Foto - TON MOLINA
Procuradoria, sob a liderança de Augusto Aras, contestou em novembro de 2022 a coleta de provas pelo tribunal
A Procuradoria-Geral da República (PGR), liderada por Augusto Aras, contestou em novembro de 2022 o uso do órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo ministro Alexandre de Moraes para o inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF). As informações foram obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo.
Em um processo sigiloso, a PGR considerou como ilegal o uso do órgão do TSE para embasar decisões de Moraes no STF. A procuradoria alegou que a prática viola o sistema penal, pedindo a anulação das diligências e a revogação das medidas tomadas com base nos relatórios do órgão de combate à desinformação.
A vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo, apresentou a contestação em um agravo regimental no processo do ex-deputado Homero Marchese, destacando erros e contradições na decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Paulo Gonet, sucessor de Aras na PGR, defendeu Moraes, afirmando que o Ministério Público Federal teve oportunidade de atuar nos processos. O procurador-geral da República destacou características positivas do ministro do STF, como coragem e diligência, em suas decisões.
Procurado pela reportagem da Folha de S.Paulo, Paulo Gonet não respondeu sobre o parecer anterior de Lindôra Araújo.
PGR criticou coleta de provas feitas pelo TSE a pedido de Moraes
No agravo, Lindôra afirmou que a coleta de provas pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE foi inconstitucional e ilegal, violando o sistema processual acusatório. A PGR não sabia a origem dos relatórios recebidos por Eduardo Tagliaferro, chefe da AEED — que teriam sido feitos a pedido de Alexandre de Moraes.
Os relatórios produzidos por Tagliaferro configurava uma função investigativa sem a participação do Ministério Público Federal. Nesse sentido, Lindôra argumentou que o órgão estava realizando análises de aplicativos de mensagens e produzindo relatórios enviados ao STF, o que afrontava o modelo constitucional.
A PGR afirmou que a Justiça Eleitoral estava monitorando redes sociais de pessoas que convocavam manifestações contra ministros do STF, o que não estava relacionado ao combate à desinformação.
“Não se pode admitir que órgão do Poder Judiciário Eleitoral, a pretexto de combate a desinformação, materialize diligências investigativas, com o escopo de coletar elementos quanto a autoria e materialidade delitiva criminal a serem compartilhados com o STF”, declarou Lindôra Araújo.
Casos específicos e gestão de Aras
No caso de Homero Marchese, a PGR destacou que não havia relação direta com a Justiça Eleitoral, pois as manifestações eram sobre um evento com ministros em Nova York (EUA).
Lindôra pediu a anulação das medidas de bloqueio de contas, feitas sem o parecer do Ministério Público, alegando violação do sistema acusatório. Durante a gestão de Aras, Moraes tomou decisões de ofício, ignorando manifestações da PGR e autorizando pedidos da Polícia Federal.
O sistema acusatório, segundo a Constituição, atribui a produção de provas ao Ministério Público e à polícia, e o julgamento ao Judiciário, mas o STF validou a formatação controversa do inquérito. Mensagens entre juízes de Moraes no STF e no TSE com auxiliares mostram o uso não oficial da AEED para o inquérito das fake news.
Ilegalidade nas ordens e defesa de Moraes
As ordens eram dadas informalmente a Eduardo Tagliaferro, ex-chefe do órgão de desinformação do TSE, e assessores do ministro Alexandre de Moraes sabiam dos riscos dessa informalidade.
“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim”, disse. “Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
Moraes afirmou que todos os procedimentos foram oficiais, regulares e documentados nas investigações. “Diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação”, disse em sessão no STF.
Na mesma sessão, o ministro do Supremo acrescentou: “Seria esquizofrênico eu, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral [à época], me auto oficiar”.