Apesar de uma forma ainda tímida, movimentos da sociedade civil organizada têm se manifestado sobre os excessos de poderes do Supremo Tribunal Federal (STF) e das decisões monocráticas de magistrados, denominando-as, inclusive, de “ministrocracia”, que afetam a política, a economia e a democracia no Brasil.
Nas últimas semanas, juristas ligados à Fundação Fernando Henrique Cardoso e a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR) passaram a se manifestar publicamente contra o que classificam como excessos e desequilíbrios na atuação do Supremo.
O Instituto Sivis, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fierg), além de entidades empresariais e comerciais engrossaram as fileiras da sociedade civil organizada que cobra contenção do STF.
Entre as demandas estão o reestabelecimento da chamada colegialidade, ou seja, que as decisões sejam tomadas por um grupo de ministros e não por apenas um magistrado. Isso impede abusos e funciona como dissuasão para cometimento de eventuais irregularidades. As entidades pedem ainda transparência e o respeito ao devido processo legal.
A Gazeta do Povo procurou o Supremo para um posicionamento sobre as cartas e manifestações públicas de entidades e instituições, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Em documento divulgado no início de outubro, os juristas da Fundação FHC propuseram a adoção de um código de conduta para os ministros do STF, com regras sobre imparcialidade, conflitos de interesse, manifestações públicas e quarentena após o cargo.
Em junho do ano passado, durante o Fórum Jurídico de Lisboa, organizado por uma instituição fundada pelo ministro Gilmar Mendes, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que não vê “a mínima necessidade” de criação de um código de conduta para os magistrados do STF e, em entrevista à Folha, argumentou que os integrantes da Corte já se orientam pela ética estabelecida na Constituição e que, portanto, um instrumento adicional seria desnecessário.
Para o constitucionalista André Marsiglia, mesmo que o STF acate a sugestão para um código de conduta, o que ele avalia como pouco provável, haveria o risco, em teoria, de a própria Corte determinar sua autorregulação com o estabelecimento interno de possíveis exceções. “Se o STF define suas próprias regras de conduta, pode criar critérios ou exceções que beneficiem determinados casos, minimizando a aplicação plena de tais normas”, reforça.
A doutora em Direito Público Clarisse Andrade alerta para o risco de baixo grau de fiscalização externa e a necessidade de a medida vir acompanhada de mecanismos claros de fiscalização. “Sem instrumentos externos fortes de controle ou transparência, como participação de órgãos independentes ou supervisão legislativa, o impacto prático do código de conduta do STF ficaria aquém das expectativas públicas. A grande questão é: quem fiscaliza os que fiscalizam?”.
O texto assinado pelos juristas da Fundação FHC vai além: também defende a restrição de decisões monocráticas e o fim de julgamentos complexos em ambiente virtual, em nome da previsibilidade e da legitimidade institucional do tribunal.
Entidades empresariais reagem e defendem a liberdade de expressão
Outros exemplos de contestação de ações do STF vieram de entidades empresariais e líderes do setor produtivo. Nos últimos meses, os grupos têm manifestado preocupação com decisões da Corte, sobretudo as monocráticas.
No fim de agosto, alguns desses grupos saíram em defesa da liberdade de expressão e criticaram uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que autorizou uma operação da Polícia Federal, em 2022, contra empresários após a divulgação de mensagens privadas. Nelas, segundo o STF, eles discutiam uma suposta organização de golpe de Estado.
O caso foi tornado público por Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes quando ele presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O perito divulgou documentos alertando que uma operação da PF determinada por Moraes se baseou unicamente em uma reportagem jornalística, sem outras provas, e que materiais que embasaram a operação foram produzidos com datas retroativas para justificar a ação.
O doutor em Direito pela USP e comentarista político Luiz Augusto Módolo lembra do episódio com receio e diz que empresários foram investigados por mensagens trocadas em grupos de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em que reforçaram o medo de perseguição do Supremo e “paralisaram ainda mais” o setor. “Desde então, quase não se viam iniciativas vindas da direita organizada, que praticamente não existe como movimento estruturado”, opina.
Mas ele reconhece que a notas públicas de entidades têm ressaltado o que classifica como “medidas desproporcionais e incompatíveis com o Estado Democrático de Direito”.
Foi o exemplo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade destacou que a defesa do Estado de Direito inclui, necessariamente, a liberdade de opinião, de expressão e de imprensa, valores que considera “inegociáveis”.
Já a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) expressou “grave preocupação” com a decisão do ministro sobre a operação de 2022 e afirmou que os empresários investigados “antes de tudo são cidadãos e eleitores”, avaliando a operação como “incompatível com o princípio da razoabilidade”.
A Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) pediu que os fundamentos da decisão do STF sejam tornados públicos, reforçando sua defesa da livre manifestação do pensamento e do regular funcionamento das instituições democráticas.
Somente no Sul do país, cerca de 120 entidades e líderes empresariais, entre elas a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Florianópolis e o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), divulgaram um manifesto em defesa do direito à livre opinião.
O texto criticou a operação determinada pelo ministro do STF, que incluiu buscas, apreensões e quebras de sigilo, e afirmou que o empresariado vem sendo “demonizado por narrativas ideológicas” que desconsideram seu papel no desenvolvimento econômico.
O IEE ressaltou que a decisão de Moraes representa “violação ao sigilo bancário e telefônico de cidadãos” e que medidas dessa natureza “ferem princípios constitucionais básicos”.
Na Bahia, o Fórum Empresarial do Estado, que reúne federações da indústria, do comércio, da agricultura e do transporte, classificou a medida como preocupante e alertou para o risco de acirramento institucional em pleno período pré-eleitoral. As entidades sustentaram que críticas ao sistema eleitoral ou ao próprio STF, quando feitas em conversas privadas, não configuram crime, mas o exercício legítimo da liberdade de expressão.
A instituição também questionou o fato de a decisão atingir pessoas sem foro privilegiado e apontou desproporcionalidade nas medidas de bloqueio de bens e de acesso a redes sociais.
A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) afirmou que o sistema vê com perplexidade o uso de medidas coercitivas, como bloqueios de contas bancárias, sem demonstração de ameaça real à democracia.





