O deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) quer criar uma nova taxa sobre as grandes empresas de tecnologia que atuam no Brasil, e propõe distribuir parte da arrecadação aos usuários, que têm seus dados usados pelas chamadas big techs.
Apelidada de “Pix das big techs”, a Contribuição Social Digital (CSD) teria, segundo o parlamentar, a função de corrigir a concentração de poder econômico, garantir a privacidade dos dados e assegurar que as big techs contribuam proporcionalmente para o desenvolvimento do país.
Na justificativa, o deputado diz que “o projeto de lei complementar visa corrigir a concentração de poder econômico e político nas mãos de grandes empresas da economia digital, como Google, Meta e X (antigo Twitter)”. O parlamentar afirma que as práticas dessas empresas “têm gerado sérios riscos à soberania nacional e à democracia”.
Pix das big techs é alinhado ao discurso do governo
A proposta de Boulos corrobora o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o tema. O mandatário já afirmou que, no Brasil, as empresas precisam seguir a regulação nacional, independentemente de seu país de origem.
Nesta terça-feira (23), em discurso na Assembleia Geral da ONU, Lula voltou a afirmar que “a internet não pode ser terra sem lei”, e disse que regular não significa limitar a liberdade de expressão, mas fazer com o que é ilegal no mundo real seja tratado dessa forma no ambiente digital.
Na última quarta-feira (17), Lula mandou à Câmara um projeto preparado pelo Ministério da Fazenda que trata da “regulação econômica e concorrencial” das grandes empresas de tecnologia. A ideia, segundo o governo, é criar “novos mecanismos para impedir o abuso de poder econômico por grandes plataformas digitais”.
Uma organização chamada Conselho Digital, que representa big techs no Brasil, já afirmou que a proposta do Executivo eleva custos e tende a restringir a inovação. A entidade cita aumento de gastos e atrasos tecnológicos que teriam sido provocados por legislação semelhante na União Europeia.
Governo Trump sai em defesa das big techs
As falas recentes de Lula sobre o tema não deixam de ser uma resposta à postura que adotada por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Ele vem defendido as big techs, posicionando-se de forma contrária a multas e tentativas de regulação de outros países e da União Europeia a empresas como Google, Apple e X.
No início de setembro, depois de o Google ser multado pela União Europeia, Trump afirmou que seu governo não permitirá a continuidade de “práticas discriminatórias” contra as empresas americanas. O mandatário ainda afirmou que pode abrir uma investigação na seção 301 para “anular as sanções injustas” contra essas companhias.
Pix das big techs pode acirrar sanções dos EUA contra o Brasil
Fernando Canutto, especialista em Direito Internacional Empresarial e sócio do Godke Advogados, afirma que há grande risco de o Brasil sofrer novas sanções caso projetos como o de Boulos sejam aprovados. Segundo ele, os Estados Unidos têm sido firmes na defesa de suas empresas de tecnologia, inclusive contra aliados mais alinhados, como países europeus.
“A criação de uma contribuição dessa natureza pode gerar mais atritos diplomáticos e até questionamentos em fóruns de comércio internacional. Em um cenário em que a relação bilateral já enfrenta tensões comerciais, a medida poderia ser vista como hostil às Big Techs americanas”, pontuou.
Movimento pela regulação ocorre em todo o mundo
O advogado Marcelo Teske, sócio do Bornhausen & Zimmer Advogados, afirma que o projeto de Boulos, entre outros, inclusive de espectros políticos diferentes, está inserido em um contexto mundial em que se busca alocar receitas fiscais no local onde as empresas de tecnologia atuam, independentemente de sua presença física em um determinado país.
“Há negociações em curso no âmbito da OCDE e do G20 nesse sentido, especialmente para a adoção de um imposto linear sobre serviços digitais. Todavia, na medida em que esses acordos não se concluem, especialmente pela discordância dos EUA, alguns países vêm implementando unilateralmente impostos sobre serviços digitais (Digital Services Tax, DST), como Espanha e Inglaterra”, afirmou.
Pix digital mira receita global de big techs
O PL 157/25 prevê uma alíquota de 7% para a CSD que incidirá sobre as receitas geradas com serviços de publicidade e de venda de dados de usuários. O cálculo inclui a receita global desses serviços em proporção aos anúncios veiculados no Brasil e em todo o mundo, e aos usuários brasileiros e de demais países.
De acordo com o texto inicial da proposta, a arrecadação da CSD terá três principais destinações:
- 25% para o Fundo Nacional de Cuidados Digitais (FNCD) para proteção de dados e combate à desinformação;
- 25% para o Fundo de Infraestrutura Digital Inclusiva (FIDI) para fortalecer a soberania tecnológica;
- 50% para um novo instrumento de transferência de renda direta aos usuários de plataformas, denominado “Pix das big techs”.
Pix das big techs tem viés populista, diz especialista
Na avaliação de Fernando Canutto, apesar da existência de taxações semelhantes em outros países, o uso dado à arrecadação no PL 157/25 constitui viés populista, diferentemente do que ocorre em outros países que já aplicam esse tipo de tributação.
“A diferença é que, no caso brasileiro, além da taxação, o projeto atrela a arrecadação a fundos de política pública e até a uma transferência direta de renda, algo populista que tende a favorecer o atual partido de posição [o PT]”, afirma.
Nova taxa pode afetar o bolso do consumidor
Assim como ocorreu com outras taxas, como a das blusinhas, por exemplo, a tendência é que a cobrança da Contribuição Social Digital impacte o bolso do consumidor. Marcelo Teske pontua que a proposta de Boulos traz uma espécie de cashback, devolvendo uma parte da arrecadação para os usuários das plataformas.
No entanto, não é possível saber se o valor destinado será suficiente para cobrir possíveis altas nos serviços. De acordo com Fernando Canutto, a cobrança adicional de impostos pode, até mesmo, afastar investimentos do país.
“No final do dia, quem paga o imposto é o consumidor. No caso das Big Techs, isso pode significar encarecimento de produtos e serviços digitais, taxas mais altas em aplicativos de intermediação ou até menos investimento em inovações e ofertas no mercado brasileiro”, comenta.