Michael Shellenberger explica a ligação entre a investigação do STF contra o deputado Marcel van Hattem e estranhos acontecimentos nos EUA.
Em abril, o Public e a Gazeta do Povo publicaram os Twitter Files Brasil, que revelaram exigências do Supremo Tribunal Federal (STF) para que jornalistas independentes e legisladores, incluindo o deputado liberal de 38 anos Marcel Van Hattem, fossem banidos não apenas do Twitter, hoje X, mas de todas as plataformas de redes sociais.
O Alexandre de Moraes, o mesmo que baniu temporariamente o X e congelou as contas da Starlink, presidia o Tribunal Superior Eleitoral quando a instituição acusou Van Hattem de espalhar desinformação eleitoral. No entanto, o vídeo em questão não tinha nada a ver com as eleições e havia sido postado no Instagram, e não no X.
Desde então, nenhum membro do Congresso brasileiro fez mais para expor a censura do STF e denunciar a corrupção no governo do presidente Lula do que Van Hattem.
A censura contra Van Hattem e suas denúncias de corrupção o tornaram famoso em todo o país. Ele se tornou um rosto proeminente e popular do movimento pela liberdade de expressão no Brasil. Em uma recente manifestação contra a censura em São Paulo, no 7 de Setembro, centenas de pessoas pediram para tirar selfies com ele. No Instagram e no X, Van Hattem tem, respectivamente, 1,5 milhão e um milhão de seguidores.
Agora, em meio a uma ampla repressão à liberdade de expressão, o governo Lula parece estar retaliando contra Van Hattem. A Polícia Federal está investigando supostos insultos feitos por Van Hattem contra um de seus oficiais. Fazem-no à revelia da proteção constitucional explícita à fala dos membros do Congresso.
“Esta é a primeira vez na história que um juiz brasileiro ordena a investigação de um membro do Congresso por algo que ele disse na tribuna,” disse Van Hattem ao Public.
Se o Supremo Tribunal decidir que Van Hattem fez acusações falsas de forma deliberada contra Shor, ele pode enfrentar um processo por difamação ou calúnia.
Isso seria considerado um passo radical no Brasil, porque seus tribunais respeitam a separação de poderes há décadas e tratam a imunidade parlamentar como algo sagrado.
“O Supremo Tribunal já perseguiu políticos antes,” disse Van Hattem, “mas até agora não havia violado o direito sagrado e constitucionalmente protegido dos representantes eleitos pelo povo de falar na tribuna.”
O relatório da Polícia Federal diz que o discurso de Van Hattem demonstrou “um possível propósito… de constranger, humilhar e ofender o delegado Fábio Shor, tudo isso porque aparentemente discordou de seu desempenho profissional investigativo…”.
Mas a preocupação de Van Hattem não era meramente com o “desempenho”. Em seu discurso de 14 de agosto, Van Hattem acusou o policial federal Fábio Alvarez Shor de ter produzido “vários relatórios absolutamente fraudulentos contra pessoas inocentes,” o que, se for verdade, constitui violações da lei.
Juristas expressaram alarme com a violação da imunidade parlamentar pelo Supremo Tribunal. “A investigação de Marcel Van Hattem é abusiva e inconstitucional,” escreveu o especialista em direito constitucional André Marsiglia, no X.
O jurista citou a linguagem exata do artigo 53: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”
Essa ampla proteção, segundo Marsiglia, inclui supostos insultos à polícia.
Assim, o governo Lula e o Supremo Tribunal correm o risco de impulsionar os movimentos anticorrupção e pró-liberdade de expressão e minar sua própria legitimidade aos olhos do público. Por que isso? E, dado que Van Hattem vem denunciando o governo Lula e o Supremo Tribunal há anos, por que decidiram ir atrás dele agora?
A operação-abafa do governo Biden
Van Hattem, descendente trilíngue de imigrantes holandeses que representa o Rio Grande do Sul pelo Partido Novo, alegou que o policial federal Shor violou leis ao encarcerar ilegalmente Filipe Martins, que foi assessor sênior do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Acontece que o caso tem o envolvimento direto do governo Biden.
Em junho, o Wall Street Journal relatou que o Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) e seu sub-órgão de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) alegaram falsamente que Martins havia voado do Brasil para a Flórida em dezembro de 2022.
O Supremo Tribunal Federal usou a desinformação do DHS-CBP para declarar Martins em “risco de fuga” e mantê-lo preso.
