Frigoríficos brasileiros interrompem fornecimento de carne ao grupo Carrefour e ameaçam abastecimento de lojas do grupo
A reação do agronegócio ao Carrefour virou uma ameaça ao abastecimento da rede no Brasil. Em protesto contra a decisão da matriz de não comprar mais carnes do Mercosul para vender na França, grandes frigoríficos brasileiros suspenderam o fornecimento de carnes ao grupo no território brasileiro. Dono de marcas como Atacadão e Sam’s Club, o Carrefour é o maior conglomerado varejista do país.
A suspensão da entrega de carnes foi apoiada pelo Ministério da Agricultura. Enquanto consumidores pregam boicote ao Carrefour nas redes sociais, bares e restaurantes declaram ter interrompido compras da rede francesa.
O movimento é uma resposta à fala do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, que nesta semana assumiu o compromisso de “não comprar nenhuma carne proveniente do Mercosul”, o que inclui a produção brasileira. Ele disse ainda que desejava inspirar outras empresas francesas a fazer o mesmo.
Na quinta-feira (21), o Carrefour Brasil afirmou que a medida se aplicava apenas às lojas na França. Não adiantou: produtores brasileiros e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmaram que, se a carne não serve aos franceses, também não serve aos brasileiros.
A interrupção de fornecimento por parte de frigoríficos como JBS, Marfrig e Masterboi afetaria ao menos 150 lojas no país, segundo reportagem do Estadão. Fontes ligadas ao grupo disseram ao jornal que aproximadamente 50 caminhões carregados com carne, destinados às redes Carrefour, Atacadão e Sam’s Club tiveram suas entregas interrompidas até a tarde deste sábado (23).
Representantes da indústria indicaram que entre 30% e 40% das gôndolas de carnes da rede já apresentam sinais de desabastecimento.
À Gazeta do Povo, o Carrefour Brasil negou haver desabastecimento em suas lojas. “É improcedente a alegação de que hoje há desabastecimento de carne nas lojas do Grupo Carrefour Brasil. Tal alegação, veiculada sem identificação de fonte, contribui para desinformação. A comercialização do produto ocorre normalmente nas lojas. Nenhuma loja está desabastecida”, afirmou a empresa, em nota.
A rede, porém, evitou comentar a suspensão de entregas por parte de frigoríficos. A Gazeta contatou três grandes empresas do setor. Até o momento apenas o Masterboi confirma publicamente a suspensão de fornecimento. O Marfrig informou que não comentará o caso, mas não negou a interrupção. O JBS não deu retorno.
O Carrefour é o maior grupo de varejo do Brasil. Suas vendas brutas somaram R$ 88 bilhões nos nove primeiros meses de 2024, 4,1% acima de igual período de 2023.
Além das bandeiras Atacadão, Carrefour e Sam’s Club, outras marcas que compõem a rede são Bompreço, Nacional e Drogaria Atacadão. Segundo o relatório mais recente do grupo, referente ao terceiro trimestre, o Atacadão tem 374 lojas no país, o Carrefour mantém 114 unidades e o Sam’s Club, 58.
Entidades dizem que decisão do Carrefour é “infundada” e “protecionista”
Na tarde deste sábado, 42 entidades representantes do setor produtivo brasileiro publicaram uma carta aberta em resposta às declarações do CEO do Carrefour. No texto, elas classificam a decisão da matriz francesa de “infundada” e “protecionista”. As entidades destacaram que o Brasil é líder mundial na exportação de carnes e adota práticas rigorosas de sustentabilidade e controle sanitário.
A carta também enfatiza que nos últimos 30 anos a pecuária brasileira aumentou sua produtividade em 172% enquanto reduziu a área de pastagem em 16%, reforçando o compromisso do país com a preservação ambiental. Na quinta-feira (21), várias associações do setor já haviam repudiado a decisão do Carrefour (leia mais abaixo).
Restaurantes brasileiros aderem ao boicote
Na noite de sexta-feira (22), a Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp), que diz representar mais de meio milhão de empresas do setor, manifestou repúdio à fala do CEO do Carrefour e se uniu ao boicote.
“Convocamos todos os empresários do setor de hotelaria e alimentação fora do lar a se engajarem em uma ação de reciprocidade, boicotando essa rede de supermercados enquanto continuar a desvalorizar os produtos brasileiros. Esta é uma oportunidade de mostrar nossa força coletiva em defesa da economia e dos princípios que sustentam nossa gastronomia e o agronegócio”, diz trecho da nota.
“Tentativa de lacração dos franceses”, diz presidente da bancada do agro
Para o presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), a decisão do grupo de não comercializar a carne brasileira na França tem a ver com uma medida protecionista para desvirtuar o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
O parlamentar disse que vem mantendo conversas com entidades do setor agropecuário pedindo para que parem de fornecer os produtos “para que eles [o Carrefour] entendam o que é respeitar o produtor rural brasileiro”.
Lupion reforçou que a exportação de carne brasileira para a França já é muito baixa, de 0,002%. “Não significa absolutamente nada para nós. É um adversário estridente e que gosta de lacração. O Carrefour voltará atrás porque vai sentir no bolso o prejuízo e a insatisfação dos consumidores e dos produtores brasileiros”, declarou em vídeo publicado no X na noite deste sábado.
Organizações do setor também repudiam e recebem apoio do governo
Na quinta-feira, houve uma forte manifestação do setor produtivo brasileiro rechaçando a fala do CEO do Carrefour. “Se não serve para abastecer o Carrefour na França, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, diz a nota de repúdio.
O texto é assinado pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
A manifestação foi apoiada pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro: “Ora, se não serve ao francês, não vai servir aos brasileiros. Então, que não se forneça carne nem para o mercado desta marca aqui no Brasil”.
“Eu achei uma atitude louvável da indústria brasileira dizer assim ‘então, não vou fornecer também [ao Carrefour]’. E tem o meu apoio essa atitude, que mostra soberania e o respeito à legislação brasileira”, prosseguiu o ministro em fala a jornalistas em Brasília.
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) já havia emitido na quarta-feira (20) uma nota de apoio ao agro brasileiro, sobretudo em relação à qualidade da produção nacional, que foi colocada em xeque pelo CEO da rede de supermercados.
Em sua manifestação, Bompard escreveu que o acordo entre União Europeia e Mercosul – criticado pelo setor agrícola francês – traria o “risco de a produção de carne que não cumpre com seus requisitos e padrões se espalhar pelo mercado francês”. “No Carrefour, estamos prontos, qualquer que seja o preço e a quantidade de carne que o Mercosul venha a nos oferecer”, afirmou.