Foto - Fábio Rodrigues Pozzebom
Em mais um episódio da queda de braço contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo controle do Orçamento, o Congresso Nacional cogita adotar uma série de medidas para contra-atacar as investidas do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) para limitar os repasses de emendas pix e de comissão. Na prática, essas medidas podem acabar aumentando o controle do Parlamento sobre o orçamento anual, como já ocorreu em outras situações.
Recentemente, decisões do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), e pedidos da Procuradoria-Geral da República acabaram por limitar o repasse de emendas de comissão e das transferências especiais – as emendas pix – pelo Congresso a municípios. Nesta quinta-feira (9), o ministro determinou que somente poderá haver repasses via emendas pix em casos de calamidade pública ou para obras já em andamento. Além disso, as emendas só podem ser direcionadas para estados e municípios que elegeram o parlamentar responsável.
Diante dessas ações e de um pedido da PGR que pede a extinção das emendas pix, parlamentares já preveem algumas alternativas de contra-ataque. Na prática, a briga acaba sendo pelo controle do orçamento, já que grande parte dos recursos do Congresso Nacional são transferidos para os estados e municípios via emendas eleitorais. O restante dos recursos é gerido pelo Executivo, ou seja, se a fatia do Parlamento diminuir, o governo poderia ter mais recursos à sua disposição.
Para evitar que isso ocorra, os parlamentares apostam em um novo calendário para o pagamento das emendas, na criação de um novo tipo de emenda, de pagamento obrigatório e que cumpra com as medidas de transparência solicitadas por Dino, e que favoreça os partidos com mais representantes no Congresso e em uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumente o volume de recursos destinados para as emendas individuais no próximo ano.
Congresso avalia aumentar recursos das emendas individuais, estabelecer calendário de pagamentos e criar nova emenda
A peleja sobre o controle do Orçamento é antiga. Da última vez em que o STF proferiu uma decisão sobre as emendas parlamentares, em novembro de 2021, quando suspendeu a execução das emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto, o Congresso não tardou em aprovar a PEC da Transição. Com ela, o valor destinado às emendas individuais, que correspondia a 1,2% de tudo o que o governo arrecadou no ano anterior, passou para 2%.
Essa mudança foi significativa porque, como são de execução obrigatória, ou seja, o governo precisa pagá-las, as emendas individuais acabam por reduzir o poder de barganha do Executivo, que não tem como negociar a liberação desses recursos para conseguir apoio em votações de seu interesse.
Quanto maior o volume de recursos disponibilizados para o Parlamento via emendas individuais, menor a margem de manobra para essa negociação e menor o poder do governo sobre o Orçamento.
Ou seja, naquela época o Congresso não só contornou a proibição do STF como aumentou sua mordida no orçamento do Executivo. E a ideia agora é fazer uma manobra semelhante depois que Dino retomou o assunto.
Uma das opções do Congresso deve ser elevar o percentual de verbas destinadas às emendas individuais para mais de 2% (o número pretendido não foi divulgado ainda).
Outra possibilidade é a criação da emenda de líder ou de partido, uma iniciativa do deputado Danilo Forte (União-CE). Segundo a assessoria do parlamentar, a proposta é que os recursos – antes destinados às emendas pix e de comissão – sejam direcionados de forma proporcional às bancadas dos partidos.
Assim, as legendas com maior número de deputados teriam, proporcionalmente, mais recursos a seu dispor. Como o governo não tem a maioria no Congresso, caso seja levada adiante e aprovada, a proposta também fortalece o Parlamento. Isso porque ela redireciona os recursos que a PGR e o STF tentam limitar para os partidos mais influentes no Parlamento, favorecendo o PL e o Centrão. O PT ganha em certa medida por ter a segunda maior bancada.
A terceira ideia é inserir um calendário de pagamentos das emendas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma proposta que dá muito poder ao Congresso mas não havia avançado. No ano passado, o deputado Danilo Forte, que foi o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), inseriu esse calendário de pagamentos no relatório final. No entanto, o presidente Lula vetou o cronograma, que, ao estabelecer datas específicas para o pagamento das emendas, também reduz o poder de barganha do governo no Congresso.
