Crise entre Poderes ameaça abrir rombo de mais de R$ 100 bilhões

A escalada do embate entre Lula e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre — que envolve a indicação do Advogado-Geral da União Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal — acirra os ânimos da Fazenda, preocupada com a aprovação do Orçamento para fechar as contas do próximo ano e evitar o rombo da meta fiscal.

O governo tem duas semanas antes do recesso, em 23 de dezembro, para aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 e projetos essenciais para garantir o cumprimento, ao menos, da margem inferior da meta fiscal do próximo ano — a meta é de superávit de 0,25% do PIB, com tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB, o que na prática permite um resultado zero (nem déficit, nem superávit). Na outra ponta, medidas em tramitação no Congresso abrem um rombo superior a R$ 100 bilhões em 2026 e 2027.

A dúvida da Fazenda é até onde irão os efeitos da crise para os cofres da União diante do xadrez que envolve, além do STF, os projetos a serem votados e a liberação de emendas parlamentares, travadas até a aprovação da LDO, que deve ser apreciada pela Comissão Mista do Senado na tarde desta quarta-feira (3).

Alcolumbre — que mandou mais um recado ao Planalto com o cancelamento da sabatina de Messias nesta terça-feira (2) — já causou dor de cabeça para a equipe econômica com a aprovação pelos senadores de duas pautas-bomba que aumentam as despesas do governo.

Na semana passada, o Senado aprovou a aposentadoria especial para agentes de saúde, num movimento visto como retaliação ao Planalto. A Câmara já havia aprovado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com teor parecido, que deveria ser referendada pelo Senado.

Mas Alcolumbre optou por levar ao plenário a votação do projeto de lei complementar de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que não precisava passar por comissões, como a PEC. Agora, o projeto segue para a Câmara.

A proposta restabelece integralidade e paridade para esses servidores, extintas em 2003, e idade mínima a partir de 50 anos na regra de transição. Pelas contas da XP Investimentos, os custos para o governo federal vão aumentar em R$ 2 bilhões no ano que vem, com novas obrigações criadas pelo Congresso.

O impacto atuarial da medida (ao longo de 70 a 100 anos), segundo cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), pode chegar a R$ 103 bilhões, agravando o déficit dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que já supera a marca de R$ 1,1 trilhão.

Caso aprovada pela Câmara, a saída do governo será apelar novamente ao STF, onde tem um histórico de decisões a seu favor. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, defendeu publicamente o veto do projeto por Lula e adiantou a judicialização caso o veto seja derrubado pelo Congresso. O argumento é que o Congresso está elevando despesas sem as devidas compensações, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Outra preocupação do Planalto é que a aprovação gere um efeito cascata, com outras categorias reivindicando o mesmo tratamento e ampliando o rombo fiscal.

Senado facilita renegociação de dívidas dos estados e aumenta rombo

Embora negue que esteja agindo em represália ao governo, Alcolumbre também conseguiu derrubar parte dos vetos ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), criado para permitir que estados renegociem seus débitos com a União com juros menores, prazos alongados e possibilidade de amortizar parte do saldo com ativos.

Ao sancionar a lei, o governo havia vetado dispositivos que transferiam riscos e receitas do Tesouro para os estados — entre eles a autorização para deduzir valores que os estados repassaram para obras federais em exercícios anteriores e o uso de recursos de fundos regionais como forma de amortização.

O programa sempre enfrentou resistência técnica da Fazenda, preocupada com o rombo do caixa federal. As estimativas do Tesouro Nacional — com base em diferentes hipóteses e condições de renegociação — mostram, no pior cenário, que a perda de receita será de até R$ 105,9 bilhões no período 2025–2029.

“Cada proposta dessas abre um rombo bilionário e vai fragilizar ainda mais a credibilidade do arcabouço fiscal”, diz Juan Carlos Arruda, diretor-geral do Ranking dos Políticos, organização que monitora as ações do Congresso.

“Do ponto de vista fiscal, o cenário já era delicado e fica ainda mais porque, se esse ambiente de tensão continuar, a possibilidade de revisão da meta do ano que vem ganha muita força.”

