Centrão defende negociação para tentar conter excessos do STF em 2025

Foto – Pedro França/Agência Senado

Se, por um lado, a oposição defende o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares do Centrão avaliam que a melhor opção para o Congresso seria negociar com os magistrados uma contenção das ações da Corte contra o Legislativo antes das eleições de 2026.

O indiciamento dos deputados federais Marcel Van Hatten (Novo-RS) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB) também é visto como outra situação que empareda o Legislativo. Ambos foram alvos da Polícia Federal por críticas feitas no Plenário da Câmara à atuação do delegado da PF Fábio Alvarez Shor. O agente lidera a maior parte das investigações conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes. Na quinta-feira passada (19), as investigações contra os assessores dos deputados Carlos Jordy (PL-RJ) e Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ) também causaram incômodo entre os congressistas. Os auxiliares estão sendo investigados por suspeita de desvio de recursos da cota parlamentar.

A briga entre os poderes ganhou novos contornos com o bloqueio de emendas parlamentares por parte do ministro Flávio Dino, do STF. A suspensão de pagamentos, imposta em agosto, só foi levantada em dezembro e possibilitou a aprovação da reforma tributária e do pacote de contenção de gastos do governo. Nesta semana, porém, Dino voltou a bloquear as emendas de comissão, orçadas em R$ 4,2 bilhões, e mandou a Polícia Federal investigá-las. Apesar da escalada, uma medida como impeachment de ministros não foi citada por parlamentares do Centrão como uma reação à nova decisão.

As emendas orçamentárias são hoje a principal ferramenta de poder dos parlamentares, que por meio delas enviam dinheiro para suas bases eleitorais. As de comissão, em especial, são consideradas por seus críticos como “novo orçamento secreto”, já que não identificam o parlamentar que solicitou a emenda. O pagamento desse tipo de emenda em 2024 pelo governo Lula, mesmo não sendo obrigatório, saltou de R$ 285 milhões em 2023 para R$ 8,27 bilhões em 2024.

Parlamentares do Centrão com quem a Gazeta do Povo conversou dizem, em caráter reservado, que é possível negociar individualmente, nos bastidores, com os ministros do STF para conter o ativismo judicial e as decisões que afetam os interesses dos congressistas. Os argumentos pela negociação são diversos, como evitar atritos entre os poderes e não fomentar a polarização entre direita e esquerda.

Até lideranças da oposição, reservadamente, apostavam nesse caminho no ano passado, antes de o STF reverter decisões do Legislativo, suspender emendas e aprofundar as acusações contra Bolsonaro. Agora o PL de Jair Bolsonaro aposta na possibilidade de ter maioria no Senado em 2026 e partir para o confronto com o STF, já que é prerrogativa da Câmara Alta determinar a abertura de impeachment de ministros do Supremo.

A postura da oposição ficou evidente diante da aprovação de projetos antiativismo judicial na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados neste ano em que o colegiado foi presidido pelo PL. Uma das propostas, que ainda precisa passar pelo plenário da Câmara, aumenta as hipóteses de impeachment de ministros da Suprema Corte.

Questionado se a oposição poderia negociar com o STF, um deputado do Partido Liberal afirmou que não há possibilidades de tratativas com os magistrados. A opinião disseminada no partido é que a Corte passou os limites constitucionais e que não há “ponto de retorno”.

Menos interessado que a oposição em aprovar pautas de costume, de liberdade de expressão e de segurança, o Centrão segue apostando na negociação caso a caso com os ministros. Isso porque o interesse é corporativista: evitar cassações e investigações de parlamentares ou novos ataques contra as emendas de orçamento.

Um presidente de partido do Centrão, que pediu para não ter o nome revelado, disse que é possível avançar nesse tipo de negociação já em 2025 com a provável eleição do senador Davi Alcolumbre (União-AP) para a Presidência do Senado.

