China ampliou sua vigilância sobre a internet, passando a reprimir cidadãos que seguem e tentam acessar conteúdos de críticos do regime
O regime comunista da China tem ampliado de forma alarmante sua vigilância sobre a já restrita internet do país, estendendo a repressão e os ataques à liberdade de expressão não apenas aos críticos da ditadura que utilizam subterfúgios online para debater a política interna, mas também contra aqueles que tentam acessar seus conteúdos, ou seja, os seus seguidores.
Informações divulgadas por uma reportagem do jornal britânico The Guardian no começo deste mês revelaram uma escalada na perseguição do regime comunista contra indivíduos que acessam a rede privada virtual (VPN) para acompanhar e seguir conteúdos de influenciadores que disseminam opiniões diferentes da ditadura de Pequim.
O Guardian citou a história de Duan, descrito como um estudante universitário da China. Duan foi um nome fictício utilizado pelo jornal britânico para se referir ao jovem, que preferiu não revelar seu verdadeiro nome, ao que tudo indica por medo de represália. Segundo o Guardian, Duan conseguiu burlar no final de 2023 o Grande Firewall da China – o sistema de censura que bloqueia o acesso dos cidadãos chineses a sites estrangeiros -, usando VPN para acessar a plataforma de mídia social Discord, que é proibida no país, assim como diversas outras redes sociais ocidentais. Nesta rede, o jovem se juntou a uma comunidade que realizava debates políticos e discussões sobre democracia.
A comunidade acessada por Duan pertencia ao influenciador chinês Yang Minghao, que disseminava ali suas opiniões a respeito do país comunista. De acordo com o Guardian, o influenciador, que também postava vídeos no Youtube, criou o espaço com o objetivo de testar o tempo que ele permaneceria no ar antes de ser derrubado pelas autoridades chinesas que controlam a internet do país asiático.
“Gostaria de ver até onde esse grupo pode ir o máximo possível sem intervenção”, teria dito Yang na plataforma.
No entanto, a liberdade tanto de Duan quanto dos demais membros de trocar ideias na comunidade do Discord não chegou a durar nem um ano. No último mês de julho, a discussão política no grupo foi abruptamente interrompida quando Duan e vários outros participantes e seguidores de Yang foram chamados pelas autoridades chinesas para um interrogatório. Conforme reportou o Guardian, Duan relatou que foi detido por 24 horas pelas autoridades comunistas, durante as quais a polícia o questionou sobre sua conexão com Yang, uma figura que ele nem sequer chegou a conhecer pessoalmente, mas que, como crítico do regime, está na mira de Pequim.
A operação realizada contra a comunidade criada por Yang confirmou, segundo o Guardian, que os chineses adotaram oficialmente uma nova estratégia de controle sobre a internet do país, onde a repressão contra a liberdade de expressão agora atinge os seguidores de críticos do regime no ambiente virtual, uma nova forma de extrair informações para encontrar e silenciar aqueles que ousam questionar a liderança comunista.
Maya Wang, diretora associada da Human Rights Watch (HRW) para a China, observou ao jornal britânico que a extensão da perseguição a seguidores de influenciadores críticos do regime comunista é algo sem precedentes no país asiático.
“Eu não acho que já vi seguidores de influenciadores sendo questionados a esse ponto no passado”, afirmou Wang, destacando a escalada na repressão.
Cada vez mais invasivo
A pressão sobre os seguidores de influenciadores críticos de Pequim tem aumentado ainda mais nas últimas semanas. Li Ying, um influenciador que nasceu na China, mas atualmente vive na Itália e utiliza sua conta na rede social X para divulgar ao mundo os protestos contra o regime comunista, relatou que as autoridades comunistas não apenas começaram a pressionar seus seguidores, mas também recorreram a métodos ainda mais invasivos. Segundo ele, chineses com parentes no exterior foram pressionados por autoridades do regime a convencer seus familiares a pararem de segui-lo no X.
“As autoridades entraram em contato com os familiares de pessoas que vivem fora da China, pedindo que os convencessem a parar de seguir minha conta”, disse o influenciador num post feito no X, que foi veiculado pelo Guardian, destacando a amplitude e a persistência do controle estatal.
Casos como o do jornalista chinês Wang Zhi’an, que vive no Japão, também destacam o alcance da repressão. Conforme noticiou o jornal britânico, os seguidores de Wang foram outros que começaram a ser interrogados pela polícia do regime chinês, em uma tentativa clara de dissuadir o envolvimento deles com influenciadores que desafiam as narrativas oficiais da ditadura comunista.
“Parte disso está relacionada ao aprofundamento da repressão”, disse Wang. “[…] Grande parte do ativismo e da dissidência agora está mais profundamente escondida”, lembrou o jornalista.
A nova estratégia adotada por Pequim parece ser parte de um projeto maior criado pelo ditador Xi Jinping. Desde que assumiu o poder, Xi tem intensificado sua campanha de “combate aos boatos online”, uma campanha que apenas serve para silenciar vozes críticas ao regime, uma via pra erradicar qualquer discurso que desafie sua autoridade.
Com o aprofundamento da repressão, o ambiente virtual tem se tornado cada vez mais hostil aos ativistas e críticos de Pequim, que, aos poucos, vão perdendo cada vez mais espaço no país.
William Farris, advogado com passagens pelo Google e que estuda processos relacionados à liberdade de expressão na China, destacou que essas campanhas do regime da China têm sido recorrentes, com Pequim realizando ofensivas anuais ou semestrais para manter um controle cada vez maio e mais forte sobre o ambiente virtual. “É uma tradição anual”, afirmou ele.