MEI, BPC e insalubridade podem aumentar rombo

Também há projetos-bomba na Câmara, onde as relações com o presidente Hugo Motta (Republicanos-AL) não estão das melhores desde as críticas que o PT fez a ele. Está em tramitação a proposta que amplia os limites de enquadramento no Simples e no Microempreendedor Individual (MEI), com perda prevista de R$ 22,7 bilhões em 2026 e R$ 24,9 bilhões em 2027.

Pelo texto, o teto de faturamento anual do MEI subiria de R$ 81 mil para R$ 144,9 mil; o da microempresa (ME) sairia de R$ 360 mil para R$ 869,5 mil; e o da empresa de pequeno porte (EPP), de R$ 4,8 milhões para R$ 8,69 milhões.

Outra proposta em discussão amplia os critérios de elegibilidade do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda e que vem registrando crescimento acelerado. De janeiro a setembro deste ano, os gastos já avançaram 10,2% acima da inflação, segundo o Tesouro Nacional, passando de R$ 82,18 bilhões para R$ 95,25 bilhões.

O projeto eleva a renda per capita para acesso ao BPC de um quarto para meio salário mínimo e retira do cálculo — para fins de enquadramento — benefícios recebidos por outros membros da família, incluindo o próprio BPC ou pagamentos previdenciários de até um salário mínimo.

Segundo a XP Investimentos, o impacto anual pode chegar a R$ 12,2 bilhões em 2026, saltando para R$ 24,9 bilhões em 2027.

Paralelamente, tramita um projeto que concede adicional de insalubridade a professores da educação básica. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) projeta gasto anual de R$ 6,5 bilhões.

Saída será rengociar e liberar emendas

Tudo isso terá de ser compensado com aumento de arrecadação, proposto em projetos enviados em conjunto pelo governo e classificados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como pré-condição para dar sustentação ao arcabouço fiscal.

Entre eles estão o corte linear de 10% dos benefícios fiscais e o aumento da tributação sobre fintechs e bets, que passou nesta terça-feira (2) pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

A equipe econômica previa uma arrecadação extra de cerca de R$ 10 bilhões em 2025, mas esse efeito deve ser menor após as alterações feitas pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM). Entre as mudanças está a diluição, ao longo do tempo, do aumento da taxação sobre a receita bruta das casas de apostas.

Além disso, ao fim da transição, a alíquota chegará a 18% — abaixo dos 24% sugeridos originalmente pelo governo. Ainda assim, a aprovação não é dada como certa e vai passar novamente pela liberação de emendas.

“Então, o governo precisa recompor pontes, vai ter que liberar emendas, certamente represadas, para reordenar a articulação”, diz Arruda. “Não tem outro caminho. É negociação política clássica: reconstruir maioria, reduzir temperatura, organizar uma agenda mínima consensual, porque sem isso a instabilidade acelera o custo fiscal. O Brasil e a sociedade é que acabam perdendo com isso tudo.”

Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, apesar do imbróglio criado com a crise, a expectativa do mercado é que a LDO seja votada e que o governo cumpra a meta dentro do orçamento por meio de medidas parafiscais — isto é, retirando da meta determinados gastos. O artifício foi recorrentemente usado ao longo do ano, como mostrou a Gazeta do Povo.

“O problema é que a gente sabe que cumprir a meta com medidas parafiscais — como no caso em que o governo tirou da meta os gastos com ajuda ao Rio Grande do Sul — fragiliza cada vez mais o arcabouço, que praticamente será morto. E aumenta a preocupação para 2027.”

De qualquer forma, segundo ele, a saída é a negociação. “Lula vai ter que sentar à mesa para negociar — senão, com pauta-bomba e derrubada de vetos, o Congresso vai sinalizar: ‘ou negocia ou continuamos com a artilharia’.”

Isso, afirma, significa abrir mão de condições fiscais mais duras, liberar mais emendas e conviver com bloqueios e congelamentos ao longo de 2026. “Mas, no fim, eles se acertam. Não tem como quebrar um país: o próprio sistema limita a dívida e a emissão de moeda.”

Crédito Gazeta do Povo

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