“O que diabos está acontecendo no CBP em Orlando?” perguntou Mary O’Grady, do Wall Street Journal. “Sua má gestão do registro de viagem está sendo usada para violar as liberdades civis do Sr. Martins no Brasil.”
Uma porta-voz do CBP se recusou a comentar o caso para o Wall Street Journal, e o CBP não respondeu aos pedidos de comentário do Public.
Pouco mais de um mês depois de o WSJ atrair atenção internacional para o caso Martins, o ministro Moraes tirou Martins da prisão, mas o proibiu de falar com a imprensa ou se comunicar nas redes sociais. O STF também o impede de viajar e o monitora eletronicamente.
Em 14 de agosto, cinco dias após o ministro Moraes libertar Martins, Van Hattem acusou Shor de fabricar as falsas acusações contra Martins.
Nem o governo Biden nem o governo Lula explicaram o que aconteceu. “Ninguém no CBP consegue explicar como, por que ou quando o falso formulário I-94, convenientemente fornecendo a narrativa necessária para o encarceramento, foi criado,” escreveu O’Grady.
Van Hattem, O’Grady e repórteres no Brasil apontam que o DHS-CBP removeu o registro legal de entrada de Martins, o formulário I-94, de seu site, então Moraes se baseou em uma seção diferente do site do CBP, que mostra falsamente uma visita.
Após a advogada de Martins comunicar o erro ao CBP, o CBP insistiu. Em vez de remover a desinformação, o CBP corrigiu um erro de ortografia no nome (“Felipe” em vez de Filipe) e atualizou o número do passaporte de Martins.
Desde então, o CBP responde com evasivas à advogada de Martins. Ela enviou a um oficial do CBP a confirmação anterior de que não havia registro de entrada de Martins no país. Uma semana depois, esse oficial do CBP “disse a ela que não havia nada que ele pudesse fazer,” relatou O’Grady.
“Ela fez uma série de perguntas, incluindo a data em que o falso I-94 foi criado,” escreveu O’Grady. “Ela diz que ele nem sequer explicou o processo de investigação.” Depois disso, o CBP disse a ela para fazer um pedido com base na Lei de Acesso à Informação.
Contra a censura e a corrupção
Assim, o governo Biden pode ter participado do enquadramento e encarceramento ilegal de um dos principais inimigos políticos de seu aliado próximo, o presidente Lula.
“A cronologia dos eventos é curiosa, no mínimo,” observou O’Grady. “O ministro Moraes preside uma investigação de uma suposta conspiração do círculo íntimo do Sr. Bolsonaro contra o Presidente Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva, empossado em 1º de janeiro de 2023. O Sr. Martins foi levado à prisão em 8 de fevereiro.”
“Venho expondo a corrupção e criticando abusos de autoridade há anos sem que qualquer ministro do Supremo Tribunal ou a Polícia Federal me investigassem,” disse Van Hattem. “É notável e preocupante que só depois de eu criticar o mau gerenciamento do caso Martins pelo Tribunal e questionar o envolvimento do governo dos Estados Unidos no caso Martins que o Tribunal e a Polícia Federal abriram uma investigação contra mim.”
No início deste mês, o Public relatou que agências governamentais dos EUA, incluindo o FBI e intermediários conhecidos da CIA, têm financiado a defesa da censura e orientado o governo brasileiro a respeito de como implementar a censura.
A esperança de Van Hattem reside em sua popularidade. Desde 15 de outubro, Van Hattem tem denunciado a perseguição no Congresso e nas redes sociais.
O que importa agora é que o governo Biden investigue o que o CBP fez no caso Martins e denuncie a guerra do governo brasileiro contra a liberdade de expressão.
Um artigo no New York Times desta quarta-feira (16) sobre a repressão à liberdade de expressão no Brasil pode ajudar a motivar a Casa Branca a fazer isso.
“O ministro Moraes também assumiu novos poderes para ordenar invasões nas casas de pessoas que simplesmente criticaram o tribunal na Internet,” observou Jack Nicas para o Times, “forçar organizações de notícias a remover artigos e ordenar que agentes parem de investigar outro ministro e sua esposa.”
À medida que o Brasil reprime ainda mais a liberdade, pode se tornar mais difícil para o governo Biden, ou um futuro governo Kamala Harris, manter o silêncio sobre o caso Martins e ignorar o viés autoritário da maior nação da América do Sul.