Foto - Reprodução/YouTube
Analistas avaliam que nomeação de Paulo Pimenta para novo ministério pode refletir busca de Lula por protagonismo do Executivo em ajuda ao Rio Grande do Sul
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não está medindo esforços para levar o crédito pelas ações de socorro e reconstrução do Rio Grande do Sul, que foi atingido por enchentes históricas. Segundo analistas ouvidos pela reportagem, ações como criar a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução e dar vouchers de R$ 5,1 mil para 200 mil famílias visam melhorar a popularidade do presidente no país e aumentar as chances do PT nas eleições no Rio Grande do Sul.
Lula anunciou as novas medidas de socorro em uma visita a São Leopoldo, uma das cidades afetadas pelas enchentes, nesta quarta (15). Ele oficializou a criação da Secretaria da Reconstrução, comandada por Paulo Pimenta, que é um candidato em potencial para o governo do Rio Grande do Sul em 2026. A pasta vai atuar como intermediadora do Executivo e do governo do estado gaúcho, além de ficar responsável por fazer anúncios oficiais sobre ações e ajudas que serão disponibilizadas para a reconstrução das áreas atingidas.
O voucher deve destinar R$ 1,6 bilhão para que famílias afetadas comprem camas, fogões e geladeiras. Além disso, o governo Lula já havia anunciado a destinação de R$ 12 bilhões para custear as ações emergenciais de resgate, socorro e recuperação da infraestrutura e R$ 7,7 bilhões para antecipação de benefícios e concessão de créditos para as pessoas das áreas afetadas. O governo até tentou inflar a verba de R$ 7,7 bilhões divulgando uma estimativa de que ela geraria impacto de mais de R$ 50 bilhões na economia do Rio Grande do Sul.
De acordo com o consultor da BMJ Consultores Associados Érico Oyama, a criação de uma nova pasta que concentra as ações do governo federal para o Rio Grande do Sul pode ser vista como uma tentativa do Planalto em reivindicar protagonismo no apoio que tem sido prestado aos municípios gaúchos.
“Mostrar agilidade nas ações para dar uma resposta à população e centralizar essas medidas do governo federal, traz protagonismo justamente para reforçar essa tentativa de [Lula] melhorar sua popularidade. Juntando isso ao fato de que o estado do Rio Grande do Sul passa por muitas dificuldades fiscais e financeiras, também veio a calhar [tomar atitudes para mostrar] que o governo federal esteve à frente dessas medidas”, avalia Oyama.
A necessidade da criação da pasta vem sendo contestada por opositores e até aliados, pois a liberação de verbas e coordenação de ações poderia ser feita por meio de ministérios já existentes, como o da Integração e do Desenvolvimento Regional ou o do Desenvolvimento e Assistência Social.
A nomeação do ex-secretário de Comunicação do governo, Paulo Pimenta, gaúcho e provável candidato ao PT ao governo do Rio Grande do Sul em 2026, foi entendida como uma ação de politização da tragédia.
PSDB acusa Lula de tentar criar governo paralelo no Rio Grande do Sul
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não pode concorrer à reeleição. Ele foi cotado para concorrer à Presidência da República em 2022 e não figura como opção viável para 2026 nas pesquisas atuais. Mas deve tentar fazer um sucessor no governo gaúcho e externou descontentamento por não ter sido consultado ou avisado sobre a nomeação de Pimenta para a Secretaria da Reconstrução. Ele só soube decisão pela imprensa. A situação aumentou o ruído entre alas do PT e do PSDB.
O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) foi um porta-voz informal do descontentamento. Ele classificou a decisão como “uma violência contra a federação” e uma tentativa de criação de um “estado paralelo”.
“Começa com uma indelicadeza porque o governador sequer foi consultado ou comunicado pessoalmente. E termina com uma imprudência porque o escolhido foi alguém com um projeto político”, disse em entrevista à CNN Brasil. “Se fosse um estado administrado pelo PT, como a Bahia, por exemplo, acredito que não seria assim”.
Pimenta é um dos grandes aliados de Lula no Planalto e do Partido dos Trabalhadores. A Secretaria de Comunicação, pasta na qual esteve à frente até esta quarta (15), já vinha sendo apontada por especialistas como uma das que poderiam passar por mudanças. A comunicação do governo federal tem gerado críticas à gestão Lula e, nos últimos meses, foi considerada a responsável pela queda de popularidade do presidente. Ou seja, a saída de Pimenta pode resolver outro problema de Lula.
Além de tirar o político do centro das críticas, Pimenta pode se tornar uma figura estratégica para Lula no estado gaúcho. “Politicamente, [a escolha por Pimenta para assumir a pasta da Reconstrução] enfraquece Eduardo Leite (PSDB), que mesmo tendo diminuído suas chances de pretensões nacionais, ainda não desistiu da ideia de concorrer à Presidência da República”, analisa Érico Oyama, consultor da BMJ Consultores Associados.
