Projeto para “desarraigar a identidade cristã da Europa” e substituição de fundos da USAID geram polêmica
A Comissão Europeia contribuiu com 9.842.534 euros para criar um projeto chamado “O Alcorão da Europa”, dirigido por um grupo internacional de pesquisadores que pretende analisar o impacto do islã na história religiosa e cultural do continente entre os séculos XII e XIX. Esta financiamento, canalizado através do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC), se enquadra dentro do programa comunitário de “Excelência Científica”, criado para reforçar a competitividade da União Europeia frente a potências como os Estados Unidos na produção de conhecimento avançado.
Sob o acrônimo EuQu, o projeto, que começou em 1º de abril de 2019 e terminará em 31 de março de 2026, conta com a participação de cerca de trinta especialistas provenientes de universidades da França, Dinamarca, Itália, Hungria, Países Baixos e Espanha. Segundo seu site, o objetivo é reconsiderar a influência do Alcorão na formação de identidades religiosas europeias desde a Idade Média até o início do período moderno. A abordagem proposta não esconde sua intenção de repensar as leituras tradicionais do texto corânico e das raízes cristãs europeias.
Diversos setores conservadores europeus acusaram o projeto de servir a uma agenda ideológica alheia ao interesse científico. A eurodeputada Sarah Knafo (Reconquête) denunciou que o programa canaliza “dinheiro público para pesquisas de ciências sociais disparatadas”, enquanto Nicolás Bay (Identidade e Democracia) criticou uma Comissão que, em sua opinião, “ataca os fundamentos culturais do continente”. Por sua vez, Fabrice Leggeri (Reagrupamento Nacional) alertou que estas iniciativas pavimentam o caminho para futuras “reivindicações islamistas”, e Céline Imart (Os Republicanos) criticou que este tipo de estudo não reforça a liderança científica europeia, mas promove “uma forma de proselitismo identitário”.
Um dos rostos mais visíveis do projeto é o historiador John Tolan, professor da Universidade de Nantes, que já havia gerado polêmica com seu livro “Maomé, o Europeu” (2018). Ele mesmo reconheceu na apresentação inicial do projeto que falar do “Alcorão europeu” é, de certo modo, uma provocação. Segundo Tolan, o propósito é confrontar “tanto os discursos nacionalistas como os extremismos religiosos”, e defende que seu trabalho foi mal interpretado por setores que ele qualifica como “ultradireitistas”.
UE planeja mais financiamento para ONGs após cortes da USAID
Paralelamente, a União Europeia prepara um novo desembolso multimilionário de dinheiro público para sustentar ONGs ideológicas que operam dentro dos Estados-membros. Essas organizações, que até recentemente eram financiadas pela USAID americana, viram seu fluxo de recursos reduzido com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Agora, a Comissão Europeia se dispõe a cobrir esse vácuo com o dinheiro dos europeus.
Na semana passada, a presidência polonesa do Conselho da UE — liderada pelo primeiro-ministro Donald Tusk — convocou diplomatas de diferentes países em um evento celebrado na capital comunitária. Ali advertiu que a Comissão Europeia (CE) precisa compensar o dinheiro perdido da USAID antes que as ONGs aliadas e grupos de mídia sejam forçados a encerrar suas operações por falta de fundos.
Por sua parte, o professor holandês John Morijn, citado pelo Politico, assegurou que, como parte dos planos de Bruxelas para “rearmar a Europa”, “destinar entre 1 e 2% para a defesa da democracia deveria ser viável”. “Isso presumivelmente significa que se propõem até 16 bilhões de euros para o financiamento de ONGs, dado que Ursula von der Leyen declarou que quer mobilizar cerca de 800 bilhões de euros para defesa”, explica Michael Curzon no The European Conservative.
Enquanto Bruxelas se esforça para canalizar fundos públicos para esses atores ideológicos, alguns países já começaram a se opor à ideia. O governo da Hungria deixou claro que não aceitará que a Comissão substitua o financiamento americano das ONGs. O ministro de Assuntos Europeus de Budapeste, János Bóka, lembrou ao novo “czar do Estado de direito” de Bruxelas, Michael McGrath, que a Comissão “só deveria ocupar-se de assuntos de sua competência” e que qualquer financiamento a ONGs deve ser plenamente transparente.
A Eslováquia, por sua vez, também adotou uma linha firme contra a interferência dessas organizações na política nacional. Com o objetivo de fortalecer a transparência e proteger a soberania do país, o governo de Robert Fico propôs uma lei que obrigaria as ONGs que influenciam diretamente nos processos legislativos e políticos a se registrarem oficialmente como lobistas.
Agora, a presidência polonesa espera que sua campanha em Bruxelas tenha recompensa: que a próxima reunião do Conselho Europeu consagre em suas conclusões um novo capítulo de engenharia política financiada com dinheiro de todos os europeus.
Crédito La Gaceta