Na volta do recesso parlamentar, no início deste ano, esse foi um dos vetos presidenciais que o Congresso decidiu não derrubar. Para tanto, foi feito um acordo com o governo, que se comprometeu a fazer os repasses das emendas seguindo as datas previstas no calendário. A verba acabou chegando a tempo nos estados e municípios antes do início oficial da corrida eleitoral. Até as investidas do STF e da PGR, esse acordo vinha sendo cumprido.
O relator do arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), afirma que o aumento do volume de recursos reservado para as emendas individuais é a melhor opção, caso o STF realmente venha a suspender as emendas pix, conforme pedido da PGR. Ele também é favorável à reinserção e aprovação do calendário de pagamentos para as emendas na LDO.
O parlamentar afirma que o calendário “tira aquela coisa de toma lá da cá. Em véspera de votação, o governo libera [o pagamento das emendas]. Execução orçamentária tem que ter planejamento”, afirmou ele à Gazeta do Povo. No ano passado, o Executivo fez pagamentos bilionários para aprovar seus projetos. Na véspera da votação da Reforma Tributária, por exemplo, R$ 5,3 bilhões em emendas foram liberados de uma vez só.
Comissão suspendeu leitura de relatório prévio da Lei Orçamentária
Diante das decisões do STF, o presidente da Comissão Mista de Orçamento da Câmara, deputado Júlio Arcoverde, adiou a discussão da LDO 2025, que estava programada para a segunda quinzena de agosto. Em nota, o parlamentar afirmou que considera “prudente” aguardar a definição da questão levantada pela PGR.
“Como podemos abrir um prazo de apresentação de emendas à LDO, se não sabemos o que vai resultar dessa discussão jurídica? Seria uma irresponsabilidade iniciar um processo sem saber as regras que estarão valendo”, justificou Arcoverde.
Ainda que o deputado se coloque em tom de neutralidade diante da peleja entre o Executivo e o Parlamento pelo controle do Orçamento, o adiamento da LDO não deixa de ser um recado para o governo. Além disso, pode abrir margem para que o Congresso implemente seu plano de contornar novamente as medidas do STF contra as emendas.
Cláudio Cajado afirmou que o adiamento se deve ao prazo apertado e, portanto, ficará somente para depois das eleições municipais.
Ele disse que não tem como fazer discussão ampla, e que é até melhor deixar para depois a discussão, quando será mais fácil definir as destinações após resultado do pleito municipal, “para ver melhor o cenário”.
O que as ações do STF e da PGR determinaram e como impactam o controle do Orçamento
Todo esse novo episódio na disputa pelo orçamento começou no dia 1º de agosto, quando o ministro Flávio Dino analisou uma ação protocolada no STF pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A entidade solicitou a suspensão total das emendas pix. Caso o pedido fosse negado, a Abraji pediu que a Corte obrigasse o Congresso a prestar esclarecimentos detalhados sobre origem e destinação dessas emendas.
Nesse primeiro momento, Dino determinou que as emendas de comissão e de relator só poderiam ser pagas se cumprissem critérios rigorosos de transparência e rastreabilidade. Além disso, decidiu que as emendas pix precisariam ser auditadas pela Controladoria-Geral da União (CGU), que passou a ter 90 dias para auditar os repasses das emendas Pix de 2020 a 2024.
Para se ter uma ideia, somente em 2024, há 942 emendas pix previstas, sendo que R$ 7,68 bilhões já foram previstos para pagamento, dos quais R$ 4,48 bilhões já foram pagos. Os dados são da plataforma Siga Brasil.
Na tarde da quinta-feira (8), no entanto, Dino autorizou a execução de “emendas Pix” somente para obras em andamento e em casos de calamidade pública, desde que o repasse seja transparente e rastreável. Esta decisão de Dino foi tomada diante de pedido da PGR que apontou como “inconstitucionais” as emendas pix e, portanto, solicitou o fim imediato da modalidade.
