Foto - EFE/André Borges
Lula não quer falar de déficit fiscal, mas apenas de “déficit social”. Pois os pobres são justamente os mais prejudicados quando um país não coloca suas contas em ordem.
O presidente Lula não quer mais ouvir falar de déficit. Na semana passada, afirmou no Bom dia, presidente, programa da Empresa Brasil de Comunicação, que o assunto o deixa “irritado”. Seria compreensível, da parte de um presidente da República com um mínimo de bom senso, estar irritado ao constatar que seu governo gasta muito mais do que arrecada e que não estão sendo aplicados todos os meios possíveis para equilibrar as contas. Mas não é esse o problema segundo Lula: o que o tira do sério é a própria discussão sobre o fato de o Brasil registrar déficits e ver sua dívida aumentar sem parar. Seria melhor não falar mais nisso, como fazem outros países – segundo o petista, “nenhum país do mundo” discute essa questão, o que está longe de ser uma verdade.
Relatório publicado recentemente pelo Banco Central mostrou que, desde que Lula subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2023, a dívida brasileira cresceu em R$ 1,1 trilhão e 4 pontos porcentuais em relação ao PIB: em março de de 2024, a dívida era de R$ 8,347 trilhões, ou 75,7% do PIB – o número inclui estados e municípios, mas a maior parte desse valor corresponde à União. No fim de março, o Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, informou que o resultado fiscal estrutural, aquele que desconta eventos extraordinários tanto no lado da receita quanto da despesa, sofreu uma séria deterioração desde o início do governo Lula 3, passando de um superávit de 0,2% do PIB em 2022 para um déficit de 1,6% do PIB em 2023.
Lula não quer falar de déficit fiscal, mas apenas de “déficit social”. Pois os pobres são justamente os mais prejudicados quando um país não coloca suas contas em ordem
Mas esses números, para Lula, não passam de bobagem. “Esse não é o problema. Você tem de saber se está gastando ou está investindo”, afirmou o presidente diante do microfone da EBC, repetindo uma falácia que tem usado desde a campanha de 2022, como se o dinheiro não tivesse de sair dos cofres públicos independentemente do nome que se dê à despesa. E, se é verdade que há investimentos que resultam em receita no médio e longo prazo, também é verdade que exatamente esse tipo de investimento está em queda no Brasil, em patamares muito aquém do necessário para garantir um crescimento constante e sólido; a regra sob o governo petista é a elevação de despesas que, ao contrário de um empréstimo que se toma para pagar em determinado tempo, se tornarão permanentes.
Tão falaciosa quanto essa distinção entre gasto e investimento é a comparação com países ricos e bem mais endividados que o Brasil. “A dívida pública dos Estados Unidos é 112% do PIB, a do Japão é de 235%, a da Itália é de quase 200%”, afirmou Lula, ignorando que não há comparação possível neste campo entre o Brasil e países ricos, com economias sólidas ou que, ao menos, têm moedas fortes (caso da Itália, que passou uma crise gravíssima, mas adota o euro), pois tais países conseguem rolar suas dívidas a juros muito menores que os brasileiros. O Brasil deveria ser colocado lado a lado com seus vizinhos latino-americanos e nações de perfil semelhante; e aqui o retrato é bem pior, pois a dívida brasileira como proporção do PIB supera tanto a média da América Latina quanto a dos emergentes, segundo dados do FMI.
Lula não quer falar de déficit fiscal, mas apenas de “déficit social”, das “pessoas que estão desempregadas, que estão dormindo na rua e que estão passando fome”. Pois os pobres são justamente os mais prejudicados quando um país não coloca suas contas em ordem. A recessão, o desemprego e a inflação, resultado inevitável da irresponsabilidade fiscal, destroem a vida daqueles com os quais o presidente fiscalmente irresponsável diz mais se preocupar: os que não têm um patrimônio que possam tentar proteger, nem reservas econômicas que possam usar para se manter em tempos de vacas magras. A esses só resta contar com a sorte que Henrique Meirelles, economista que “fez o L” ainda no primeiro turno, desejou no fim de 2022 ao perceber que Lula 3 seria mais semelhante a Dilma 1 e 2 que a Lula 1.
Agora, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, diz que tem um pacote de corte de gastos abrangente para apresentar a Lula. A essa altura do campeonato, podemos questionar, logo de partida, se tais cortes serão cosméticos ou se teremos alguma proposta de reforma estrutural. Mas, a julgar pela disposição de Lula, cuja “decisão política” é necessária para qualquer medida de ajuste ser colocada em prática, o destino mais provável de qualquer ideia de corte, dos inócuos aos realmente necessários, será a lata do lixo do Planalto, enquanto o tapete continuará servindo para cobrir toda a discussão sobre o déficit.