Durante o evento nesta quarta (15) no município de São Leopoldo, em que Lula anunciou novas medidas para os gaúchos, Leite não parecia muito confortável com o clima de “comício” que foi criado. Apoiadores que assistiam à cerimônia fizeram diversos elogios e ovacionaram Lula.
Oyama afirma que há uma disputa aberta pelo protagonismo político na recuperação do estado. Ao fazer repasses diretos de verbas para a população, Lula evita que, não só Leite, mas prefeitos locais apareçam para os eleitores. As prefeituras já vinham recebendo créditos de emergência do governo, mas agora recursos e verbas chegam com um “carimbo” mais evidente da gestão Lula. Isso pode gerar impacto político no resultado das eleições municipais deste ano.
O professor e cientista político Paulo Calmon afirma que o ideal seria que o novo secretário da Reconstrução focasse sua atuação no socorro ao estado e não em política. O risco é que o atual discurso aumente a polarização sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. “O desafio diante dele [Pimenta] é, na condição de gestor de políticas públicas, agir imparcialmente e efetivamente e tratar a reconstrução do Rio Grande do Sul como uma política de Estado e não como uma tarefa do PT”, pontua.
“O governador e os prefeitos, também como gestores públicos, têm igualmente a mesma obrigação de não partidarizar as iniciativas de reconstrução. É fundamental que este episódio traga uma lição muito importante para a nossa sobrevivência: o enfrentamento das consequências da mudança climática deverá ser tratado como uma política de Estado e não como mais um item na agenda das disputas eleitorais e partidárias”, afirma o cientista político.
Secretaria da Reconstrução seria tentativa de evitar “bate-cabeça” entre ministros
Apesar de já ter anunciado uma série de medidas para apoio logístico e humanitário à região, a atuação do Executivo frente à destruição causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul tem sofrido críticas de aliados e da oposição. No início desta semana, o presidente convocou uma reunião ministerial de última hora e cobrou uma melhor coordenação e comunicação de seus ministros no que diz respeito à ajuda direcionada ao Rio Grande do Sul.
O entendimento do governo é que o “bate cabeça” entre ministros tem causado efeito negativo na percepção da população sobre os esforços enviados ao estado gaúcho. Nos últimos dias, uma má articulação entre os ministros, sobretudo com Rui Costa, da Casa Civil, fez o ministro da Previdência, Carlos Lupi, voltar atrás na edição de uma portaria que previa o pagamento de um salário extra para atingidos pelas chuvas.
Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, também teria causado irritação em Rui Costa ao adiantar pagamentos de uma ajuda emergencial aos gaúchos. “Não é cada um dá sua ideia”, reclamou o chefe do Executivo durante a reunião ministerial realizada na última segunda-feira (13).
O “puxão de orelha” aconteceu após pesquisa divulgada pela Genial/Quaest revelar um eleitorado exaurido com a atuação de Lula. No levantamento, 55% dos entrevistados responderam que o petista não merece uma nova chance como presidente do Brasil em 2026.
Governo federal tenta agir para melhorar imagem de Lula, dizem analistas
Desde que assumiu para seu terceiro mandato, Lula tem tido consecutivas quedas em sua popularidade entre os brasileiros. Na concepção de analistas, uma das motivações para isso é o discurso radical e direcionado para seu eleitorado petista que não agrada outros grupos.
Essa estratégia tem tido o resultado oposto da campanha eleitoral feita por Lula e deixou a população ainda mais polarizada. Esse sentimento também tem sido evidente na percepção das pessoas sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. Elas estão entendendo que Lula está dando um teor político às ações de socorro, segundo analistas.
Desde o início da calamidade no estado, o governo federal já destinou bilhões para o Rio Grande do Sul, também destacou uma força-tarefa com órgãos federais e estaduais para dar apoio às áreas atingidas pelos temporais. O presidente, contudo, tem aparentado estar incomodado com o fato dessas ações não terem impacto positivo e nem a desejada repercussão.
Por outro lado, críticas ao mandatário ganham cada vez mais força nas redes sociais e oposição se fortalece com esse cenário. Os especialistas explicam que a comunicação, mais uma vez, volta a ser um problema para Lula, já que ele ainda não conseguiu dominar as redes sociais.
Durante o evento para anunciar novas ajudas ao Rio Grande do Sul nesta quarta (15), Lula condenou as críticas e os políticos que, segundo ele, disseminam fake news. “Esse tipo de gente, mais dia, menos dia, vai ser banido da política brasileira”, disse durante divulgação de anúncios no município de São Leopoldo.
O professor Paulo Calmon, do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a iniciativa de Lula – ao direcionar essas ações para uma pasta criada por ele – pode ajudá-lo ao, possivelmente, evitar “erros de comunicação de resultando”.
“Ao centralizar a comunicação, ele minimiza a possibilidade de que esses erros de comunicação ou de interpretação ocorram”, explica o cientista político.