Filho de Lula recebeu mesada do Careca do INSS, diz testemunha

Depoimento de Edson Claro, que chegou em parte à CPMI, indica que o valor pago a Lulinha era de “cerca de R$ 300 mil” e que o filho do presidente também era sócio de Antônio Carlos Camilo Antunes; envolvidos negam as irregularidades

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS tem indícios apurados pela Polícia Federal de que Fábio Luís Lula da Silva, 50 anos, filho mais velho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com Marisa Letícia (1950-2017), manteve relação de proximidade e até uma sociedade empresarial com Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido nos meios políticos como Careca do INSS e que está preso desde 12 de setembro de 2025.

Em um depoimento relevante sobre as fraudes na Previdência, uma pessoa afirmou que Lulinha, como o filho do presidente é chamado, foi recebedor de valores do Careca do INSS: uma cifra aproximada de 25 milhões (a CPMI não sabe em qual moeda) e pagamentos mensais de “cerca de R$ 300 mil” (que é tratado como “mesada”), sem especificar o período. Além disso, o filho do presidente da República também fez viagens junto com o Careca do INSS para Portugal, segundo depoimento coletado nas investigações.

Essas informações eram até agora desconhecidas com esse nível de detalhe e foram fornecidas por Edson Claro, ex-funcionário do Careca do INSS e que se diz ameaçado pelo ex-patrão. O Poder360 teve acesso aos dados por meio de integrantes da CPMI do INSS.

A investigação em curso no Congresso sobre fraudes contra beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social tentou convocar Edson Claro para depor. Houve fortíssima resistência por parte dos deputados e senadores governistas quando a proposta foi apresentada, em 2 de outubro de 2025. Prevaleceu o desejo do Planalto e a convocação foi barrada.

Só que Edson Claro é um dos alvos da investigação que está em curso na PF. Ele prestou depoimento em 29 de outubro de 2025. O conteúdo chegou para alguns integrantes da CPMI e o Poder360 também teve acesso na condição de não divulgar a íntegra. Edson Claro fez nessa ocasião revelações graves contra Lulinha – embora não tenha havido até agora coleta de provas para comprovar o que afirma o ex-funcionário do Careca do INSS.

Fábio Luís Lula da Silva vive na Espanha e o Poder360 tentou contactá-lo por meio de seu ex-advogado e amigo Marco Aurélio Carvalho. “Não consegui falar com Fábio, talvez por causa do fuso horário. Mas acho que essa acusação é absolutamente pirotécnica e improvável. É mais uma tentativa de desgastar a imagem de Fábio Luís”, disse Marco Aurélio. Leia ao final desta reportagem o que dizem os citados nas investigações.

Não fica claro o tipo de sociedade que Lulinha tem ou pode ter mantido com o Careca do INSS com base no que diz Edson Claro. Uma possibilidade que está nas investigações é que ambos possam ter relação com um empreendimento chamado World Cannabis, cujas operações estão no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos e na Colômbia. A empresa tem sede em Brasília. O nome fantasia é World Cannabis, mas a razão social Camilo Comércio e Serviços S/A (CNPJ 50.442.926/0001-05) e está registrada na Quadra QS 1, rua 212, Lotes 19, 21 e, 23, bloco D, sala 2.601, parte C2 no bairro Areal, na região administrativa Águas Claras, em Brasília. Os sócios públicos são Antônio Carlos Camilo Antunes e Romeu Carvalho Antunes.

A finalidade oficial da empresa é a venda de Cannabis medicinal, que seria produzida em Portugal. A PF suspeita, entretanto, que a empresa servia para o Careca do INSS lavar dinheiro que havia sido obtido ilegalmente por meio das fraudes em descontos associativos de beneficiários do INSS. É essa a conclusão da investigação até agora, segundo consta em documentos com a CPMI.

CONTADOR, PT, ROBERTA E PORTUGAL

As citações a Fábio Luís Lula da Silva nas investigações conduzidas até agora são fartas. O filho do presidente é citado em situações em que ele poderia ajudar de alguma forma os acusados de fraudar o INSS.

