Bancos não sabem o que vão fazer com restrições a Moraes

Confira na Gazeta do Povo: o sistema financeiro ainda avalia o alcance da lei Magnitsky, que impôs sanções financeiras a Alexandre de Moraes

Os bancos brasileiros ainda estudam o alcance das sanções da Lei Global Magnitsky impostas pelo governo Trump ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Analistas do setor financeiro ouvidos pela Gazeta do Povo admitem que consultas jurídicas sobre os impactos em produtos e serviços bancários estão em curso. Além do ineditismo do caso, a avaliação é que nem mesmo juristas nos Estados Unidos têm clareza sobre todos os efeitos da legislação.

A Lei Magnitsky — aprovada em 2016, durante o governo de Barack Obama — autoriza sanções contra estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos e corrupção, sem necessidade de condenação em processo judicial.

Moraes foi incluído na lista da Ofac (Office of Foreign Assets Control), órgão do Tesouro dos EUA, acusado de liderar uma “campanha opressiva de censura” e autorizar prisões abusivas de réus da invasão do Congresso em 8 de janeiro de 2023.

As sanções contra o magistrado, segundo a nota do Tesouro Americano, incluem o bloqueio de seus bens nos Estados Unidos, a proibição de transações com cidadãos e empresas americanas e a exclusão do sistema bancário internacional vinculado ao dólar.

Moraes minimizou o impacto, afirmando não possuir bens ou investimentos nos EUA. Mas os efeitos da legislação vão além. Na prática, a medida é considerada uma espécie de “pena de morte financeira”.

Como a maior parte das transações globais passa pelo sistema americano, bancos, pessoas ou instituições que, mesmo não sendo americanos, mantenham relações comerciais ou financeiras com o alvo podem ser atingidos por sanções secundárias.

Nesse sentido, um banco brasileiro que processe transações para Moraes poderia, em tese, sofrer multas milionárias, ter ativos congelados nos EUA ou até perder o acesso ao sistema bancário americano. Por isso, as instituições financeiras estão sob alerta.

Até onde a Magnitsky pode ir?

No meio financeiro, há uma leitura de que a nota sobre a inclusão de Moraes na lista de sancionados é vaga e que as operações domésticas — feitas em real — continuam permitidas, ou seja, o ministro poderia manter contas bancárias no Brasil. Já transações internacionais — inclusive cartões de crédito — e operações de câmbio, por outro lado, podem esbarrar nas regras americanas.

Mas também há quem acredite que instituições financeiras com as quais Moraes tem relação precisariam encerrar o contrato com o ministro, sob pena de sofrerem punições, já que têm operações nos EUA e fazem transações em dólar.

A dúvida — que tem consumido os especialistas em contencioso e compliance do sistema financeiro — é até que ponto as instituições brasileiras precisarão ir para cumprir as determinações de Washington.

Gazeta do Povo questionou os três maiores bancos brasileiros sobre o assunto. A manifestção do Itaú foi objetiva: “O Itaú Unibanco cumpre rigorosamente as legislações em todos os países em que atua. O banco não comenta casos específicos, independentemente de estarem relacionados a clientes ou não, em respeito irrestrito ao sigilo bancário”.

O Banco do Brasil. — por onde o ministro recebe seus proventos como servidor público — pontuou: “Em cumprimento à lei do sigilo bancário, o BB não comenta sobre movimentações financeiras de clientes.” O Bradesco não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que não iria se manifestar.

Judicialização pode ser “constrangedora”

Em meio às incertezas, uma alternativa em particular preocupa: a judicialização das sanções da Magnitisky. Para uma das fontes do setor, a contestação pelo magistrado criaria uma situação “constrangedora”. “Seria um problema sério aí”, diz. “O cumprimento da lei americana pode trazer problemas graves para uma figura de peso interno, que tem poder de influência sobre as instituições.”

Outro executivo, no entanto, acredita no pragmatismo dos bancos. “No fim das contas, não há muito espaço para manobra. Quem opera lá fora, tem negócios e ativos nos Estados Unidos, sabe que precisa seguir o que vem de fora”, resumiu. “De forma muito clara, é algo que tem que ser cumprido, independentemente de haver constrangimentos ou não.”

