Brasil se tornou rota estratégica do tráfico humano

O país é palco, principalmente, da atuação de quadrilhas ligadas a países como Irã, China e Rússia

O Brasil enfrenta um aumento nos fluxos migratórios ilegais e se torna um centro para redes internacionais de tráfico de pessoas, com destaque para operações policiais no Amapá e a atuação de quadrilhas ligadas a países como Irã, China e Rússia.

Segundo especialistas, o país também observa mudanças no perfil dos migrantes — como o crescimento de executivos chineses — e desafios decorrentes de crises internacionais, enquanto brasileiros enfrentam restrições migratórias no exterior.

Na semana passada, a Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação no extremo norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, resultando no desmonte de uma rede que facilitava a travessia de estrangeiros para o Suriname mediante o pagamento de altas quantias.

Ainda não está claro se o destino final desses migrantes seria os Estados Unidos ou o próprio Suriname, onde muitos acabam trabalhando em minas clandestinas.

De acordo com a PF, “as viagens eram realizadas por vias terrestres clandestinas, em ambos os sentidos”.

“O transporte era cobrado em moeda estrangeira e em valores considerados exorbitantes, sob a alegação de uma viagem ‘segura’ para pessoas sem autorização legal de entrada ou saída do país”, informou a PF em nota.

Estados fronteiriços do Brasil são os mais afetados

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) destaca o Suriname como origem, rota e destino para migração e tráfico ilegais. Os Estados brasileiros de fronteira são os principais afetados.

Um relatório recente da Universidade Internacional da Flórida alerta que o Brasil serve cada vez mais como centro operacional para redes de migração ligadas à China, Rússia e Irã, e não apenas como destino final.

Ao conversar com o site Infobae, Gil Guerra, autor do relatório, disse que “embora o Brasil seja um país mais difícil de atravessar do que os mais setentrionais da América Latina, existe uma rota aérea consolidada de Istambul a São Paulo e um histórico da ação de grupos de traficantes iranianos.”

Um exemplo é o iraniano preso em 2023 durante a operação Jano, acusado de liderar uma quadrilha internacional de falsificação de passaportes e transporte ilegal de migrantes.

Investigações iniciadas em 2021, em Foz do Iguaçu, com apoio da Interpol, identificaram fornecimento de passaportes canadenses falsos a iranianos, permitindo que viajassem para Canadá e Europa via outros países latino-americanos, pagando entre US$ 30 mil e US$ 60 mil pelo serviço.

A polícia prendeu o líder do grupo, que ingressava no Brasil desde 2018 usando identidades falsas, no aeroporto do Rio de Janeiro portando passaporte iraniano falso.

A atuação da quadrilha também está sob investigação no Canadá, República Dominicana e Reino Unido.

São Paulo, ao longo dos anos, tornou-se o principal núcleo das redes iranianas de falsificação de documentos, muitas vezes usados para encobrir operações de inteligência, especialmente quando simulam passaportes israelenses.

Mudanças no perfil da migração chinesa

O fluxo migratório chinês regular para o Brasil aumentou fortemente nos últimos dois anos.

Dados do Observatório de Migrações Internacionais da Universidade de Brasília, em conjunto com o Ministério da Justiça, apontam que, em 2024, 7.772 cidadãos chineses receberam vistos como expatriados empresariais, representando um quinto dos vistos de trabalho para estrangeiros emitidos no país, um recorde desde 2013.

Antes da pandemia, os EUA lideravam nesse segmento, mas agora a China ocupa o primeiro lugar, seguida pelas Filipinas, especialmente com trabalhadores marítimos temporários.

Esse crescimento acompanha mudanças no perfil dos migrantes chineses.

Com a expansão de empresas de Pequim no Brasil, executivos passaram a compor o fluxo.

Entre 2021 e 2024, mais de 700 executivos chineses chegaram ao país para cargos de direção.

São Paulo e Bahia são os principais destinos, com mais de 3 mil e 2,5 mil expatriados, respectivamente, em setores como automotivo e eletrônico.

Por outro lado, denúncias sobre condições análogas à escravidão persistem, como demonstrou inspeção federal na fábrica da BYD em Camaçari, Bahia, onde 163 chineses foram encontrados em situação degradante.

Apesar de a China ter concedido, em maio, isenção de visto a brasileiros por até 30 dias, o Brasil mantém a exigência de visto a chineses, decisão vista como estratégica diante do aumento da migração irregular, fenômeno observado no Equador depois de suspender essa exigência em 2016.

O governo equatoriano, inclusive, restabeleceu o visto em julho do ano passado.

Impactos da guerra e novas ondas migratórias

No caso dos russos, a guerra na Ucrânia impulsionou a saída de mais de 800 mil pessoas, das quais parte escolheu Argentina e Brasil, em especial a região Sul, como destino, sendo Florianópolis o principal polo.

Não há indícios de uso do Brasil como rota para os EUA, já que a preferência é pelo voo direto de Moscou ou Europa até o México. Entretanto, episódios envolvendo espionagem e uso de documentos brasileiros por agentes russos geraram críticas recentes.

O maior contingente migratório para o Brasil, porém, segue sendo o venezuelano.

Depois das eleições presidenciais do ano passado e, mais recentemente, as municipais em julho, uma nova onda migratória levou Pacaraima, em Roraima, a dobrar o número diário de atendimentos realizados pela Cáritas, saltando de 150 para 350 pessoas.

Até 20 de agosto, foram 17.212 intervenções, quase 6 mil a mais que em julho, com média diária de 860 atendimentos.

Voluntários apontam que o aumento não é temporário, refletindo o agravamento da crise na Venezuela.

Desde 2015, mais de 1 milhão de venezuelanos ingressaram no país, sendo que, só no primeiro semestre de 2025, 96.199 entraram, 53% deles por Roraima.

Brasil enfrenta restrições migratórias no exterior

Para os brasileiros, o cenário migratório internacional também se mostra mais restritivo.

Em julho, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, sancionou a Lei que criou a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras, responsável pelo controle migratório e processos de expulsão.

O procedimento de “manifestação de interesse” para residência será extinto até 31 de dezembro de 2025, sendo substituído por visto para busca de emprego qualificado, exigindo competências técnicas.

Quem não obtiver emprego em 120 dias deverá deixar o país e só poderá solicitar novo visto depois de um ano.

Contudo, em agosto, o Tribunal Constitucional português considerou inconstitucionais artigos da nova Lei, adiando sua aplicação.

Brasileiros seguem como maior comunidade estrangeira em Portugal, com mais de 500 mil residentes em 2023, ante 111 mil em 2018.

Expulsões de brasileiros dos EUA continuam, com voos de repatriação a cada quinze dias.

O governo brasileiro também realizou o retorno de 1.400 cidadãos entre fevereiro e agosto.

Já entre os mais ricos, um relatório da consultoria britânica de migração Henley & Partners estima que 1.200 brasileiros bilionários devem deixar o Brasil nos próximos meses, quase o dobro do registrado em 2019, principalmente devido à insegurança jurídica e à alta carga tributária.

Crédito Revista Oeste

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