Supremo Tribunal Federal se recusa a divulgar termos de acordo com Suprema Corte da China sobre cooperação mútua
O STF tem mais em comum com a China do que a “admiração” pelo regime autoritário declarada pelo ministro Gilmar Mendes.
O Supremo Tribunal Federal do Brasil e a Suprema Corte da China vêm estreitando cada vez mais uma parceria de cooperação de informações e uso de tecnologias, sobretudo de Inteligência Artificial (IA) entre os dois países.
Em que exatamente consiste essa parceria, o STF se recusa a dizer.
Segundo a corte, o objetivo da parceria é encontrar “áreas de interesse comum para o lançamento de iniciativas de cooperação bilateral e aprofundar o conhecimento mútuo dos sistemas judiciais de cada país”.
Na prática, o STF não explica quais são estas iniciativas, interesses em comum ou o que exatamente vão trocar de informações.
Procurado pela Gazeta do Povo, o STF não respondeu a estas dúvidas nem enviou os memorandos sobre os dois encontros recentes entre o supremo da China e o do Brasil, realizados em 2024 e 2025. Os ofícios que detalhariam o que foi acordado tampouco são acessíveis no site do tribunal.
Ou seja: não é possível saber de fato o que prevê esse acordo do STF com a Suprema Corte da China.
Amizade controversa
A parceria entre as duas autoridades judiciárias de cada país levanta questionamentos porque, apesar de ambos buscarem soluções tecnológicas para o alto volume de processos judiciais, o papel de supremas cortes são bem diferentes.
A China é comandada pelo Partido Comunista, que domina todas as instituições estatais, inclusive o Judiciário. Sob a ditadura de Xi Jinping, a justiça chinesa tem forte intervenção estatal e controle político, juízes seguem diretrizes partidárias e o Estado pode prender sem julgamento público. Além disso, a liberdade de imprensa e nas redes sociais são fortemente censuradas.
Em termos práticos, ainda que o STF diga que a colaboração é técnica e voltada à modernização, o seu papel central na política brasileira somado à proximidade com o regime chinês gera dúvidas – e a declaração do ministro Gilmar Mendes, que elogiou a China em junho deste ano só piorou a situação. A falta de detalhes sobre o teor do acordo também não ajuda.
Inteligência Artificial para acelerar processos
A parceria entre as cortes ocorre por meio de memorandos de entendimento e encontros bilaterais. De acordo com o STF, o objetivo é fomentar o intercâmbio de experiências que auxiliem na modernização dos sistemas judiciais.
Não há informações mais claras à disposição na internet ou respondidas pelo STF. Em seu site, o Supremo diz que o ponto central da parceria é compartilhar o uso da IA para otimizar os processos judiciais. Por exemplo, na busca de precedentes e no auxílio à tomada de decisões, considerando que os dois países lidam com um grande volume de processos.
A relevância da IA foi um dos temas da palestra que o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, deu em sua visita à China a convite do Supremo Tribunal Popular de lá, em julho do ano passado.
A apresentação, intitulada “Inteligência Artificial, Democracia e Mudança do Clima”, foi apresentada para cerca de 300 juízes. Barroso falou ainda, na ocasião, sobre a expectativa de poder usar diferentes plataformas, como o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), para continuar o intercâmbio com a China.
Ministros chineses no Brasil
O volume de processos foi mencionado pelo vice-presidente do tribunal chinês, He Xiaorong, em abril deste ano durante uma visita à Brasília. Junto a uma comitiva de magistrados chineses, ele foi recebido pelo vice-presidente do STF, ministro Edson Fachin.
Xiaorong disse que um dos desafios deles é o volume de processos – mais de 43 milhões em todos os níveis do judiciário – e sobre como ferramentas de IA estão ajudando a dar celeridade ao andamento das ações.
Fachin e Xiaorong afirmaram no encontro, segundo publicação do STF, que “a aplicação desses recursos deve ser balizada por parâmetros éticos, sempre com a supervisão humana e visando garantir os direitos da população”.
Durante a visita ao Brasil, Xiaorong também firmou um acordo de cooperação mútua com o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O acordo prevê troca de informações e dados técnicos, incluindo materiais bibliográficos, estudos e outras fontes relevantes de interesse mútuo.
O STJ também não passou o memorando solicitado pela Gazeta do Povo. A corte enviou apenas um link com o registro do encontro. Mas a reportagem localizou o documento na página da Biblioteca Digital Jurídica.
Acordo em 2015
Antes desses encontros, há 10 anos, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, e o presidente da Suprema Corte da China, Zhou Qiang, assinaram um memorando de entendimento para intensificar a cooperação entre ambas as Cortes Supremas.
O acordo tinha como metas a modernização dos sistemas judiciais, intercâmbio de magistrados e banco eletrônico de jurisprudência ambiental entre os países do Brics.
Em 2012, o STF já havia recebido uma delegação chinesa que manifestou interesse nos mecanismos do Judiciário brasileiro, como a transmissão ao vivo das sessões, súmulas vinculantes e metas de produtividade.
A cooperação faz parte de acordos firmados entre os países do bloco Brics para firmar a colaboração judicial entre os integrantes do grupo.