Relatório do Tesouro indica dívida pública do Brasil fora de controle

Documento descreve piora na trajetória da dívida; analistas entendem que regras de controle das contas públicas são “insustentáveis”.

A trajetória da dívida pública bruta do governo federal (ou DBGG, como é chamada nos relatórios públicos) poderá atingir um pico em 2028 — com o valor correspondendo a 84,3% do Produto Interno Bruto (PIB). É o que mostra o Relatório de Projeções Fiscais, divulgado pelo Tesouro Nacional neste mês.

Para analistas ouvidos pela CNN, os números sinalizam que a dívida pública está fora de controle, e que as atuais regras são “insustentáveis” para conter o agravamento da situação fiscal.

Os dados mostram piora a médio e longo prazo.

Em estimativa anterior, divulgada em dezembro de 2024, o pico da DBGG estava previsto para 2027.

A trajetória atingiria 81,8% do PIB e seguiria caminho descendente, até chegar a 75,6% em 2034. Salvaguarda 2025, que foi de 79,7% para 79%, todas as percentagens registraram alta no relatório.

Na comparação com 2024, a projeção do Tesouro também é de aumento da dívida para 2025. No ano passado, o valor correspondia a 76,5% do PIB — este ano, como citado acima, o valor corresponderá a 79%.

Fora de controle

Reginaldo Nogueira, diretor nacional do Ibmec, classifica o crescimento da dívida pública como fora de controle.

Em entrevista à CNN, o economista afirmou que, pelo andar da carruagem fiscal, o país está chegando a um ponto em que a reversão saudável dessa porcentagem será impossível.

“O Brasil está ficando sem tempo”, alerta Nogueira.

Ele aponta para a taxa de juros do BC (Banco Central), atualmente em 15%. Com esse patamar, o Brasil se tornou o segundo país com a maior taxa de juro real no mundo, chegando a 9,76% em 2025 (perdendo o pleito apenas para a Turquia, a 10,88%).

Nos países desenvolvidos, a dívida é elevada, mas os juros são menores, os prêmios de risco e a sensação de segurança são maiores. Esse não é, na visão dos especialistas, o caso do Brasil.

Nossa dívida está muito maior do que conseguimos carregar.

Não à toa, em maio deste ano, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a perspectiva da nota de crédito do Brasil de “positiva” para “estável”.

De acordo com a análise da agência, o rebaixamento da perspectiva se devia a três fatores: progresso mais lento que o esperado nas reformas estruturais, rigidez dos gastos públicos e, veja só: preocupação com a capacidade de pagamento da dívida.

Além de ser um importante termômetro para o mercado, uma dívida elevada também afeta o bolso dos brasileiros.

Rafael Prado, economista na GO Associados, explica que, para além de efeitos claros na inflação, taxa de juros e no câmbio, contingenciar a dívida também envolve de duas, uma: o desmonte de recursos, o que afeta diretamente o bem-estar da população; ou o aumento de despesas tributárias; portanto, idem.

“Insustentáveis”

Agentes do mercado têm se mostrado céticos acerca da estabilização da dívida pública.

Segundo o Sistema de Expectativas de Mercado do Banco Central, a expectativa para 2025 é que a relação dívida-PIB chegue a 80% (a referência é a última coleta de dados do sistema, feita no dia 25 de julho). Para 2035, é de 93,5%.

Há projeções com relações ainda maiores. É o que mostra a IFI (Instituição Fiscal Independente do Senado) em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal, elaborado em junho deste ano. Para a organização, até 2035, a dívida deve chegar a 124,9% do PIB.

Apesar da projeção do governo federal de cumprir a meta fiscal para 2025, as atuais regras para o controle das contas públicas são “insustentáveis”, afirma o Instituto, em nota.

Para Marcos Pestana, diretor-executivo da entidade, o cenário caminha um estrangulamento absoluto em 2027. “100% do orçamento da receita disponível será tomado por despesas obrigatórias. Não haverá nenhuma margem para discricionariedade”, argumenta.

Termômetro da saúde fiscal

A relação entre a dívida e o PIB é um dos principais termômetros de saúde fiscal de um país.

Agências de rating, investidores e atores econômicos relevantes, sejam eles estrangeiros ou domésticos, ficam de olho na solvência da dívida, que indica a capacidade de cumprimento das obrigações financeiras de longo prazo da nação.

Para referência: quando a dívida ultrapassa os 100%, isso significa que os valores devidos pelo governo ao setor privado e público, tanto nacional quanto internacional, são maiores do que tudo o que o país produziu naquele ano.

Isso não é incomum entre países desenvolvidos. O Japão, por exemplo, possui historicamente a maior relação dívida-PIB entre as grandes economias. Em dezembro de 2024, essa relação era de 216,2%.

O mesmo ocorre nos Estados Unidos (124,3% em 2024) e nos países da Zona do Euro (88% no 1º tri de 2025), como Alemanha, Espanha, Finlândia, França e Itália.

“Com essa relação, interessa muito mais o filme do que a foto”, argumenta Pestana. Ele e outros especialistas consultados pela CNN tem cautela na hora de comparar os cenários.

O que aconteceu com o Brasil?

O Tesouro justifica a piora pela diferença na grade de parâmetros macroeconômicos, “em que as projeções apresentam, na média, taxa de juros, câmbio e inflação mais altos”.

Desde o último relatório, a Selic subiu de 12,25% a 15% ao ano. A inflação, por sua vez, chegou a 4,83% no acumulado dos 12 meses de 2024. Para esse ano, a projeção mais atualizada é de 5,07%.