O advogado criminalista Berlinque Cantelmo, sócio do RCA Advogados, avalia que Moraes pode contestar judicialmente a medida no Brasil, alegando que instituições financeiras nacionais não estão obrigadas a cumprir determinações de um país estrangeiro.

“No entanto, a realidade do mercado global, que depende do sistema financeiro dos EUA, pode tornar essa contestação pouco eficaz na prática”, disse. Segundo ele, os bancos devem avaliar riscos legais e reputacionais, buscar “pareceres especializados e possivelmente restringir operações para evitar envolvimento com alguém listado nas sanções”.

Guilherme Barcelos, doutor em Direito Constitucional e sócio do Barcelos Alarcon Advogados, acha legítima a disputa judicial “caso bancos brasileiros se sintam pressionados a cortar relações com o ministro Moraes”.

“A decisão de instituições de seguir restrições impostas pelos EUA, sem respaldo de autoridade nacional competente, poderia ser apontada como ato inconstitucional e atentado à soberania”, afirma. “Isso sem contar os mecanismos executivos, como a medida provisória, que também, ao menos em tese, poderia ser acionada.”

Para ele, no entanto, três caminhos são mais claramente factíveis: via Itamaraty; pela esfera administrativa e institucional, diretamente no Departamento de Estado dos EUA; e na via judicial, ainda nos EUA. Mas ele destaca que, até hoje, no âmbito do Judiciário dos EUA, “nenhum afetado que buscou a via judicial para desconstituir a sanção obteve êxito”.

Outro executivo vê espaço para a diplomacia brasileira tentar negociar uma “interpretação” junto aos EUA, alegando que a situação de Moraes não se enquadra na finalidade original da Magnitsky — criada para atingir traficantes, corruptos internacionais e violadores de direitos humanos. “Há inclusive juristas americanos que compartilham essa leitura”, afirma.

Magnitsky no almoço, no jantar e em Washington

Moraes, por sua vez, já declarou que quer que o governo atue de forma política, incluindo o cancelamento dos vistos e as sanções da Magnitsky nos protestos e manifestações que o Itamaraty vier a fazer sobre as medidas do governo Trump.

O tema tem sido debatido em encontros reservados. No início de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu um jantar em apoio ao magistrado. Dias depois, Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin participaram de um almoço com o banqueiro André Esteves (BTG Pactual), o advogado-geral da União, Jorge Messias, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e representantes de outras instituições financeiras.

Nesse encontro, em Brasília, na casa de Rodrigo Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), foi apresentado em detalhes como funcionam os mecanismos automáticos de verificação que bloqueiam operações de clientes listados na lei, impossibilitando qualquer tentativa de drible.

Até agora, no entanto, as sanções contra Moraes não atingem o nível máximo. Segundo um banqueiro, a situação ainda é “corrigível”, apurou o Globo, mas não se descarta que sua esposa, a advogada Viviane Barci, também seja incluída.

Um outro encontro, desta vez em Washington, promete trazer novidades. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o jornalista Paulo Figueiredo vão participar, nesta quarta (13) e quinta (14), de uma nova rodada de conversas com autoridades americanas e assessores diretos da Casa Branca.

Além de articular a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes, será discutida a possibilidade de sanções contra outros magistrados da Corte. A ideia, segundo Paulo Figueiredo, também é “conversar com autoridades americanas para que o Ofac esclareça e não deixe sombra de dúvidas sobre a extensão das sanções”.

Mesmo sem o detalhamento, num primeiro momento juristas entendem que o cumprimento da Magnitsky será inevitável.

“Obviamente que esses bancos vão obedecer àquela lei e bloquear as contas de Moraes. Não há outra alternativa”, afirma a constitucionalista Vera Chemim. “A questão é complexa em qualquer seara — diplomática, administrativa ou judicial — e, a julgar pela acusação pela qual Moraes está sendo sancionado, acho difícil a sua reversão no curto prazo.”

Para Chemim, a aplicação da lei deve se tornar mais rigorosa, dependendo da conduta futura de Moraes. A “crise político-ideológica de graves proporções” que está na raiz de todo o imbróglio, segundo ela, ainda vai persistir por um tempo. “Posteriormente, a situação pode ser aliviada espontaneamente, com o restabelecimento da crise diplomática. Do médio ao longo prazo, talvez haja uma luz no fim do túnel.”

Crédito Gazeta do Povo

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