflados do MEC

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Estadão solicitou ao MEC a relação de todas as escolas do País indicando a velocidade de conexão, a forma de medição dessa velocidade e qual é a classificação atribuída à qualidade da internet. O ministério disponibilizou os dados. A partir deles, foi possível identificar que parte das escolas que o ministério classifica com velocidade de conexão “adequada”, na verdade, está abaixo do patamar mínimo definido pelo próprio ministério.

Segundo a versão oficial do MEC, os dados mais recentes indicam que haveria 83.217 unidades com internet na velocidade adequada; 34.383 com internet na velocidade inadequada; 13.640 sem dados disponíveis para classificação da qualidade da rede; e 6.674 escolas ainda sem serviço de conexão.

No grupo de escolas classificadas como local com boa conexão, há, no entanto, 15.404, identificadas pelo Estadão, em que o medidor oficial registra que a velocidade de tráfego de dados é reduzida e não atende ao padrão mínimo definido pelo próprio MEC. Esse padrão varia conforme o número de alunos matriculados na unidade de ensino e o nível de ensino. Quanto maior a escola, mais potente precisa ser a conexão para dar conta do volume de acessos.

Se forem considerados os registros do medidor oficial de velocidade da internet, o número de escolas com rede adequada cai de 83.217 para 67.813 unidades. Já as com velocidade de conexão inadequada sobe de 34.383 para 49.787.

A análise dos dados do MEC mostra que há no Estado de São Paulo 1.885 escolas com serviço de internet classificado pelo ministério como adequado, mas o medidor oficial aponta que a velocidade de conexão não atinge o patamar mínimo definido pelo próprio governo. No Paraná, são 1.297, e em Minas Gerais, 1.288 escolas. Há casos de dados inflados em praticamente todos os Estados.

MEC diz que usa várias fontes de informação para medir velocidade de internet nas escolas

O ministério admite que usa várias fontes de informação para medir a velocidade da internet disponível nas escolas – diferentemente do que prevê a resolução da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec). Em nota ao Estadão, o MEC explica que o programa é um “esforço do governo federal” em parceria com os sistemas de ensino estaduais e municipais, com o setor privado e o terceiro setor com objetivo de universalizar “conectividade significativa com fins pedagógicos para todas as escolas públicas do País até 2026″.

A pasta diz que parte das escolas já tinha internet, mas as políticas implantadas até então não asseguravam conectividade para uso pedagógico. Segundo o MEC, o Medidor Escolas Conectadas é “uma das principais fontes de dados de velocidade usada para as escolas já conectadas”. Mas há questões técnicas que podem limitar a medição da conexão adequada por meio desse medidor.

“A maioria das escolas faz a instalação do medidor no computador. A coleta de dados depende, portanto, dessa instalação proativa por parte dos gestores escolares. Um desafio constante são as taxas de desinstalação do software ao longo do ano, em função de diversos fatores (trocas de equipamentos, entre outras)”, diz a nota do ministério.

Por conta desse problema, o MEC sustenta que é preciso complementar as fontes de medição. A resolução oficial que trata do tema, no entanto, só apresenta um medidor como fonte para aferir dados. “Torna-se essencial a complementariedade de múltiplas fontes de informação no âmbito da Enec, de modo a permitir acompanhamento mais abrangente e fiel da complexa realidade da conectividade escolar no Brasil”, diz o ministério.

Entre as fontes de informação, estão a velocidade declarada pelas secretarias; a velocidade informada pelas escolas ao MEC; a velocidade informada pelo Ministério das Comunicações e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no âmbito do Programa Aprender Conectado, e ainda a velocidade registrada no Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE).

Na nota, o MEC admite ainda que a garantia da conexão de internet nas escolas enfrenta ainda problemas de ordem estrutural como falta de energia elétrica e deficiências da infraestrutura de telecomunicação. Por isso, o governo criou em dezembro uma nova forma de avaliar a conectividade nas escolas: o Indicador Escolas Conectadas.

Desde então, as escolas vêm sendo classificadas com notas que variam de 1 a 5, sendo apenas as que obtêm 4 e 5 são consideradas adequadas. O resultado dessa nova avaliação não chegou a ser divulgado pelo MEC.

Sobre a Escola Irmã Maria Regina, o MEC disse que os dados foram informados pelo gestor da unidade. A Secretaria da Educação do Distrito Federal não se manifestou.

No início de abril, uma representante do ministério citou o indicador durante uma mesa de discussão num seminário em Brasília. Ela admitiu que, por esse novo critério, haveria 52,8% de escolas no País cumprindo três critérios: energia elétrica adequada, velocidade de conexão adequada e distribuição de sinal wi-fi adequado. Ainda assim, o indicador acaba utilizando dados de velocidade de conexão infladas por conta de o MEC adotar “fontes múltiplas” de medição.

A especialista Paloma Rocillo afirma que o avanço da tecnologia permite driblar tais dificuldades. “Barreiras geográficas e territoriais não são justificativas plausíveis para permitir desigualdade do acesso à internet tão profunda quanto existe”, destaca.

Ela defende ainda ter padrão robusto para medir a qualidade da internet nas escolas e garantir que a métrica seja cumprida. Para isso, segundo ela, é preciso compromisso político. A pesquisadora cita, por exemplo, o programa Banda Larga nas Escolas, implementado em 2008, que não atingiu a qualidade necessária de internet na rede educacional.

“É preliminar e absolutamente necessário existir parâmetro definido, estabelecido e, obviamente, que não ficará obsoleto ao longo do tempo, porque a tecnologia muda muito rápido”, afirma.

Crédito Estadão

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