“Para manter a dívida em 76,5% do PIB em todos os anos, o esforço fiscal precisaria ser 0,5 p.p. maior do que o previsto no cenário de referência”, escreve. Com cenário de referência, leia-se: um cenário em que as metas definidas para as contas públicas são atingidas.

Falando nelas, o pessimismo acerca da dívida também permeia as expectativas fiscais do mercado.

Segundo Tiago Sbardelotto, economista da XP, os juros nominais tem, sim, um peso importante na piora da dívida-PIB. Mas essa incapacidade de reação só ocorre pela “rigidez orçamentária do governo federal”.

Sbardelotto cita as projeções de déficit para este ano, previstas em R$ 26,3 bilhões.

A meta é de déficit zero para este ano, mas o governo conta com uma margem de tolerância que admite um resultado negativo de até R$ 31 bilhões (o equivalente a 0,25% do PIB).

Grande parte das despesas com precatórios, no entanto, não são contabilizadas para o cumprimento da meta. Para 2025, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou que R$ 45,3 bilhões em precatórios podem ser pagos fora da meta.

“O engessamento cada vez maior do orçamento brasileiro é crescente, e as despesas obrigatórias andam em um ritmo maior do que as receitas disponíveis. Esse é um quadro grave, não há precedentes no mundo para isso”, argumenta Marcus Pestana.

“É um círculo vicioso. Há o desequilíbrio fiscal que leva às taxas de juros altas, que determinam um déficit nominal maior e, consequentemente, ao aumento da dívida”, complementa.

Como estancar a ferida

A maneira que o governo encontrou de estabilizar o déficit (e, consequentemente, a relação dívida-PIB brasileira) foi por meio do aumento da arrecadação federal — como visto no episódio do aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), medida que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atrelou explicitamente à cobertura do rombo nas contas públicas.

A arrecadação pública vem aumentando — em 2024, subiu 9,5% em comparação anual, atingindo um recorde histórico de R$ 2,7 trilhões. Mas, segundo o especialista do Ibmec, o problema do país não é a falta de arrecadação, e sim o estancamento da despesa.

“Fica muito clara a situação dramática do Brasil hoje quando pensamos que a arrecadação cresceu, o país vem crescendo mais de 3% ano desde 2021, e a gente não consegue zerar o déficit primário”, argumenta Nogueira.

“O arcabouço fiscal aprovado em 2023 apostava nessa lógica: que o crescimento da receita traria o equilíbrio fiscal. Depois de dois anos, não tem mais ninguém no mercado e, acredito, dentro do governo, que acredite que ele tenha fôlego”.

Os especialistas consultados pela CNN são unânimes: para estancar a ferida, o país precisará, necessariamente, passar por uma reforma estrutural de enxugamento de gastos.

Complementado de um orçamento mais livre, de mecanismos automáticos, que permitiria ao executivo e ao Congresso Nacional uma redistribuição anual de gastos mais flexível.

Redução de despesas obrigatórias

Segundo informações do IFI, o que seria necessário para estabilizar a dívida seria a geração de um superávit primário de 2,1%, pressupondo uma taxa de juros em torno de 4% a 5%, e um crescimento médio de 2,2%.

Para esse superávit ser possível, Nogueira, do Ibmec, cita alguns elementos. Primeiro, argumenta que o governo tem dificuldade em reduzir despesas obrigatórias. Nesse contexto, o que tem crescido são despesas previdenciárias, como Benefícios de Prestação Continuadas, por exemplo.

O especialista afirma que o primeiro passo para a redução é um congelamento do crescimento real do salário mínimo atrelado aos benefícios. Durante alguns anos, os benefícios cresceriam somente com a inflação. “Essa medida, sozinha, consegue gerar em torno de R$ 25 bilhões de economia por ano”.

O segundo elemento são os supersalários, que se referem a remunerações de servidores públicos que excedem o teto constitucional.

O especialista argumenta que o respeito a esse limite geraria em torno de R$ 4 a R$ 5 bilhões por ano de economia às contas públicas.

“A medida tem até efeito moralizador, ao discutirmos o congelamento do salário mínimo atrelado aos benefícios, que penaliza uma parte da população. Há uma obrigação republicana de olhar esses supersalários”, argumenta.

Outro ponto são as renúncias fiscais, que acontecem quando certas rendas ou transações estão livres de impostos no nível federal, estadual ou municipal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em maio que o Brasil tem uma “caixa-preta” de R$ 800 bilhões.

Nogueira questiona o número e entende que não é possível fazer uma redução tão robusta (mesmo porque muito desse dinheiro não pode ser cortado em instância federal, apenas em estadual e municipal).

Também crê que a medida poderia prejudicar os negócios no país. Mas argumenta que, enxugando esse valor, é possível reduzir em torno de R$ 30 bilhões em gastos tributários.

Somando estes gastos, os supersalários e o congelamento do ganho real dos benefícios, o déficit primário de 2025 estaria praticamente zerado (contando o pagamento de precatórios), “sem lançar mão de novos impostos”.

Para além disso, o especialista do Ibmec também argumenta que o pagamento da dívida seja feito o mais cedo possível. “À medida que ela sobe, o percentual do PIB pago em juros também será maior”, analisa.

Caso sejam mantidas as atuais condições de pressão e temperaturas fiscais, Marcus Pestana argumenta que as despesas continuarão crescendo, as receitas caindo e estabilizando, o déficit se agravando e, como consequência, o Brasil irá se deparar com um crescimento exponencial da dívida pública.

“Em 2027, o próximo presidente da república terá, fatalmente, um encontro marcado com uma profunda reestruturação fiscal”, finaliza.

Crédito CNN Brasil

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