Artigo – Sem Xadrez 4D: Bolsonaro, Trump e o presente de Alexandre

Por Paulo Figueiredo

Ninguém pode dizer que ficou surpreso com a negativa de Alexandre à viagem de Bolsonaro para a posse de Trump. Mas, por mais que muitas vezes eu seja um crítico duro das estratégias do ex-presidente, desta vez tenho que dizer que todos os seus objetivos foram alcançados.

O primeiro efeito imediato, é claro, é o recado que está dado: Bolsonaro goza de um prestígio junto ao homem mais poderoso do mundo ímpar. Foi o único ex-chefe de estado convidado – e a decisão de convidá-lo, contra recomendações de alguns do seu próprio entorno, foi do próprio Trump. Isso levou a ditadura brasileira ao dilema de ceder ou se expor.

Nas palavras de uma pessoa ligada à administração Trump, segundo o The Wall Street Journal, que fez uma longa reportagem sobre o assunto: “A pior maneira que o governo Lula poderia iniciar seu relacionamento com a administração Trump é usando seu governo como arma contra seu oponente político. […] Donald Trump sabe exatamente como isso é.”

Sim, claro, também teria sido fantástico se Bolsonaro pudesse ir aos Estados Unidos encontrar Trump. Mas, por outro lado, caso a viagem tivesse sido autorizada, toda a exposição da ditadura brasileira no exterior na qual temos trabalhado há 2 anos, ficaria enfraquecida. Haveria até mesmo alguma aparência de que há algum devido processo legal em curso.

Ainda, Bolsonaro seria um dos líderes na posse, talvez sem tanta cobertura da imprensa internacional. A negativa, no entanto, foi assunto em absolutamente todos os veículos. Escrevo este texto antes do meu embarque para Washington DC, justamente enquanto me preparo para entrar ao vivo na One America News, onde fui convidado a explicar a negativa à Bolsonaro. Mais participações em outros veículos americanos estão programadas. Mais uma vez, graças à Alexandre, a ditadura brasileira torna-se pauta central na América.

Outro exemplo que ilustra bem o que quero dizer: uma destas publicações na mídia, pela Associated Press, gerou uma reação imediata do Comitê de Relações Exteriores do Congresso dos EUA (o mesmo onde eu depus no ano passado justamente sobre a ditadura brasileira): “Jair Bolsonaro é um amigo da América e um patriota. Ele deveria poder participar da posse de Trump”.

Este comitê é o mais importante para o Brasil e que, após a renovação do Congresso, agora tem todos os maiores opositores do Alexandre em posições chaves: Darrel Issa (autor do projeto de lei que cancela os vistos americanos dos ministros do STF) como vice-presidente, Maria Salazar e Chris Smith, já conhecidos do povo brasileiro, cada um deles como presidentes de subcomitês importantes.

Eduardo e Michelle acabarão representando os Bolsonaro de qualquer forma, e provavelmente terão o momento que muitos políticos sonham: encontrar o próprio Trump. E quando isso acontecer, é inevitável que ele, contrariado, pergunte sobre a ausência de Bolsonaro e a situação do Brasil. O que poderia ser melhor que isso?

Além deles, uma delegação significativa de parlamentares da oposição e personalidades brasileiras estarão presentes em todos os momentos – da cerimônia oficial aos encontros em bares e hotéis, além dos bailes de gala – tendo agora um assunto certeiro para abrir qualquer conversa sobre a situação política do Brasil.

Eu venho alertando que este será um ano desafiador, com muito trabalho pela frente. Mas o convite de Trump seguido da negativa de Alexandre foram presentes inestimáveis para nossa agenda. Afinal, quando se pode contar com a arrogância e prepotência alheias, não é preciso ser mestre em Xadrez 4D.

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