A operação “Sem Desconto” da Polícia Federal desvendou um esquema massivo de fraude contra aposentados brasileiros que movimentou mais de R$ 6,3 bilhões através de descontos indevidos em folhas de pagamento. Investigações revelam uma rede complexa de corrupção envolvendo altos funcionários do INSS, advogados e até familiares de autoridades.
Filho do ministro Lewandowski foi contratado por entidade investigada
Uma das revelações mais impactantes é que o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap), alvo da operação, contratou o escritório do advogado Enrique Lewandowski, filho do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, apenas quatro meses antes da deflagração da operação policial.
O contrato, firmado em dezembro de 2024, tinha como objetivo “representar institucionalmente a associação” junto a órgãos federais para “assegurar a manutenção do ACT” (Acordo de Cooperação Técnica) que permitia os descontos em folha. Entre os órgãos listados estava a Senacon, vinculada ao ministério comandado pelo pai do advogado.
Por meio de nota, a assessoria do ministro afirmou que “não há, nem houve, nenhuma atuação do referido escritório no âmbito do Ministério da Justiça”. Enrique Lewandowski alegou que o documento “diz respeito a uma proposta de prestação de serviços na área do direito administrativo” e “não contempla atuação na esfera criminal”.
Ex-diretor e procurador do INSS receberam milhões por esquema
As investigações revelaram que André Fidelis, ex-diretor de Benefícios do INSS, recebeu aproximadamente R$ 5,1 milhões de empresas ligadas a um lobista conhecido como “Careca do INSS” e entidades suspeitas. Os valores teriam sido repassados por meio do escritório de advocacia de seu filho, Eric Douglas Fidelis.
“Ao todo, pessoas físicas e jurídicas relacionadas a André Fidelis receberam R$ 5.186.205,00 das empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas”, afirma a PF. O escritório do filho recebeu cerca de R$ 3,7 milhões, enquanto Eric Douglas recebeu pessoalmente R$ 1,4 milhão.
Ainda mais grave é o caso do ex-Procurador-Geral do INSS, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, que recebeu R$ 11,9 milhões de empresas relacionadas às entidades investigadas. Parte desses valores — cerca de R$ 7,5 milhões — foi transferida por meio de sua companheira, Thaisa Hoffmann Jonasson.
“Posto isso, Virgílio Filho teve um incremento patrimonial de R$ 18.330.145,18 advindo da ‘farra do INSS'”, afirma a PF, somando os repasses suspeitos com um acréscimo de R$ 6,3 milhões obtido com a comercialização de imóveis durante o período dos descontos irregulares.
Advogada intermediou pagamentos milionários
No centro do esquema de distribuição de recursos estava a advogada Cecília Rodrigues Mota, que também foi alvo de busca e apreensão. Segundo a PF, “pessoas físicas e jurídicas relacionadas a Cecília Rodrigues Mota receberam R$ 14.081.937,35 das entidades associativas e de empresas intermediárias a elas relacionadas.”
Ela teria atuado como intermediária, repassando valores para familiares de servidores do INSS. Cerca de R$ 630 mil foram enviados para uma empresa de consultoria em nome da irmã de Virgílio Filho. O escritório de Cecília também transferiu R$ 520 mil para o escritório do filho do ex-diretor André Fidelis.
Contag desviou recursos para agência de turismo
Entre as entidades investigadas está a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), que arrecadou mais de R$ 2 bilhões entre 2019 e 2024 por meio de descontos em mais de 1,3 milhões de aposentados.
A PF investiga um repasse suspeito de R$ 5,2 milhões da Contag para a agência de turismo Orleans Viagens e Turismo. “Os exorbitantes valores recebidos pela Orleans, que não possuem aparente justificativa ou vínculo com a entidade, indicam possível desvio de valores proveniente dos descontos associativos dos aposentados”, afirma a PF.
O documento destaca que a agência é proprietária de 12 veículos de luxo, incluindo um Porsche 911, Dodge Ram Rampage e Volvo XC60, apesar de apresentar “movimentação incompatível com o faturamento declarado”.
Cúpula do INSS derrubada após escândalo
O escândalo, revelado inicialmente por reportagens do Metrópoles, provocou uma limpeza na cúpula do INSS. Foram afastados o presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, que acabou demitido no mesmo dia da operação, além do procurador Virgílio Filho e outros servidores.
A megaoperação, deflagrada em 23 de abril, cumpriu mais de 200 mandados de busca e apreensão em 13 estados e no Distrito Federal. Ao menos 11 entidades tiveram seus acordos de Cooperação Técnica com o INSS suspensos.
As investigações revelaram que entidades mantinham convênios com o INSS e faziam cobranças indevidas diretamente na folha de pagamento dos aposentados e pensionistas. Parte dessas cobranças não era autorizada, e muitos aposentados só perceberam os débitos quando checaram seus extratos.
Entrevistas realizadas em auditoria da CGU mostram que diversos aposentados desconheciam as entidades e afirmaram não ter autorizado os descontos. O prejuízo total aos beneficiários pode chegar a R$ 6,3 bilhões, considerando os descontos efetuados entre 2019 e 2024.
Crédito Metropoles