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Por Claudio Dantas
Com a experiência de quem já leu inúmeros relatórios de indiciamento ao longo de duas décadas de jornalismo, não me seduzo facilmente por frases de efeito e adjetivações, abundantes no relatório produzido pelo delegado Fabio Shor. Nem mesmo por números, tabelas e fotos anexadas à investigação e que parecem transbordar de lá, tamanha a profusão. É preciso que todos esses elementos, juntos, façam sentido e corroborem a tese levantada, qual seja a de “desvio de bens de alto valor patrimonial”.
Ninguém duvide do empenho do Sr. Shor em cumprir a missão que lhe foi delegada por Alexandre de Moraes.
Afinal, estamos falando de um relatório com 2 mil páginas, centenas de diligências, inclusive internacionais, trocas de emails, avaliações e perícias, uma delação premiada. Tanto trabalho certamente merece muitas manchetes! Mas, passada a excitação da imprensa amiga que teve acesso antecipado à peça, é preciso questionar o que há de concreto contra o ex-presidente que parece ter vendido presentes personalíssimos para pagar despesas de seu curto autoexílio em Orlando?
Shor chega a cravar que “os bens objeto dos atos de desvio e tentativa de desvio perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito de Jair Bolsonaro somariam US$ 4,55 milhões ou R$ 25,2 milhões” – no câmbio de R$ 5,56 do dia 3 de julho.
Mas, no mesmo documento, a cifra é posteriormente revisada para cerca de um quarto do montante original: US$ 1.227.725,12 ou R$ 6.826.151,66 (atenção aos centavos!). Segundo o relatório de Shor, os valores de cada item foram estimados cuidadosamente pela perícia, mas se tratam de meras estimativas. Quando consideramos, por exemplo, os itens efetivamente vendidos, essas cifras caem ainda mais.
Segundo o próprio relatório da PF, a PRECISION WATCHES INCORPORATED pagou pelo Rolex DayDate e pelo Patek Philipe de Bolsonaro um total de US$ 68 mil. Já a SEYBOLD JEWERLY BUILDING desembolsou pelo ‘kit ouro branco’ exatos US$ 18 mil. Na prática, os assessores do ex-presidente amealharam ao todo apenas US$ 68 mil, ou R$ 478.160,00. Não se trata, naturalmente, de uma soma desprezível, mas está longe de se adequar à tese de “desvio de bens de alto valor patrimonial”. Talvez, por isso, Shor evite mencioná-la com o destaque merecido em suas contundentes conclusões.
Diante do baixo valor e considerando que todos os itens foram recuperados e devolvidos à União, resta evidente o exagero da PF ao tentar enquadrar criminalmente Bolsonaro. Se o ex-presidente resolveu vender seus presentes em vez de dispô-los para uso pessoal, como fez Lula, por que a abordagem de infração administrativa adotada no caso do petista está sendo substituída por acusações de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa?
Seria menos ou mais imoral, em vez de vender tais peças, escondê-las num cofre em nome do filho ou armazená-las num galpão bancado pela mesma empreiteira que reformou o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia?
Como já disse em minhas lives, sou do princípio de que presentes recebidos por chefes de governo no exercício do cargo não pertencem aos ocupantes provisórios desses cargos, mas à instituição Presidência da República. Se eu fosse o legislador, garantiria que nenhum desses itens jamais fosse incorporado ao patrimônio pessoal de ex-presidentes, com exceção de objetos sem valor expressivo, como artesanato, bandeiras, camisas e cartas.
Seja como for, ao carregar nas tintas da investigação contra aquele que virou o Inimigo Público Número 1 da esquerda, a PF incorre nos mesmos erros que, em passado não muito longínquo, levaram à anulação de outros inquéritos. Ao corroborar um trabalho mais político do que técnico, Ministério Público e Judiciário repetem o roteiro de desmoralização da Justiça brasileira. É uma pena.