No passado, Alcolumbre demonstrou capacidade de pressionar os ministros do STF nos bastidores, embora apenas para defender mandatos de senadores. Em 2019, por exemplo, ele liderou uma comitiva de parlamentares ao STF para reclamar de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal nas dependências do Senado, autorizada em decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso. Na época, a PF investigava a suposta prática dos crimes de corrupção por parte do então senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Contudo, esse tipo de negociação defendida pelo Centrão não se mostrou efetiva para diminuir o apetite do Supremo para legislar sobre temas que afetam toda a sociedade, a exemplo do julgamento que descriminalizou o porte de até 40 gramas de maconha pouco depois de os senadores terem aprovado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de qualquer droga.

Centrão se beneficia da disputa entre direita e STF

Outra avaliação que circula nos corredores do Congresso é que, apesar das decisões do STF contra parlamentares, o Centrão se beneficia do embate entre os magistrados e congressistas de direita. O atrito dá ao grupo de parlamentares fisiológicos o poder de barganhar benefícios.

Sob esse ponto de vista, o avanço do STF sobre alguma prerrogativa do Congresso, como ocorreu com o indiciamento de deputado por declarações na Tribuna da Câmara, faz com que parlamentares do Centrão se aliem à oposição para avançar propostas que visem barrar a atuação dos magistrados. Por outro lado, o Centrão pode usar a pauta antiativismo judicial para negociar apoio da direita em outras questões, a exemplo da adesão à candidatura do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) à presidência da Câmara. A eleição ocorrerá em fevereiro.

Parlamentares do Partido Liberal tentaram vincular o apoio da bancada a Motta à tramitação do projeto de lei que concede anistia aos presos do 8 de janeiro. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não levou o projeto para votação, mas conseguiu o apoio do PL alimentando a esperança de que a matéria poderá ser votada no ano que vem.

Centrão prefere reforma do Judiciário do que impeachment de ministros

A negociação pretendida pelo Centrão com o STF também passa pela discussão de projetos de lei que restringem a atuação do Judiciário. Para alguns congressistas, iniciativas legislativas que atualmente estão tramitando seriam mais vantajosas para o país do que o impeachment de ministros do Supremo.

A PEC 8/2021, que limita as decisões individuais no STF, é um exemplo de como o Legislativo pretende atuar contra os avanços dos magistrados. Durante a votação no Senado, em novembro de 2023, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defendeu a limitação dos poderes dos ministros.

“O que estamos buscando fazer é o aprimoramento da legislação e da Constituição para poder garantir que os Poderes funcionem bem”, disse.

Quando a oposição apresentou um novo pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, em agosto, Pacheco justificou sua resistência à proposta alegando que qualquer “medida drástica de ruptura entre os poderes” teria impacto sobre a economia do Brasil, com repercussões na inflação, na cotação do dólar e no nível de desemprego. Na época, ele também criticou a demora por parte da Câmara dos Deputados em apreciar a PEC 8, aprovada no Senado.

“É incrível que esses mesmos que pedem agora impeachment de ministro do STF se calaram durante oito meses depois de eu ter aprovado no Senado Federal essa PEC”, disse. Atualmente, o texto se encontra na Mesa Diretora da Câmara e precisa passar por uma Comissão Especial para ser votado no Plenário. A decisão de andar com o projeto depende exclusivamente do presidente da Câmara.

O projeto que permite ao Congresso suspender decisões do Supremo (PEC 28/24) também seria outro exemplo de como o Centrão atua no conflito entre os poderes. Após o ministro Flávio Dino suspender as emendas parlamentares, em agosto, Lira deu aval para que a Comissão de Constituição e Justiça da Casa (CCJ), no mesmo mês, avançasse com a proposta.

O texto foi aprovado pelo colegiado em outubro, mas também precisa ser apreciado por uma Comissão Especial. Esse processo, porém, foi barrado por Lira. O cálculo da cúpula da Câmara é que o andamento dos projetos só avance conforme a atuação do STF. Se os ministros não tomarem mais decisões que os deputados achem abusivas, os projetos ficam parados. Caso haja medidas mais graves, eles podem avançar.