O ministro ainda apontou que as decisões em relação a todas as emendas poderão ser revistas se o Legislativo e o Executivo apresentarem “medidas concretas” para “remover os vícios” apontados pela PGR nesses pagamentos.
O que são as transferências especiais ou emendas pix e as emendas de comissão
As emendas pix ou transferências especiais são uma modalidade de emenda parlamentar em que há repasse de recursos diretamente para estados, Distrito Federal ou municípios. No entanto, não há definição específica para o uso do dinheiro – a razão das amplas críticas que recebem por falta de transparência.
Já as emendas de comissão, são aquelas repassadas pelas comissões de Orçamento, Segurança Pública, entre outras, da Câmara e do Senado. Elas carecem de transparência porque não especificam qual parlamentar indicou a transferência e também não são claras sobre a destinação dos recursos, tarefa que fica a cargo da Comissão. Por essa razão, elas foram chamadas de “novo orçamento secreto”.
Esse também era um dos problemas das emendas de relator, que colocavam nas mãos de um único parlamentar – no caso, o relator do Orçamento – o poder de decidir sobre a destinação de grandes quantias. Mas os relatores faziam esses encaminhamentos de forma informal, a pedido de outros parlamentares, que se mantinham “ocultos”, gerando falta de transparência nos repasses.
Parlamentares defendem emendas pix e controle do Orçamento pelo Congresso
Parlamentares consultados pela Gazeta do Povo, no entanto, opinaram que não há falta de transparência em relação às emendas pix. O deputado Cláudio Cajado disse que as emendas pix foram criadas para acelerar a execução orçamentária. Ele argumentou ainda que é errôneo dizer que não são fiscalizadas, pois esse papel cabe aos órgãos de controle nos estados ou municípios.
Em relação às decisões de Dino, o parlamentar afirmou que, se for para “garantir a transparência, dá para ajustar, disciplinar regras”. “Se tiver que clarear mais não vejo problema nenhum”, ressaltou. Apesar de respeitar a opinião da PGR, que opinou pelo fim desse tipo de emenda, ele vê ingerência da Justiça, pois essa é uma prerrogativa do Congresso.
Já o deputado Filipe Barros (PL-PR), líder da oposição na Câmara, afirmou que as emendas pix são uma “modalidade prevista em lei de recursos da União para prefeituras de todo o Brasil” e que é um processo com “total transparência”.
“A integridade já começa na indicação da emenda, indo até seu devido pagamento, com fiscalização pelo Ministério Público de cada estado, Ministério Público Federal, polícias Civil e Federal, além dos Tribunais de Contas – seja dos estados ou da União”, disse.
Congresso recorre de pedido da PGR de por fim às emendas pix
Na quinta-feira (8), o Congresso recorreu da decisão do ministro Flávio Dino. Os parlamentares da Câmara e do Senado defenderam a legalidade das emendas pix e criticaram as exigências estabelecidas por Dino, afirmando que ele desconsidera as circunstâncias do sistema de transferências especiais e dá ao governo um poder excessivo sobre o Orçamento.
“A pretensão de subverter essa divisão constitucional, delegando ao Executivo uma autonomia desmedida sem a devida regulamentação legislativa, implica um atentado às determinações constitucionais que estruturam o Estado Democrático de Direito”, apontou o recurso.
Filipe Barros afirmou que o PT não está acostumado a governar com o Parlamento e que “quer voltar aos tempos sombrios nos quais achacava deputados em troca de votos – embora, ironicamente, a autora do projeto que criou esse formato de emenda [emenda pix] seja a presidente do PT, Gleisi Hoffmann [em 2019, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição]”.
Independente das ações que o Congresso adotar em razão das decisões do STF e da PGR, as perspectivas são de que, mais uma vez, os parlamentares saiam ganhando nessa nova queda de braço, obtendo maior controle sobre o Orçamento e levando à redução da margem de manobra do governo, que busca reverter a situação e para isso conta com um decisão favorável da Corte.