Decisão do CNJ repleta de erros jurídicos é mais uma confirmação da força de Moraes com os principais membros do Poder Judiciário brasileiro.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça – cargo de liderança do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, decidiu arquivar um pedido de investigação contra auxiliares de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), feito pelo partido Novo, na terça-feira (20).
A decisão, repleta de erros jurídicos (entenda abaixo), é mais uma confirmação de que os principais membros do Poder Judiciário brasileiro não pensam em agir para conter os atos de Moraes, que usou o gabinete no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para produzir relatórios a seu próprio gosto e usá-los para inquéritos no Supremo.
Salomão sempre esteve alinhado a Moraes em relação aos inquéritos contra a direita. “Alexandre é um nome grego, Aléxandros. O sufixo aléxo significa defender, proteger, e o complemento andrós significa homem. Então, o nome diz que Alexandre é o defensor da humanidade, o defensor do homem. No caso brasileiro, o Ministro Alexandre é o protetor da democracia”, disse ele em julho do ano passado, em um longo discurso enaltecendo Moraes.
Mais do que arquivar o pedido, Salomão fez um ataque ao Novo, afirmando que a denúncia apresentada teria o “objetivo oculto” de “tecer críticas e exercer pressão em relação a atos de ministro de corte superior, sob viés midiático”. Diz ainda que o pedido adere a uma “narrativa nebulosa”.
Segundo o corregedor, os atos de Moraes “decorriam do poder de polícia inerente às atribuições da Justiça Eleitoral, e tinham como objetivo, tal como evidenciado nas mensagens apontadas, garantir a lisura do processo eleitoral em curso à época, a partir de conteúdo publicado em redes abertas e replicados com publicidade”.
O argumento está alinhado com os dos ministros do STF que defenderam Moraes. “Juiz eleitoral tem poder de policia, que significa poder de fiscalizar e de reprimir condutas irregulares. Portanto, a ideia de que foram iniciativas tomadas a margem da lei é uma ideia equivocada”, afirmou na semana passada o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo.
Ao comentar a decisão do CNJ, o Novo afirmou que não há motivo oculto no pedido de investigação e que os objetivos do partido são “acabar com a censura, com a violação dos direitos constitucionais e com os abusos de poder que ocorrem há anos”.
“O NOVO pediu a investigação de ilegalidades cometidas em um inquérito sigiloso e vazadas à imprensa. Mas, para o CNJ, quem tem “objetivo oculto” somos nós. Não há objetivo oculto; nosso objetivo é claro: acabar com a censura, com a violação dos direitos constitucionais e com os abusos de poder que ocorrem há anos”, salientou a legenda, por meio do X.
Decisão do CNJ tem diversos erros do ponto de vista jurídico, segundo especialistas
Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral, que o caso do uso informal da estrutura do TSE para municiar decisões do STF não está respaldado no poder de polícia do tribunal eleitoral.
“Não estamos diante do poder de polícia do relator, porque o presidente do TSE não tem, ele próprio, o poder de polícia para propaganda eleitoral; quem possui poder de polícia são os juízes da propaganda, nos casos que foram para eles distribuídos. As decisões, com base naqueles laudos produzidos por encomenda, para suspender perfis, bloquear contas bancárias, cancelar passaportes, foram tomadas no âmbito do STF, nada tendo a ver com o poder de polícia. Essas medidas foram tomadas pelo relator dos inquéritos que tramitam no STF”, explicou.
Pelo X, o jurista e historiador Enio Viterbo, pesquisador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou outros elementos falhos das justificativas apresentadas por Salomão.
Um dos argumentos do corregedor foi que não é competência do CNJ “intervir em decisão exclusivamente jurisdicional, para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade”.
Viterbo apontou que a premissa de Salomão é falsa, porque não se tratavam de atos jurisdicionais. “Os atos eram informais e irregulares. Os envolvidos diziam que o envolvimento do TSE deveria ser escondido. Falaram até em falsear a origem dos ‘pedidos’ como anônima. O diálogo não foi para o inquérito. Como considerar jurisdicional o que não está nos autos?”, questionou.
O jurista também ressaltou que o próprio juiz auxiliar subordinado a Moraes afirmou que existia irregularidade. “O próprio juiz envolvido admite que não estava realizando o procedimento formalmente correto, mas o corregedor discorda dele. Notem, não é que Salomão não quis condenar, ele sequer quis investigar o caso. Inédito”, comentou Viterbo.
Por fim, Viterbo indicou uma contradição na justificativa de Salomão: há poucos meses, o corregedor investigou a juíza Gabriela Hardt e desembargadores do TRF-4 por decisões jurisdicionais sobre a Lava Jato.