Nas conversas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, uma pessoa que conversa com o Careca do INSS diz estar preocupada com a possibilidade de a mídia associá-lo a Lulinha por causa dos negócios da World Cannabis. O Careca do INSS responde tentando tranquilizar a pessoa dizendo que seu aparelho telefônico não havia sido apreendido. Essa e outras reproduções de conversas via WhatsApp fazem parte da investigação em curso.

Lulinha aparece de várias formas em imagens com as reproduções das conversas de WhatsApp. Às vezes é “nosso amigo”. É também citado num envelope com um ingresso para um show como “Fábio (filho Lula)”. Em outro trecho, tem isto: “Mas eh mais do mesmo. Vão tentar jogar o Fábio dentro disso”. Num diálogo, há uma afirmação sobre Lulinha: “Meu amigo gostou”. Não se sabe exatamente o que teria agradado ao filho do presidente da República.

As dúvidas que ainda persistem sobre a exata relação entre Lulinha e o Careca do INSS se dão porque a prospecção de dados segue de maneira lenta. O escândalo do INSS se tornou público em abril. Até agora, as investigações não avançaram a respeito do que poderia ser o eventual envolvimento do filho do presidente.

É que há no momento um racha dentro da Polícia Federal, segundo apurou o Poder360. Uma ala acha que deveria ser acelerada a investigação para esclarecer a participação ou não de Lulinha em algum esquema com o Careca do INSS. Outro grupo dentro da PF considera ser precipitado avançar com alguma medida mais drástica e que só há indícios frágeis.

Até agora, tem prevalecido na Polícia Federal o entendimento de que o filho do presidente da República não está “diretamente envolvido nas condutas relativas aos descontos associativos fraudulentos”.

Para essa ala da PF mais fiel ao presidente Lula, a interpretação geral é que no meio político é comum indivíduos afirmarem deter proximidade ou influência junto a terceiros para tentar obter vantagens. Ocorre que a proximidade de Lulinha com os envolvidos nas fraudes do INSS, pelo que foi coletado até agora, sugere haver indícios que poderiam ser mais investigados.

Para começar há um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) emitido pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e guardado pela CPMI do INSS. Trata-se do RIF nº 133.609.

Esse documento trata de movimentações de dinheiro de Ricardo Bimbo Troccolli, secretário Nacional de Ciência e Tecnologia da Informação do Partido dos Trabalhadores (PT). Bimbo é dono da Datacore Informática, que recebeu R$ 11,1 milhões de empresas ligadas a associações que são acusadas de fraudar aposentados e beneficiários do INSS.

O mais relevante no relatório do Coaf, entretanto, é que foi identificada “a realização de pagamentos de boletos de cobrança a terceiros” que, numa amostragem, revelam que Ricardo Bimbo fez um pagamento para João Muniz Leite no valor de R$ 10.354,60. Muniz Leite foi no passado contador de integrantes da família do presidente Lula, inclusive do próprio Lula e de Lulinha.

As investigações também atestam que Fábio Luís Lula da Silva tem relação de amizade com Roberta Moreira Luchsinger. Ela se apresenta como uma pessoa bem relacionada em Brasília e com muitos contatos com integrantes do governo Lula.

No que foi descoberto até agora, Roberta e o Careca do INSS passaram a discutir formas de criar esquemas para esquentar o dinheiro que as investigações indicam ter sido obtido com fraudes contra aposentados. Segundo a Polícia Federal informou à CPMI, os indícios mostram que não havia uma relação de subordinação entre ambos, mas uma espécie de “atuação societária”. Os 2 frequentaram órgãos públicos, citando projetos que seriam implementados no governo federal e demonstravam ter um vínculo colaborativo que, no curso das investigações, foi considerado uma conduta descrita no artigo 332 do Código Penal: tráfico de influência.

Nas conversas entre Roberta e o Careca do INSS que estão no material na CPMI, é comum haver citações a Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. Só que além dessas menções que podem resultar ao final da investigação como prova da relação entre eles, há também outros indícios da proximidade de Roberta com o filho do presidente da República.

