Ex-comandante da FAB, Carlos Batista Júnior, confirma que Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro.
O ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior reafirmou nesta quarta-feira (21) que o ex-comandante do Exército, o general Freire Gomes, teria ameaçado prender o ex-presidente Jair Bolsonaro numa reunião em 14 de novembro de 2022. Ouvido como testemunha, ele confirmou a versão que havia dado à Polícia Federal no inquérito do suposto golpe de Estado.
Em depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF), o brigadeiro disse que, nessa reunião, ele e o general Freire Gomes perceberam que Bolsonaro poderia, na época, estar cogitando decretar uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO), um estado de sítio ou de defesa para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No interrogatório, em que depôs como testemunha – com obrigação de dizer a verdade, sob pena de ser penalizado – Baptista Júnior foi questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, se Freire Gomes teria dito a Bolsonaro que poderia prendê-lo, caso adotasse uma medida de ruptura.
“Confirmo, sim senhor. O general Freire Gomes é pessoa polida, educada, não falou essa frase com agressividade. Ele não faria isso [dar voz de prisão], mas é isso que ele falou. ‘Se o sr. fizer isso, terei que te prender’. Com muita tranquilidade, muita calma, mas colocou exatamente isso”, disse Baptista Júnior.
Na última segunda-feira (19), em depoimento como testemunha no processo da suposta tentativa de golpe, Freire Gomes negou que tenha dado voz de prisão a Bolsonaro. Em seu depoimento, Baptista Júnior relatou que soube pela imprensa que o ex-comandante do Exército negou ter dado voz de prisão, mas reafirmou que ele teria, sim, ameaçado prender Bolsonaro caso ele tentasse impedir a posse de Lula.
No interrogatório, a defesa do ex-presidente ainda questionou Baptista Júnior sobre a divergência nas versões. “O comandante do Exército é pessoa muito polida, educada. Mas é firme quando precisa. Eu vi. Ele não deu voz de prisão para o presidente. Mas disse, com toda a educação, que se por hipótese, o presidente atentasse, teria que prender. Mantenho isso”, disse o ex-comandante da Aeronáutica.
Baptista diz que Bolsonaro avaliava medidas de exceção com objetivos políticos
No depoimento, Baptista Júnior contou que participou de ao menos cinco reuniões com Bolsonaro e com comandantes das Forças Armadas em novembro de 2022, após o segundo turno das eleições: nos dias 1, 2, 14, 22 e 24 daquele mês.
Segundo ele, inicialmente, os comandantes supunham que Bolsonaro avaliava decretar uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para promover a “paz social”, uma vez que havia risco de uma “convulsão social”, por causa de protestos que começavam a ocorrer em frente a quartéis militares e também pelo risco de ocorrer uma paralisação geral de caminhoneiros nas rodovias.
“Durante todo o período eleitoral, as Forças Armadas trabalhavam com avaliação da conjuntura. Estávamos entendendo que a sociedade, que o povo estava rachado ao meio, radicalizado, e trabalhamos com hipótese de acirramento. Nosso medo era de ser necessário uma GLO, com base no artigo 142 da Constituição, por iniciativa de um dos poderes, de forma pontual, para resolver o problema. Essa era a hipótese que os comandantes avaliavam”, contou o brigadeiro.
Na reunião de 1º de novembro, um dos assuntos da conversa com Bolsonaro foi o resultado da fiscalização das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Nesse encontro, segundo Baptista Júnior, o ex-presidente foi informado que os militares não haviam encontrado qualquer fraude na votação. Nessa reunião, o então advogado-geral da União, Bruno Bianco, teria afirmado a Bolsonaro que não havia o que fazer.
No dia 2 de novembro, segundo Baptista Júnior, os comandantes voltaram a se reunir com Bolsonaro e, nessa ocasião, “o presidente estava frustrado com o resultado, parecia deprimido, com a erisipela que atacou a perna dele”. “A GLO começou a ser abordada. Mas o foco era a entrega do relatório. A partir do dia 1, comecei a entender que a GLO que estávamos abordando não era para o que estávamos acostumados desde 1992. Começamos a ficar desconfortáveis, eu, o ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira [Defesa] e o general Freire Gomes”, narrou o brigadeiro.
Baptista Júnior disse que, depois dessa reunião, fez uma sugestão. Ele afirmou ter dito que, se havia algum problema de crise institucional, “estava na hora de chamar outros participantes, além dos comandantes, como o ministro da Justiça, os presidentes da Câmara, do Senado, que compõem o Conselho de Defesa”. O órgão deve ser consultado em caso de decretação de estado de defesa ou de sítio. Baptista Júnior disse desconhecer se isso foi iniciado.
Gonet perguntou ao brigadeiro quais instituições seriam atingidas numa eventual decretação de Operação de Garantia da Lei e da Ordem. “A GLO que nós trabalhávamos era para o caso de convulsão social no Brasil. Não estávamos trabalhando com GLO para qualquer outro objetivo que não esse. Falei com presidente Bolsonaro ‘aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro, o senhor não será presidente’. A GLO que estávamos falando, era para o caso de algum problema em alguma cidade, algum estado, alguma convulsão social”, respondeu o ex-comandante da Aeronáutica.
