Foto - Reuters
Em posição delicada após reeleição contestada do Ditador Nicolás Maduro, Brasil insiste em cobrar atas e pedir por diálogo, mas chavismo não abre espaço para saída negociada
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender nesta quinta-feira, 8, uma solução pacífica para Venezuela após a “reeleição” do Ditador, denunciada pela oposição como fraude. O chavismo, no entanto, não abre espaço para uma saída negociada e resiste à pressão internacional para comprovar a sua alegada vitória.
O governo foca em cobrar as atas das urnas, que até agora não foram tornadas públicas pelo Conselho Nacional Eleitoral, instituição cooptada pelo chavismo que declarou a vitória do ditador. A resistência complica a posição de Lula, que tenta liderar o diálogo com apoio de Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, presidentes da Colômbia e do México, respectivamente. Todos são de esquerda e próximos a Nicolás Maduro.
A posição oficial do governo de pedir por transparência e esperar as instituições venezuelanas antes de reconhecer qualquer um dos resultados divide analistas. Há quem defenda que a cautela está correta e quem diga que o País deveria ser mais firme com a ditadura chavista, que não deu sinais de colaboração ou abertura.
“A postura do Itamaraty até agora tem sido correta. Há muitos indícios de fraude, mas a postura de um País que respeita a soberania é de esperar que as provas apareçam para se posicionar”, avalia o doutor em Relações Internacionais Daniel Buarque, editor-executivo do Interesse Nacional. Ele pondera, no entanto, que o Brasil precisa impor limites.
Lula já disse que, apresentadas as atas, a oposição deve contestar os resultados na Justiça (que nunca emite opiniões contrárias ao chavismo) e que a decisão deverá ser acatada. “Essa atitude de Lula criou uma armadilha contra o próprio governo. E se as atas não forem apresentadas”, aponta o ex-embaixador Rubens Barbosa
“Está claro que Maduro não vai apresentar atas contra si mesmo, se incriminando ou dizendo que ele perdeu”, afirma Hussein Kalout, cientista político, professor de Relações Internacionais e ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
“Ainda que apresente essas atas, elas já perderam credibilidade. Quem garante que não serão falsificadas ou fraudadas? E quem vai auditar essas atas é o próprio governo”, continua. Ele reconhece o quão delicada é a posição brasileira neste momento, mas afirma que o País deveria ter se preparado para o cenário de convulsão social e política da Venezuela.
Desde que voltou ao Palácio do Planalto, Lula demonstrou dificuldade em criticar o seu aliado de longa data. Na mesma entrevista em que defendeu a saída pela Justiça, ele disse que não via nada “grave” ou “anormal” no processo venezuelano. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi além e reconheceu a “vitória” de Nicolás Maduro.
“Existe essa proximidade histórica e ideológica”, afirma Buarque ao traçar paralelos com o caso da Nicarágua. “Lula e o PT têm dificuldade (em criticar antigas alianças). Vimos no caso do reconhecimento do partido à eleição de Nicolás Maduro que tem claros problemas. É uma visão de mundo antiga, desconectada da realidade atual.”
Essa proximidade foi vista várias vezes desde o ano passado, quando Lula voltou à presidência. O petista tentou resgatar o aliado chavista do isolamento internacional que se intensificou sobre a Venezuela depois das eleições de 2018, também contestadas. O Brasil participou das discussões dos acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura do processo este ano, mas que têm sido desrespeitados pelo Ditador desde o início.
De saída, o regime inabilitou a líder opositora María Corina Machado e impediu o registro da candidatura de Corina Yoris, opção inicial da Plataforma Unitária para substituí-la. Em resposta, os Estados Unidos reimpuseram sanções que haviam sido relaxadas e governos mais simpáticos ao chavismo, como Lula e Petro, fizeram críticas inéditas.
A pressão se intensificou na reta final da campanha, quando Nicolás Maduro ameaçou com “banho de sangue” e “guerra civil” em caso de derrota. Lula se disse assustado com a declaração e rebateu: “Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica e quando você perde, você vai embora”.
Sem citá-lo diretamente, Nicolás Maduro respondeu que quem tivesse se assustado deveria tomar um chá de camomila. No dia seguinte, ele disse, sem provas, que as urnas brasileiras não são auditadas. O ataque levou o Tribunal Superior Eleitoral a cancelar a missão com observadores que enviaria a Caracas.
Ainda assim, o Planalto mandou o assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim, destacado para ser os “olhos e ouvidos” do presidente Lula. A decisão foi considerada por analistas um erro.
“O governo se colocou numa armadilha à medida que enviou um representante do alto escalão para ir à Venezuela acompanhar o processo eleitoral no intuito de verificar a lisura do processo. Essa missão, por mais que seja bem intencionada, não tem como avaliar a lisura”, afirma Hussein Kalout, destacando que a fraude vinha sendo preparada com as inabilitações e prisões de opositores.
Reabilitação de Nicolás Maduro
Bem antes das eleições, o presidente causou polêmica relativizar o conceito de democracia no esforço para reabilitar o chavista. “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, disse à Rádio Gaúcha ano passado. “Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala.”
Esse esforço pela “volta” de Nicolás Maduro também se viu na sua recepção com pompas em Brasília para o encontro de líderes sul-americanos. Ao seu lado, Lula culpou as sanções dos Estados Unidos pelo debacle econômico que espalhou 7,7 milhões de imigrantes venezuelanos, ecoando a versão do chavismo, e disse que a Venezuela seria vítima de uma “narrativa”.
A declaração foi rebatida pelos presidentes do Chile, Gabriel Boric (de esquerda), e do Uruguai, Luis Lacalle Pou (centro-direita). O desconforto ofuscou o encontro que terminou com a promessa genérica de integração regional, mas sem propostas concretas ou qualquer menção à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que Lula queria relançar. Mesmo diante das críticas, o presidente brasileiro insistiu na defesa do chavismo: “Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela”, disse Lula na época.