Poder360 apurou, e a PF tem essa relação, que Roberta e Lulinha têm registros de várias viagens de avião juntos e com reservas com o mesmo código localizador compartilhado:

  • Guarulhos para Lisboa (Portugal) (13.jun.2024) – voo TAP 0088 e código localizador 4FUJPX
  • Congonhas para Brasília (29.abr.2025) – voo Latam 4700 e código localizador MKRQIZ;
  • Congonhas para Brasília (27.mai.2025) – voo Latam 3606 e código localizador WAUUEX;
  • Brasília para Congonhas (29.mai.2025) – voo Latam 3606 e código localizador DCWWNL;
  • Guarulhos para São Luís (MA) (19.jun.2025) – voo Latam 3612 e código localizador CHEWWQ;
  • Congonhas para Brasília (24.jun.2025) – voo Latam 4700 e código localizador MSPQMW;

Em julho, Lulinha se mudou com a família para a Espanha. O escândalo do INSS já estava com grande visibilidade na mídia. O Palácio do Planalto enviou emissários para falar com integrantes da CPMI, segundo apurou o Poder360, para que fosse evitada uma perseguição ao filho do presidente da República. Muitos à época não entenderam o pedido: é que ninguém ainda sabia do possível envolvimento de Lulinha com o Careca do INSS. Hoje, acreditam que o Planalto soube com antecedência por meio da Polícia Federal sobre o que poderia aparecer.

Se vier a ser confirmada essa informação, com provas, de que o presidente da República soube com antecedência das menções ao seu filho no material apreendido pela PF, pode ser aberta uma nova linha de investigação. Não deve haver esse tipo de comunicação antecipada ao Palácio do Planalto.

Tudo ainda se trata de indício sem comprovação firme. Na história recente brasileira, entretanto, muitas vezes o Supremo Tribunal Federal admitiu investigações com base em acusações ou suposições iniciais. Por exemplo, em 2 de setembro de 2017, o então ministro do STF Roberto Barroso mandou investigar o presidente da República à época Michel Temer.

“A instauração de inquérito perante o Supremo Tribunal Federal, consoante jurisprudência pacífica, exige tão somente a presença de indícios mínimos de autoria e materialidade. Não se procede, nesta fase, com o rigor exigível para o recebimento de uma denúncia”, escreveu Barroso.

Até agora os indícios coletados mostram que a relação entre Roberta e o Careca do INSS começou no final de 2024, justamente quando os esquemas de descontos associativos de aposentados chegaram a valores recordes.

Foi a partir dessa época que o Careca do INSS firmou um contrato de consultoria com Roberta que, segundo os documentos que a CPMI teve acesso, aparentemente não tem um respaldo técnico ou operacional. A impressão dos investigadores, segundo apurou o Poder360, é que essa era uma prática recorrente nas atividades empresariais do Careca do INSS, com emissão de notas fiscais sem que se pudesse identificar o serviço que estava sendo prestado ou recebido. Relatórios do Coaf mostram que Roberta recebeu mais de R$ 1 milhão do Careca do INSS.

OUTRO LADO

Por meio de seu advogado, Roberta Luchsinger, enviou nota ao Poder360. Disse que a empresária “jamais teve qualquer relação com descontos do INSS”. Roberta atua com a “prospecção e intermediação de negócios com empresas nacionais e estrangeiras e, nesse âmbito, foi procurada no ano passado pela empresa” do Careca do INSS para atuar “na regulação do setor de empresas de canabidiol”.

O representante de Roberta diz que “os negócios se mantiveram apenas em tratativas iniciais e não chegaram a prosperar”. Afirma também que Roberta “possui relação pessoal com Fábio Luís e sua família há vários anos, razão de terem feito viagens de passeio juntos inúmeras vezes”.

O advogado de Antônio Carlos Camilo Antunes informou que não teve acesso às informações descritas na reportagem e, por isso, as desconhece. Não quis comentar.

Crédito Poder360

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