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Brics desafia ordem internacional estabelecida pelo G7

Bloco propõe um sistema multipolar e reforma nas instituições financeiras para desbancar hegemonia do grupo das 7 economias mais industrializadas

Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha dito que o Brics não representa uma ameaça ao G7, o bloco, agora com 9 integrantes, desafia a ordem internacional estabelecida pelo grupo formado pelas economias mais industrializadas do mundo ao buscar um sistema mais equitativo e representativo.

O Brics se reúne nesta 3ª feira (22.out.2024) em Kazan, na Rússia, para sua 16ª cúpula. É esperado que o bloco siga com a estratégia de multilateralismo durante o encontro, que será realizado até 5ª feira (24.out). 

O presidente Lula não irá mais participar da cúpula por ter sofrido uma queda no sábado (19.out) em um banheiro do Palácio da Alvorada. Ele machucou a parte de trás da cabeça. Por orientação médica, cancelou a viagem a Rússia e participará do evento por videoconferência. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, representará o petista em Kazan.

“Enquanto o G7 representa as potências consolidadas, remanescentes da 2ª Guerra Mundial e do bloco vitorioso ao fim da Guerra Fria, o Brics representa os novos polos de poder, ou seja, o conjunto de países que ascendem no sistema internacional”, afirmou Ronaldo Carmona em entrevista

Segundo o professor de geopolítica da ESG (Escola Superior de Guerra) e Senior Fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), a ascensão econômica e o aumento da influência do Brics reflete a mudança no equilíbrio de poder econômico global. O G7 tem perdido parte de sua posição dominante. 

“Isso é muito claro se você olhar a curva de participação dos países do G7 e dos Brics no PIB mundial. Você vê que uma curva é declinante e a outra, ascendente”, avaliou Carmona.

Maior parcela do PIB global

Dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial mostram que o grupo de países emergentes teve uma participação no PIB Mundial de 34,9% em 2023. À época, o Brics ainda era formado somente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Agora, com mais 4 integrantes (Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Egito), que ingressaram no grupo em janeiro, a estimativa é que o percentual suba para 35,4% em 2024. 

Já o G7 teve uma participação no PIB Mundial de 30,1% no ano passado. A projeção para este ano indica que o índice deve cair 0,5 ponto percentual, para 29,6%.

Os dados foram contabilizados com base no PPP (sigla em inglês para Paridade de Poder de Compra), uma maneira de medir e comparar o poder de compra de diferentes países considerando as diferenças de câmbio, custo de vida e inflação. 

A crescente influência econômica do Brics força o G7 a repensar suas estratégias. Carmona afirma que os países integrantes (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) têm como principal agenda adotar políticas de incentivo à inovação e reindustrialização “para tentar reverter essa tendência de declínio”.

“Os países do G7 querem retomar um ‘status quo’ anterior, onde eles dão as cartas”, afirmou o professor. 

Propostas do Brics

O bloco de países emergentes oferecem uma alternativa à ordem mundial liderada pelo G7 ao propor: 

  • multipolaridade: 

Trata-se da defesa por um mundo onde o poder esteja mais distribuído entre diferentes países em vez de concentrado em uma única nação ou grupo. 

Ronaldo Carmona avalia que, para o Brasil, a desconcentração de poder deve incluir os EUA (integrante do G7) e a China (integrante do Brics), ou seja, nenhum dos 2 deve assumir uma posição hegemônica no sistema internacional. 

Ele afirma que a ideia de multipolaridade atrai os países do Sul Global a aderirem ao Brics por permitir que eles tenham mais influência e representação. Também possibilita “uma maior liberdade de ação” para cada nação integrante desenvolver seu projeto nacional.

  • cooperação sul a sul: 

A proposta visa a fortalecer a cooperação, promovendo o intercâmbio de tecnologias, investimentos e conhecimentos entre países do Sul Global –designação que hoje substitui as antigas expressões Terceiro Mundo e países em desenvolvimento. 