STF tem focado em ações contra parlamentares de direita

Desde o começo de 2021, o Judiciário tem tomado uma série de decisões contra membros do Congresso Nacional, com foco em parlamentares da direita.

O primeiro caso foi o do ex-deputado Daniel Silveira. Após um ataque verbal contra ministros do STF publicado nas redes, Silveira foi preso preventivamente a mando de Moraes. A alegação para a prisão foi a de que Silveira estaria atacando o Estado Democrático de Direito. Ele chegou a ser solto na semana passada, mas foi preso novamente nesta terça-feira sob a alegação de descumprir medidas cautelares ao buscar atendimento médico de madrugada, em Petrópolis.

Também em 2021, com a instauração do inquérito das milícias digitais, para apurar uma suposta organização criminosa que agiria no mundo virtual fazendo ataques à Corte e à democracia, outros parlamentares passaram a ser alvo do STF. Foi nesse inquérito que Moraes decretou a prisão preventiva do ex-deputado Roberto Jefferson por palavras proferidas contra a Corte, acusando-o de atacar as instituições.

Diversos inquéritos do Supremo já incluíram parlamentares da direita brasileira, como o senador Marcos do Val e os deputados Filipe Barros, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Bia Kicis e Carla Zambelli. Recentemente, Alexandre Ramagem foi incluído no inquérito que investiga um suposto golpe de Estado. Em muitos casos, os parlamentares alegam que não sabem o motivo de sua inclusão nas investigações.

O Judiciário também já foi responsável por cassar o mandato do ex-deputado Deltan Dallagnol, que coordenou a extinta força-tarefa da Operação Lava Jato. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que ele estaria inelegível em 2022 ao presumir que Dallagnol teria deixado a carreira no Ministério Público em novembro de 2021 para se livrar de um eventual processo disciplinar (PAD) no Conselho Nacional do Ministério Público que poderia ser aberto contra ele. A legislação eleitoral prevê inelegibilidade de membros do Ministério Público que sejam alvos de um PAD em andamento no momento de sua exoneração, o que não havia no caso de Dallagnol.

Mais recentemente, Marcel Van Hatten (Novo-RS), Cabo Gilberto Silva (PL-PB), Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ) também foram atingidos por investigações. No caso do deputado gaúcho e do deputado paraibano, as críticas feitas à atuação do delegado da PF Fábio Alvarez Shor renderam processos de calúnia e difamação. Já para o deputados fluminenses, seus assessores foram alvos de busca e apreensão por suposto esquema de corrupção envolvendo locação de carros.

“Ativismo do STF gera desgaste e insustentabilidade”, diz analista

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), há uma parceria entre o STF e o governo para contornar o Congresso Nacional e isso tem gerado uma “dinâmica arriscada”, que gera “desgaste e animosidade”. Ele destaca que essa estratégia de recorrer ao Judiciário para obter decisões favoráveis, ignorando o processo legislativo, como ocorreu no começo do ano com sobre a questão da desoneração da folha de pagamento, provoca uma “situação de quase insustentabilidade”.

“Basicamente, o Executivo se serve do Judiciário para dar um bypass (termo em inglês equivalente a contornar) no processo legislativo”, avalia. Essa interferência, segundo ele, é responsável pelo desequilíbrio entre os poderes, especialmente em um cenário de fragilidade do governo.

Ele também aponta que, no Senado, o presidente eleito, Davi Alcolumbre, não deve se opor a essa dinâmica. Para o professor, Alcolumbre se envolverá em “trocas de poder muito venais”, sem capacidade ou interesse em enfrentar o STF. Por outro lado, a Câmara dos Deputados se apresenta como um campo de resistência, onde “o maior debate é travado” e o Parlamento “ainda consegue se impor diante da judicialização da política e do ativismo judicial”.

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