A Câmara dos Deputados aprovou a sustação de ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionada à suposta tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, na qual está incluído o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ). Aprovada em Plenário por 315 votos a 143 e 4 abstenções, a sustação foi promulgada na forma da Resolução 18/25.
O pedido de sustação da ação penal foi feito pelo Partido Liberal (SAP 1/25) e aprovado nesta tarde na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), antes de chegar ao Plenário da Câmara.
O relator do pedido, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), afirmou que cabe sustar a ação porque os supostos crimes de alegada tentativa de golpe de Estado e de suposta abolição violenta do Estado Democrático de Direito e alegada organização criminosa, dos quais Ramagem é suspeito, teriam sido praticados depois de sua diplomação. “Sustar a ação penal não é jogar para a impunidade. É a paralisação do curso do processo até o fim do mandato, daqui a 1 ano e 6 meses”, declarou.
Segundo Gaspar, foram observados todos os requisitos previstos na Constituição para suspender a ação penal: denúncia, recebimento da mesma pelo STF e que os supostos crimes tenham sido cometidos a partir da diplomação. “Esta Casa não é menor do que qualquer Poder da República. Estamos decidindo os fundamentos das prerrogativas constitucionais deste Parlamento”, disse.
O texto aprovado prevê que será “sustado o andamento da ação penal contida na Petição 12.100, em curso no STF, em relação a todos os alegados crimes imputados”.
A redação provocou polêmica entre os parlamentares, pois não especifica que a sustação do processo se refere ao deputado Delegado Ramagem, sendo que a ação engloba 8 acusados, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo anterior, Ramagem é um dos réus no processo de alegada tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Ele foi indicado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos integrantes do “núcleo crucial” da suposta trama por ter supostamente prestado suporte técnico, elaborando documentos para alegadamente subsidiar ações de desinformação, especialmente em relação à segurança do sistema de votação eletrônico e à legitimidade das instituições responsáveis pelo processo eleitoral de 2022.
Ofício do Supremo
Ao contrário do parecer de Gaspar, o Supremo tem entendimento de que não é possível trancar integralmente a ação penal contra Ramagem.
Em ofício enviado à Câmara pelo presidente da 1ª Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, a suspensão só valeria para o parlamentar e apenas para os supostos crimes cometidos após a diplomação como deputado eleito, em dezembro de 2022.
Desta forma, seria possível interromper a análise de dois alegados crimes (suposto dano qualificado e suposta deterioração de patrimônio tombado), por se referirem aos atos de 8 de janeiro, que ocorreram após a data de diplomação.
Com relação às outras supostas imputações (alegada abolição violenta do Estado Democrático de Direito, suposta tentativa de golpe de Estado e alegada organização criminosa), o ofício informou que o STF daria andamento ao processo contra o parlamentar.
Além disso, não há previsão legal de sustação para outros réus, como Jair Bolsonaro.
Para Alfredo Gaspar, no entanto, mesmo os supostos crimes que teriam ocorrido antes da diplomação estariam abrangidos pela sustação porque seriam “permanentes”, ou seja, se prolongaram no tempo.
Previsão constitucional
O pedido do PL para sustar o processo se baseia no artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar, prevendo que cabe à Casa do parlamentar decidir sobre o andamento de ação penal (sustação ou prosseguimento) após informe do Supremo.
Mais beneficiados
O líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou que a aprovação da medida vai beneficiar todas as 34 pessoas acusadas de supostamente estimular e realizar atos contra os Três Poderes e contra o Estado Democrático de Direito, incluindo o ex-presidente Bolsonaro e ex-ministros como os generais Braga Netto e Augusto Heleno. “Os senhores estão aqui querendo trancar a ação penal de 34 denunciados, com julgamento para começar”, declarou.
Para o deputado, o texto é uma tentativa de impedir o julgamento já marcado contra o ex-presidente e seus assessores. Além disso, segundo dele, pode levar a Câmara à posição de “irrelevância institucional” pela inconstitucionalidade do texto.
Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o parecer busca estabelecer bases para suspender toda a ação penal e não apenas a ação contra Ramagem. “No debate na CCJ, ficou nítido que o objetivo político é tomar uma decisão na Câmara dos Deputados para elevar a tensão e o choque com o Supremo Tribunal Federal”, disse. Segundo ele, o pedido é apenas uma provocação contra o STF.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) afirmou que a proposta de suspensão é o “trenzinho da anistia” para os acusados de alegada tentativa de golpe de Estado. “Os supostos golpistas de ontem e de hoje querem pegar uma carona e anistiar todos os núcleos que comandaram a suposta tentativa de golpe do 8 de janeiro”, informou.
Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), o deputado Ramagem virou um “guarda-chuva” para proteger outros sem imunidade parlamentar. “Imunidade alargada, suposto golpe legislativo, alegada obstrução ao processo judicial, rito sumário inventado pelo presidente. É um achincalhe, esta é a noite da vergonha, do obscurantismo supostamente golpista”, criticou.
O deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) avaliou que o texto aprovado estabelece prerrogativas parlamentares para quem não é parlamentar. “Não tem o menor cabimento o artigo da Constituição que assegura as prerrogativas parlamentares ser estendido a quem não é parlamentar”, declarou.
Vários deputados da base do governo citaram súmula do STF que não estende a outro réu, no mesmo processo, a imunidade parlamentar.
De acordo com Gaspar, porém, o parecer não ampliou o escopo para livrar outros réus além de Ramagem. “Quem fez uma denúncia colocando todo mundo no mesmo vagão? Quem escolheu colocar Ramagem e os outros em uma mesma denúncia? O Ministério Público”, disse.
O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) explicou que a Constituição estabelece sustar uma ação penal completa, e não apenas parte dela. “Ou susta-se a ação e, nela sustando, a consequência é que está sustado para todos. Ou não susta a ação, e não está sustado para ninguém”, afirmou.
Discussão limitada
O presidente da Câmara, Hugo Motta, definiu que não haveria discussão em Plenário sobre a suspensão de ação penal, apenas a votação. “A matéria foi amplamente discutida por aproximadamente três dezenas de parlamentares em reuniões que totalizaram mais de 10 horas no âmbito da Constituição e Justiça e de Cidadania”, justificou.
Crédito Câmara dos Deputados