Atlas lançado em 2024 com o Brasil no centro do mapa-múndi troca imagens dos períodos Jurássico e Cretáceo.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) distribuiu a nova versão do Atlas Geográfico Escolar com erros em mapas que mostram a formação dos atuais continentes da Terra.
A 9ª versão do Atlas Geográfico Escolar, que ficou conhecida por colocar o Brasil no centro do planisfério, apresenta uma sequência que troca os mapas dos períodos Jurássico (o qual diz ter sido há 135 milhões de anos atrás) e Cretáceo (65 milhões de anos). Uma diferença de 70 milhões de anos. A sequência também traz informações incorretas sobre a idade e a duração dos períodos geológicos.
O IBGE reconheceu as falhas e diz que prepara uma errata (leia mais abaixo). O órgão não respondeu à reportagem quantos exemplares foram distribuídos. A reportagem questionou o instituto por email e telefone 4 vezes desde o dia 23 de maio, sem resposta. O presidente do instituto, Marcio Pochmann, disse em publicação no X (ex-Twitter) que seria enviado um exemplar impresso para cada uma das escolas públicas do Brasil (são 178 mil escolas, de acordo com o Censo Escolar).
A versão com erro continuava disponível para download no site do IBGE até a publicação deste texto.
O atlas traz uma sequência incorreta da separação dos continentes no planeta. Mostra o movimento das placas tectônicas dividindo os continentes a partir do período Permiano (de 300 a 250 milhões de anos). O afastamento dos continentes é corretamente mostrado no 2º mapa da sequência, que retrata o período Triássico (de 250 a 200 milhões de anos atrás).
O mapa seguinte, no entanto, mostra um nível de separação dos continentes no período Jurássico que não corresponde ao indicado pelas referências atuais de estratigrafia (ramo da geologia que estuda as camadas de rochas). Já no 4º mapa, os continentes voltam a se aproximar, o que também não condiz com o conhecimento que se tem da formação do planeta.
Alguns dos períodos geológicos são retratados com datas em desacordo com a versão mais atual do gráfico internacional de cronostratigrafia da Comissão Internacional de Estratigrafia
Simplificação
Vinicius Tieppo Meira, professor de geociências na Unicamp, analisou a página do atlas do IBGE a pedido do Poder360. Além dos erros citados acima, destacou outro parágrafo que julga como incorreto. Eis o trecho:
“As placas tectônicas são grandes blocos que formam a crosta terrestre e flutuam sobre o magma. Este, por possuir consistência fluida, possibilita o deslizamento dos continentes, que continuam se movendo até hoje.”
O professor diz que o texto é uma simplificação que não deveria ser feita. A camada chamada de manto, afirma Meira, não é magma, é uma camada de rochas sólida. Há uma parte de cima do manto mais rígida que está acoplada com a crosta que forma às placas tectônicas. As placas se movimentam sobre outra parte do manto, a Astenosfera, que também é sólida, mas se deforma mais facilmente e flui, o que permite a movimentação das placas.
“Esse conceito da crosta terrestre flutuando sobre o magma é um conceito errado”, diz o professor. O especialista destaca que não é um erro específico do material do IBGE, mas uma simplificação comum. Diz que, na sua opinião, é errado ensinar dessa forma, ainda que para crianças.
O professor da Unicamp propôs que o trecho fosse substituído pelo seguinte:
“As placas tectônicas são blocos rígidos da camada mais superior da Terra, denominada de Litosfera. Esses blocos são formados pela crosta terrestre e parte do manto superior e movimentam-se sobre uma camada viscosa do manto, denominada de Astenosfera. Esta camada possibilita o deslizamento das placas tectônicas, e por consequência dos continentes, pois possuem comportamento viscoso, permitindo com que esse movimento continue até hoje.”
Em resposta à reportagem, o IBGE diz que considera a simplificação adequada ao nível de profundidade do produto.
O que diz o IBGE
O instituto reconheceu os erros, com exceção da simplificação do movimento das placas, dizendo que já havia identificado uma parte deles. Afirma em nota que está elaborando uma errata e que os produtos digitais serão corrigidos “tão logo sejam finalizadas as análises”.
Eis a nota:
“Esclarecemos que o IBGE tem por prática receber avaliações e contribuições externas relativas aos seus produtos, que são analisadas por sua equipe técnica e culminam, quando é o caso, na publicação de uma errata.
“Recebemos seus apontamentos a respeito do Atlas Geográfico Escolar do IBGE, mais especificamente sobre o conteúdo apresentado na página 16 da publicação, que trata da formação dos continentes. Registramos que todas as observações apresentadas foram analisadas pela área pertinente e a seguir elencamos os desdobramentos.
“No que se refere à observação relativa à inversão nas ilustrações, esclarecemos que tal erro já havia sido identificado. Quanto aos apontamentos sobre a duração do período Permiano e do período Jurássico, fizemos uma revisão geral e estamos preparando a correção. Com relação ao texto que acompanha a ilustração na página 16, consideremos que a simplificação não incorre em erro e está adequada ao objetivo e nível de profundidade do produto.
“Com relação às providências decorrentes por conta desses enganos, o IBGE está elaborando uma errata para dar conta dessas incorreções e de outras identificadas após o lançamento do produto. Os produtos digitais serão corrigidos tão logo sejam finalizadas as análises e o produto impresso terá a errata inserida no volume.”
Politização do atlas
O IBGE lançou a nova edição do Atlas Geográfico Escolar em 9 de abril, com evento transmitido ao vivo na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio. No texto de divulgação, escreveu que o material tinha como diferencial mapas com o Brasil no centro do mundo.
Eis um dos mapas divulgados, com o Brasil no centro do planisfério.
O mapa apresenta uma parte da Ásia e da Oceania cortada. Foi festejado por defensores do governo e criticado por opositores nas redes sociais.
Durante o evento de lançamento, o diretor da Autoridade do Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Protasio, afirmou que o posicionamento do Brasil no centro do mapa é a marca de uma “nova postura e uma nova ideia”.
“O brasileiro que chegar na sala de aula hoje irá se dizer que está no centro do planeta Terra e esta percepção é de grande valor e mudará comportamentos. O Brasil chegou ao centro do mundo”, afirmou.
O presidente do IBGE, Marcio Pochmann, entregou o mapa com o Brasil no centro aos chefes dos Três Poderes e a diversas autoridades. Publicou um texto na rede social X (ex-Twitter) em 17 de abril mostrando fotos da entrega ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No texto, Pochmann escreveu:
“E saber que o Brasil tem a Amazônia Azul e pode está no centro do mapa-mundi, como também entregamos ao presidente Lula, entre outros, são formas de aproximar as informações a todes deste país cheio de desafios, mas também com muitas oportunidades”
Lula respondeu a um post ironizando o mapa com o comentário: “A Terra é redonda”. Foi uma referência à crença atribuída a defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de que a Terra seria plana.
Bolsonaro nega que acredite nessa teoria, que era divulgada pelo escritor Olavo de Carvalho, morto em janeiro de 2022. Olavo era tido como guru do ex-presidente.