Foto - Arquivo pessoal/Sarah Lisboa
Os filhos estão sem contato com Alice Nascimento e temem que a mulher não tenha recebido medicamentos para epilepsia.
“Minha mãe tem epilepsia e pode morrer dentro do presídio”, alerta a brasiliense Sarah Lisboa, de 30 anos, ao afirmar que não teve contato com a mãe, Alice Nascimento dos Santos, desde que ela foi levada à Penitenciária Feminina do Distrito Federal — Colmeia — como suposta foragida da Operação Lesa Pátria. “Situação gravíssima”, aponta.
A prisão ocorreu na última quinta-feira (6), quando mais de 200 pessoas que aguardavam encerramento de processos do 8 de janeiro foram presas preventivamente. As decisões foram fundamentadas na fuga de terceiros, o que foi avaliado por juristas como “irrazoável” por ferir o princípio da individualidade.
“Minha mãe, por exemplo, seguia todas as medidas cautelares, tanto que corria para o Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico, o CIME, sempre que a tornozeleira dava algum sinal diferente”, aponta Sarah, ao citar que Alice tinha medo de voltar ao cárcere devido ao que enfrentou em 2023.
“Além de ser tratada como criminosa e sofrer com o ambiente e alimentação [Alice perdeu quase 15 quilos], ela teve várias convulsões lá dentro”, lamenta a filha. Segundo ela, a dose do medicamento para epilepsia precisou aumentar, e outros três remédios controlados passaram a ser tomados diariamente pela mãe.
Na própria decisão de soltura dela, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou em 8 de março de 2023 que Alice possuía “grave comorbidade” e deveria deixar a prisão “em razão do risco exponencial à sua vida e integridade”.
Nesse documento, Moraes citou entendimento do ministro Ricardo Lewandowski ao conceder Habeas Corpus (HC 139374), em maio de 2017, para um paciente com idade avançada e problemas de saúde.
Na mesma decisão, Moraes também apontou ensinamentos do jurista e sociólogo francês Maurice Hauriou, que trata da segurança como direito fundamental para “garantir a liberdade individual contra o arbítrio da justiça penal, ou seja, contra as jurisdições excepcionais, contra as penas arbitrárias”.
Portanto, “no presente momento, identificada a comorbidade grave que acomete a denunciada, não há razões para manutenção da medida cautelar extrema”, afirmou o ministro ao conceder liberdade provisória para Alice.
Alice foi levada novamente à Colmeia e a família ainda não teve contato com ela
No entanto, Alice foi presa novamente na última semana. De acordo com Sarah, a família teve contato com a mãe apenas nos dois primeiros dias de prisão, enquanto ela aguardava na Superintendência da Polícia Federal (PF), em Brasília. “Lá, recebeu todos os remédios”, relata a jovem, afirmando que a situação mudou ao ser transferida para a Colmeia no último sábado (8).
“Não conseguimos mais falar com ela e, na primeira videochamada que teríamos, na terça-feira (11), minha mãe não participou”, relata Sarah, preocupada. “Nos disseram que ela estava em uma consulta de rotina, mas a reunião já estava marcada com antecedência, então não agendariam para a mesma hora”, argumenta. “Deve ter sido alguma urgência, já que minha mãe pode convulsionar”, considera.
Sarah e o irmão, Samuel Nascimento Martins, decidiram ligar para a unidade de saúde da penitenciária para solicitar informações. Na conversa, gravada pelos irmãos, o rapaz pergunta se a mãe estava tomando seus remédios para epilepsia, e descobre que eles ainda começariam a ser administrados.
“Vai ter a avaliação e [ela] vai receber a medicação hoje”, afirma a atendente, por telefone. “Então ela está assim desde sábado [sem os remédios]?”, questionam os filhos, ouvindo a mulher explicar sobre um protocolo da penitenciária, que exige triagem e consulta médica.
Defesa pede revogação da prisão
De acordo com a advogada Juliana Nascimento Medeiros, a família já tinha esse receio e enviou com Alice todas as cópias das receitas, além de caixas fechadas dos medicamentos para uso diário. “Agora estamos aguardando nova videochamada para tentar conversar com ela, e já entramos com pedido de revogação da prisão preventiva”, informa a advogada.
A Gazeta do Povo procurou a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), mas foi informada de que relatórios médicos de pacientes ficam com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). A equipe também tentou contato com a pasta, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
O que aconteceu com Alice no dia 8 de janeiro?
Mãe de três filhos e avó de uma neta, Alice Nascimento dos Santos tem 49 anos, sofre de epilepsia desde os 21, e trabalhava como gerente de um ateliê de costura quando decidiu participar das manifestações de 8 de janeiro.
De acordo com a filha, a mãe acreditava que os atos seriam pacíficos e, ao chegar na Praça dos Três Poderes, “se emocionou com tantas pessoas de verde e amarelo”. No entanto, quando começaram as bombas, ela entrou nos prédios públicos, e foi presa no plenário do Senado.
“Vimos pelas imagens que a Alice entrou quando já estava tudo quebrado, e que as pessoas estavam orando e cantando”, informa a advogada Juliana Nascimento Medeiros, ressaltando que “os policiais pediram para ela aguardar porque a levariam em segurança para fora, o que não aconteceu”.
Segundo a defesa, Alice recebeu voz de prisão no dia seguinte, permaneceu na Colmeia até 8 de março de 2023, e foi condenada pelo STF a 14 anos de prisão, com cinco votos divergentes ao entendimento do relator Alexandre de Moraes. O acórdão condenatório ainda não foi publicado e, por isso, Alice aguardava em casa a conclusão da fase de recursos.