  • reforma das instituições financeiras: 

Inclui mudanças no FMI e no Banco Mundial para refletir a nova realidade econômica internacional, caracterizada pela ascensão das economias emergentes. 

Também visa a conceder maior voz e espaço aos países em desenvolvimento. Por ter um grande peso econômico, o G7 tem, atualmente, uma grande influência financeira e política nas instituições. 

O FMI e o Banco Mundial são meios importantes para a implementação das políticas do grupo. Isso resulta em críticas das economias emergentes. Elas argumentam que as instituições são dominadas pelos interesses das maiores economias do mundo.

  • novas formas de comércio e financiamento: 

O Brics defende as ideias de criar uma moeda comum e de consolidar um sistema de trocas comerciais em moedas nacionais para reduzir a dependência do dólar. O objetivo é fazer com que a moeda dos EUA perca a relevância como reserva de valor.

O bloco já oferece uma alternativa: os empréstimos do NDB (sigla em inglês para Novo Banco de Desenvolvimento). Também conhecida como Banco dos Brics, a instituição, criada em 2014, visa a financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países do bloco e em outras economias emergentes. O NDB é presidido pela ex-presidente da República Dilma Rousseff (PT). 

O professor Ronaldo Carmona avalia a criação do banco como a “medida mais concreta dos Brics ao longo de seu funcionamento”.

  • governança global mais democrática: 

Além das mudanças no sistema financeiro mundial, a proposta inclui a reforma do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) para incluir mais países com assentos permanentes e temporários, principalmente do Sul Global.  

Atualmente, 15 países integram o conselho, mas só 5 têm assento permanente e com poder de veto. Dentre eles, 3 (EUA, Reino Unido e França) são do G7. Os outros 2 (China e Rússia) pertencem ao grupo de países emergentes. 

O G7

Tal como o Brics, o G7 não é uma instituição com estruturas formais como a UE (União Europeia). Ele é descrito como um fórum de discussão e cooperação que reúne as 7 economias mais industrializadas do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

Foi criado em 1975 em um contexto de crise econômica mundial depois da crise do petróleo de 1973. 

No seu 1º encontro, em novembro 1975, era chamado de G6 porque o Canadá só ingressou no ano seguinte. Em 1998, a Rússia foi convidada a participar das reuniões, transformando o grupo em G8. No entanto, o país foi suspenso em 2014 depois de anexar a Crimeia.

Faz parte da sua agenda discussões envolvendo temas como segurança econômica, crise climática, segurança alimentar, migração, tecnologia e inovação, IA (inteligência artificial) e guerras –como as na Ucrânia e na Faixa de Gaza/Líbano.

O grupo se reúne anualmente. A União Europeia participa dos encontros como um integrante não numerado, ou seja, não tem direito a voto. 

O Brics

Os integrantes que deram origem ao acrônimo original, Bric, são Brasil, Rússia, Índia e China. Foi cunhado em 2001 por Jim O’Neill, o então economista-chefe do Goldman Sachs. 

Os países se reuniram pela 1ª vez em 2009. Em 2010, entrou a África do Sul e o grupo passou a se chamar Brics (S de South Africa, ou África do Sul em inglês).

As nações também se reúnem anualmente. Na cúpula de 2023, foi debatida a expansão do bloco. Como resultado, foram enviados convites para 6 países. Destes, 4 aderiram. A Arábia Saudita não ratificou o processo e a Argentina recusou. 

Segundo o governo da Rússia, 34 nações já manifestaram interesse de aderir ao Brics. Dentre elas, 23 oficializaram seus pedidos.

A cúpula deste ano será o 1º encontro com os chefes de governo dos novos participantes: Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Egito. 

Intitulada “Fortalecendo o Multilateralismo para o Desenvolvimento e Segurança Global Justos e Seguro”, a reunião discute a criação da categoria de “países parceiros”. A expectativa é de que seja divulgada uma lista de países convidados a integrar a nova divisão. 

O evento também debate a crise no Oriente Médio e operações políticas e financeiras, como a adoção de uma moeda alternativa ao dólar para comércio.

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