Finanças públicas continuam cheias de arremedos e truques para fazer parecer o que não são, mas o mercado parece ter se dado conta
Esforço retórico do governo na tentativa de convencimento do mercado financeiro sobre as contas públicas não dirimiu a desconfiança dos agentes econômicos. Em coletiva na manhã de segunda-feira, 23, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, promete entregar “melhor resultado fiscal dos últimos três ciclos de governo“.
Qualquer um letrado nas avançadas contas de subtração do 4º ano do Ensino Fundamental, no entanto, entendeu a matemágica. É óbvio que as contas vão fechar, basta que o governo excetue gastos, como os 40 bilhões de reais para atendimento das operações contras as queimadas e socorro ao Rio Grande do Sul. Ou aumente as receitas extraordinárias, como dividendos de estatais e (por que não?) confisco de 8,5 bilhões de reais “esquecidos” nas contas de mais de 50 milhões de brasileiros.
Ao fim e ao cabo, o relatório bimestral de receitas e despesas apresentado na sexta-feira, 21, à noite foi uma repetição dos truques do ano, com novas peças, mas resultados parecidos: receitas superestimadas e despesas subestimadas. Além disso, o compromisso do governo com o limite inferior da meta fiscal é outro balde de água fria naqueles que chegaram a acreditar no compromisso de Lula com o equilíbrio das contas públicas.
A meta fiscal para 2024 é de déficit primário zero, isto é, quando se subtraem as despesas das receitas (descontados os juros ganhos ou pagos) o resultado é zero. No entanto, o arcabouço fiscal criado pelo governo no início de 2023 prevê uma banda de tolerância de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto) para cima ou para baixo, o que significa 28,8 bilhões de reais.
A esta altura do campeonato está claro que o objetivo do governo é terminar o ano em 28,8 bilhões de saldo negativo – e com, diga-se, um pouco de contabilidade criativa.
O problema disso, porém, é que os efeitos de longo prazo costumam ser bastante adversos. Enquanto o Estado impulsiona os gastos com uma política fiscal expansionista, as expectativas de que esses recurso pressionarão a inflação aumentam e impulsionam um cenário em que juros mais altos serão necessário para frear o ímpeto consumidor no futuro.
Não à toa, os juros futuros subiram até 10 pontos base na segunda-feira, 23. O dólar também subiu para 5,54 reais (+0,49%). Dois indicativos claros da perda de credibilidade da equipe de Lula junto ao agentes econômicos. O mais grave é que é com base nos juros futuros que as empresas negociam as taxas para acesso ao crédito, o que, de imediato pode ser sentido.
O Ibovespa, principal índice acionário brasileiro, encerrou o dia em queda de 0,38%, aos 130,6 mil pontos em reflexo ao mau humor local. Nas principais bolsas asiáticas, europeias e americanas o dia foi de ganhos.
O cenário está cada vez mais claro: o governo precisa ajustar as contas com medidas concretas e compromisso sincero. A retórica deve dar lugar a ações práticas e observância das práticas contábeis. Meta cumprida com truques e contabilidade criativa é uma estratégia conhecida e repetida.