Advogados denunciam dificuldades no acesso a processos
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se manifestou sobre as denúncias de cerceamento de defesa no caso do ex-assessor Filipe Martins e em processos dos presos do 8 de janeiro. O jornal Gazeta do Povo pediu um posicionamento da organização, nesta quarta-feira, 10, mas não houve resposta.
Entre as violações relatadas pelos advogados estão dificuldades de acesso aos processos e desconsideração de provas legítimas. Eles também citaram falta de diálogo com o Ministério Público (MP) e com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Sebastião Coelho, especialista em Direito Penal e advogado de Filipe Martins, criticou as ações do MP e de Moraes no caso de seu cliente. Ex-assessor de Assuntos Internacionais do ex-presidente Jair Bolsonaro, Martins está preso por uma viagem que nunca existiu, ressaltou o responsável por sua defesa.
“Agora vejam, quando um juiz ou ministro nega uma audiência para um advogado, ele está respeitando esse advogado?”, indaga Coelho. “E quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) nega duas vezes reunião com os advogados, estão nos respeitando? Não estão.”
Ele também participa da defesa de Martins e informou que o acusado segue preso há cinco meses sem denúncia, com parecer da PGR favorável à soltura, e sem qualquer manifestação da OAB a respeito.
“Em mais de 42 anos na área jurídica como advogado e juiz, essa é a prisão mais abjeta que já vi”, disse Coelho, que é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. “Sob a responsabilidade de um juiz que não respeita a Constituição e o regramento jurídico do país.”
Moraes pede informação aos EUA
Moraes exigiu o “consentimento do investigado” para que a Polícia Federal tivesse acesso aos dados diretamente no Sistema de Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos. Alguns dias depois da solicitação, localizou-se um erro de sistema. Segundo o jornal norte-americano Wall Street Journal, a situação seria uma maneira de “fornecer convenientemente a narrativa necessária para a prisão de Martins”.
A defesa ainda afirma que Filipe Martins foi alvo de coação para “fazer prova contra si mesmo”. Ele obteve resposta do Sistema de Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos. O órgão informou sobre inexistência de registro de entrada física em seu nome em Orlando, na Flórida, em dezembro de 2022.
O também advogado Gustavo Nagelstein fez denúncia semelhante ao relatar que só conseguiu acesso ao inquérito de seu cliente — o mecânico gaúcho Gilberto da Silva Ferreira — quatro meses depois da prisão. A polícia prendeu o mecânico em março de 2023, por ter participado nas manifestações do 8 de janeiro. Ele segue atrás das grades por mais de 470 dias, sem denúncia.
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“O que existe é um inquérito mostrando fotos dele na Esplanada dos Três Poderes, nenhuma danificando qualquer patrimônio público”, explicou Nagelstein, que tem defendido que o réu deve aguardar julgamento em liberdade porque ainda não tem sentença. Porém, Moraes negou todos os pedidos.
Ranieri Gonçalves representa a ré Debora Rodrigues dos Santos, mãe de dois meninos — de 6 e 9 anos — e já solicitou oito vezes prisão domiciliar para ela. Pela jurisprudência da Corte, a cabeleireira paulista deveria aguardar o processo em casa, mas está presa desde março de 2023.
Debora escreveu “Perdeu Mané” na estátua da Justiça, localizada em frente à fachada do STF, com batom lavável. “Uma situação absurda, pois nega à mulher a capacidade de se defender”, disse Gonçalves.
Julgamento sem sustentação oral
Hélio Junior, que defende mais de cem acusados pelo 8 de janeiro, disse que os presos são julgados sem sustentação oral de seus advogados, presencialmente ou ao vivo por meios eletrônicos. Além disso, são constantes outras violações às prerrogativas da advocacia.
“São restrições ao direito de acesso aos autos, impedimentos à participação efetiva nos atos processuais”, disse Junior. “E dificuldade na comunicação direta com o ministro relator, sendo os advogados proibidos de ter acesso ao magistrado.”
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Hélio Junior apresentou requerimento ao Conselho Federal da OAB, em 6 de março de 2024, para solicitar alguma ação da entidade no STF para que a Corte respeite esse direito aos seus clientes, e não obteve resposta.
OAB leva proposta ao Congresso
A OAB anunciou no mês seguinte que levaria ao Congresso Nacional uma proposta de Emenda à Constituição sobre o tema. O ofício com a sugestão foi entregue ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas aguarda tramitação. A entidade pretende garantir o direito dos advogados de realizarem a sustentação oral.
A Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro já enviou diversos ofícios à OAB a respeito dos casos. O órgão solicita que a entidade dialogue com a classe nesse sentido e defenda a atuação dos profissionais.
“Parece que a OAB está sempre pisando em ovos e, quando se posiciona, de alguma maneira volta atrás”, lamenta a presidente da Asfav, Gabriela Ritter, ao garantir que os advogados não querem enfrentar a OAB, mas que precisam ser defendidos por ela.