Thierry Breton defendia ações mais rígidas contra o Twitter/X no continente
Enquanto o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fecha o cerco contra o Twitter/X no Brasil, o comissário da União Europeia (UE) para o Mercado Interno, Thierry Breton, renunciou ao cargo na segunda-feira 16. Ele havia ameaçado censurar o empresário Elon Musk no mês passado.
Na terça-feira 13, Alexandre de Moraes determinou o confisco de R$ 18,2 milhões das contas da Starlink e do Twitter/X, controladas por Elon Musk. A ação visa a cobrir multas impostas pelo próprio ministro. A rede social também está sob investigação da União Europeia.
A censura imposta ao Twitter/X gerou duas cartas abertas internacionais. A primeira, contra Moraes, foi assinada pela ex-primeira-ministra britânica Liz Truss. A segunda, que critica Musk, contou com a assinatura do economista francês Thomas Piketty.
Os defensores das ações de Moraes argumentam que o Brasil estaria se aproximando do modelo europeu de liberdade de expressão, alternativo ao norte-americano. A União Europeia estaria considerando ações similares.
Em agosto, Thierry Breton, então comissário europeu para o Mercado Interno, publicou uma carta dirigida a Musk e à CEO do Twitter/X, Linda Yaccarino, em que menciona supostas violações à Lei de Serviços Digitais (DSA).
“Como você sabe, processos formais já estão em tramitação contra o Twitter/X sob a DSA”, escreveu Breton. “Destaco em áreas ligadas à disseminação de conteúdo ilegal e na efetividade de medidas tomadas para combater a desinformação.”
O comissário encerra a carta dizendo que “meus serviços e eu ficaremos extremamente vigilantes quanto a qualquer evidência que aponte para a violação da DSA, e não hesitaremos em fazer uso pleno dos nossos instrumentos”.
União Europeia responde
A resposta na Comissão Europeia foi imediata. O jornal Financial Times informou que “Bruxelas acusou seu comissário de mercado interno de agir por conta própria”. A Comissão negou que Breton tivesse a aprovação da presidente Ursula von der Leyen ou de outros comissários. Um comissário anônimo afirmou que “Thierry tem a própria cabeça e forma de trabalhar e pensar”.
“A União Europeia precisa tratar do que é da conta dela, em vez de tentar interferir na eleição presidencial dos Estados Unidos”, disse um porta-voz da campanha de Trump.
A Lei de Serviços Digitais, aprovada em julho de 2022 pelo Parlamento Europeu, prevê medidas mais rigorosas para moderação de conteúdo de “discurso de ódio”, maior transparência nos mecanismos de moderação e maior responsabilidade sobre plataformas com mais de 45 milhões de usuários na UE.
Defensores de leis mais duras de remoção de desinformação apoiaram a carta de Breton e fizeram comparações com o Brasil. “Assim como o Brasil, a União Europeia tem um problema com o Twitter/X”, afirmou a emissora France 24.
Marco Cacciati, colunista da agência de notícias BNE IntelliNews, disse que, “com a ousada ordem de Moraes, o Brasil — um país em desenvolvimento que é um membro líder do sul global — tomou atitude e mostrou ao mundo quem está no comando da preservação da democracia”.
Breton, no entanto, nunca comentou publicamente as ações de Moraes. Durante a conferência Painel Telebrasil Summit 2023, ele declarou que “a UE e o Brasil enfrentam desafios semelhantes no campo digital. A UE esteve na vanguarda enfrentando esses desafios e optou por ser proativa e restaurar a confiança e a segurança no espaço digital”.
Breton renuncia
Em 16 de setembro, Breton publicou sua carta de renúncia endereçada à presidente da Comissão Europeia. “Em 25 de julho, o presidente Emmanuel Macron nomeou-me o candidato oficial da França para um segundo mandato”, afirmou. “Poucos dias atrás, na reta final das negociações para a composição do futuro Colégio de Comissários, você pediu à França que retirasse meu nome por razões pessoais que em nenhum caso você discutiu comigo. Nos últimos cinco anos, lutei sem descanso para defender e avançar o bem comum europeu acima de interesses nacionais e partidários. Foi uma honra.”
De acordo com o site norte-americano Politico, o distanciamento entre Breton e Ursula von der Leyen durou longos períodos.
Com a ascensão da direita nas eleições do Parlamento Europeu, Von der Leyen precisa evitar mais desgastes com esse eleitorado, especialmente depois de uma decisão judicial que condenou sua gestão anterior por violar o direito à informação dos europeus em contratos sigilosos com farmacêuticas durante a pandemia.
Críticas de Breton
Fontes francesas do site Político afirmam que Breton arriscava sua posição com críticas públicas e nos bastidores desafiava a autoridade de Von der Leyen. Ele chegou a dizer que não se importaria se Von der Leyen fosse substituída.
“Ursula von der Leyen é uma minoria em seu próprio partido”, disse Breton, em publicação no Twitter/X. “O próprio partido não parece acreditar em sua candidata.”
Breton “nunca a reconheceu como chefe e líder, isso é uma base ruim para uma relação”, disse um burocrata anônimo da UE.
Os dois políticos já não se falavam há meses. A carta contra Musk fazia parte desse padrão de desafio e independência. Breton frequentemente comentava as áreas fora de sua competência na comissão.
Macron escolheu como substituto de Breton o chanceler Stéphane Séjourné. A Comissão Europeia tem pressionado por mais mulheres indicadas para esse tipo de cargo, mas, “claramente, era qualquer pessoa, menos Breton”, comentou um ex-funcionário do governo francês.
“Bon voyage”, disse Musk sobre a renúncia. “Merci! Sobrou alguma passagem para Marte? Tenho algumas ideias de regulamentação para lá”, respondeu Breton.