O procurador-geral então questionou que tipo de GLO Bolsonaro estava avaliando. “Existe um conhecimento de emprego militar que a guerra é ganha quando se conquista os objetivos políticos, não os militares. Comecei a achar que o objetivo era para não haver assunção do presidente eleito. Não estou entrando na seara ideológica ou pessoal. Isso começou a acontecer do dia 11 ao dia 14 de novembro e fiquei bastante preocupado”, respondeu Baptista Júnior.
Ele foi questionado se, na minuta de decreto que Bolsonaro apresentou, havia previsão de prisão de autoridades. Foi, sim senhor, do ministro Alexandre de Moraes. Isso era num ‘brainstorm’ das reuniões, isso aconteceu. Lembro bem. ‘Vai prender o Alexandre de Moraes, o presidente do TSE? E se amanhã o STF soltá-lo com um habeas corpus, vai fazer o quê?’”, contou Baptista Júnior, reproduzindo o teor das conversas.
Baptista Júnior reafirma que ex-comandante da Marinha colocou tropas à disposição
Baptista Júnior ainda relatou que, numa das reuniões de Bolsonaro com os chefes militares, o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, teria colocado tropas à disposição do ex-presidente.
Narrou que, nesses encontros, ele mesmo e os generais Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Freire Gomes (ex-comandante do Exército) tinham uma postura “bastante conhecida”, mas que tinha uma “visão muito passiva do almirante Garnier”.
“Paulo Sérgio, Freire Gomes e eu debatíamos mais, tentávamos demover. Numa dessas [Garnier Santos] falou que as tropas estariam à disposição do presidente”, contou.
Baptista contou que, quando chegou para a reunião de 14 de novembro, Paulo Sérgio Nogueira, Freire Gomes e Almir Garnier já estavam presentes. O então ministro da Defesa comunicou então que havia trazido um documento para que eles analisassem. “Esse documento estava na mesa, dentro de um plástico”, detalhou o brigadeiro.
Nesse momento, Baptista Júnior teria perguntado a Paulo Sérgio Nogueira se o documento previa “a não assunção do presidente eleito”. O ministro da Defesa, segundo seu relato, teria ficado calado, consentindo. “’Não admito sequer receber esse documento, não fico aqui’. Levantei e fui embora”, relatou Baptista Júnior.
“Quando perguntei, ele ficou calado, e logicamente que nós temos afinidade e conhecimento, entendi que estava previsto. Garnier não falou nada. E Freire Gomes também rejeitou”, detalhou ainda o ex-comandante da Aeronáutica. “Não me lembro se era estado de defesa ou de sítio. Mas não existia pressuposto sequer para estado de defesa”, disse ainda o brigadeiro durante o depoimento no STF.
Baptista diz que ainda sofre “ataques” nas redes “chamando de melancia”
Baptista Júnior disse que até hoje sofre ataques nas redes sociais por ter negado apoio para uma ruptura. “Tenho até hoje perfis no Twitter chamando de melancia. Meu Twitter tive que fechar. ‘Traidor da pátria, não é patriota’… esses ataques acontecem até hoje”, afirmou no depoimento.
Ele registrou que ataques vieram do ex-ministro Walter Braga Netto – a investigação mostrou mensagens do general mandando um colega de farda criticar o brigadeiro. “Senta o pau no Batista Junior. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto ao militar Ailton Barros. “Elogia o Garnier [Almir Garnier] e fode o BJ [Baptista Junior]”, diz a mensagem.
O ex-comandante da FAB disse que as ofensas atingiram sua família. “Minha posição sempre foi muito firme, tanto para o presidente quanto para todos. Minhas posições não serão demovidas com esse tipo de ataque. Quando envolve família, fica muito chato. Era tentativa de me desviar do caminho, o que nunca deu certo e não dará”.
No depoimento, ele também foi questionado sobre a participação do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, que é réu no processo. Negou que ele tenha o abordado ou pressionado para tratar de ruptura.
Ele narrou um encontro entre os dois em 16 de dezembro, numa cerimônia de formatura do filho do general no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP). Contou que, no meio da cerimônia, Augusto Heleno foi chamado para uma reunião de emergência com Bolsonaro para o dia seguinte, um sábado.
Baptista Júnior então teria dito a Heleno que “não é normal ter que sair da formatura, para ir amanhã, sábado, numa reunião de emergência”. “Disse a ele: ‘eu e a Força Aérea Brasileira, por unanimidade não vamos apoiar qualquer ruptura nesse país. Se alguém for bancar isso, que saiba as consequências’. Ele estranhou a firmeza. Sentamos na cabine [do avião] e não falamos mais nisso. Nunca mais tive contato com ele”, relatou.
Crédito Gazeta do Povo