Por Adriano Dorta
O poder regulatório do governo sobre a economia precisa ser limitado, especialmente para barrar casos de corrupção
Uma crise em torno da produção de tilápia no Brasil trouxe um exemplo didático do porquê de precisarmos limitar o poder regulatório do governo sobre a economia — especialmente quando o governo é chefiado por um partido historicamente associado a grandes esquemas de corrupção.
O setor aquícola foi surpreendido pela possibilidade de a tilápia ser classificada como “espécie exótica invasora” pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Por meio da Portaria GM/MMA n° 1.042, de 15 de abril de 2024, um grupo de trabalho foi criado para subsidiar uma lista nacional de espécies exóticas invasoras a partir de pareceres da Conabio. A partir desses pareceres técnicos, a tilápia passou a ser tratada como espécie invasora, o que acionou um alerta do setor produtivo.
A tilápia responde por cerca de 68% da piscicultura nacional, segundo reportagem da Forbes Agro. Essa cadeia de produção é composta majoritariamente por pequenos e médios piscicultores, além de gerar milhares de empregos diretos e indiretos. Entidades como a Associação Brasileira de Piscicultura (PeixeBR) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) explicam que a eventual classificação da tilápia como espécie invasora pode ter “graves consequências econômicas e sociais”.
Diante da reação negativa dos produtores, o governo federal publicou notas repetindo, em essência, a mesma mensagem: “É falso que o cultivo de tilápia será proibido no Brasil”. Ou seja, juridicamente, ninguém proibirá a tilápia. Mas, do ponto de vista econômico, o simples ato de discutir sua inclusão em uma lista de espécies invasoras aumenta o risco regulatório percebido, eleva o custo de conformidade (fica mais caro, mais trabalhoso e mais arriscado para o produtor cumprir todas as exigências da lei) para pequenos e médios produtores e reduz, na margem, o incentivo para novos investimentos em piscicultura de tilápia.
Enquanto os olhos do setor nacional estavam voltados para o risco de endurecimento regulatório, outro movimento acontecia paralelamente: em março de 2025, a JBS anunciou um investimento de US$ 100 milhões para construir duas fábricas de processamento de carnes no Vietnã em parceria com o governo vietnamita.
Em julho de 2025, durante a visita do primeiro-ministro do Vietnã ao Brasil para encontros com autoridades brasileiras, foram destacados embarques de tilápia para o Brasil em troca da abertura do mercado vietnamita à carne bovina brasileira.
O Vietnã enviou um contêiner de tilápia — de um total de 32 contêineres —, totalizando 700 toneladas. O lote foi encomendado e importado pela JBS, que pretende distribuir o produto pela sua rede Horeca.
Para refrescar a memória do leitor, a JBS é a empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que cresceu graças ao forte apoio do Estado — via créditos subsidiados e aquisições financiadas — a partir de 2005, ainda no primeiro mandato do governo Lula, do PT.
Em 2017, no contexto da Lava Jato, a J&F Investimentos (holding controladora da JBS S.A.) firmou com o Ministério Público Federal um acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões por seu envolvimento em esquemas de corrupção.
Nos depoimentos de delação, os irmãos Batista afirmaram que pagaram cerca de R$ 600 milhões em propinas a quase 1.900 políticos de diversos partidos para obter vantagens, como financiamentos, benefícios fiscais e apoio político.
Além disso, também se declarou culpada (pleaded guilty) em um caso criminal nos EUA por subornar autoridades para obter benefícios, em violação à lei anticorrupção (FCPA). Como parte do acordo com o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ), a empresa aceitou pagar US$ 256 milhões em multas e sanções.
Diante desse histórico e do momento em que o Brasil vive — com o consórcio entre o togado dono do Brasil e o PT em uma posição bastante confortável —, seria muita ingenuidade minha, ou do próprio Instituto Liberal, sair por aí acusando o governo de plantão de manter relações promíscuas para beneficiar velhos amigos. Ainda assim, é uma coincidência extraordinária que, justamente quando o governo ensaia uma regulação que vai dificultar a produção de tilápia no país, a JBS apareça importando exatamente o mesmo produto.
O meu alerta aqui é outro: quando o Estado concentra poder regulatório e discricionário sobre a economia, o incentivo que os empresários — principalmente os grandes, que podem custear lobby ou até mesmo propina — têm é o de participar do jogo político e não do jogo competitivo do mercado.
Trocamos a economia de mercado por um sistema econômico em que o sucesso não depende do atendimento ao consumidor. Produtores de bens e serviços não estão preocupados em diminuir o preço, aumentar a qualidade ou atender às expectativas; ao contrário, estão mais preocupados em ter relações mais próximas com burocratas e líderes do governo.
Precisamos construir um arranjo institucional mais saudável, que passe por regras gerais, claras, isonômicas e estáveis; que tire das mãos de políticos e burocratas o poder de decidir os vencedores, que usam a regulação como arma política e, em seu lugar, fortaleça uma economia em que as empresas compitam por aumento de produtividade e com foco no consumidor, não na proximidade com Brasília.





