Estadão: A ameaça do dólar caro

O Estadão critica a desvalorização recorde do real frente ao dólar, apontando graves impactos na inflação, nos custos de produção e na fuga de capitais. O editorial questiona a postura do governo Lula em minimizar a crise e alerta que, sem medidas fiscais urgentes, o cenário econômico pode se agravar nos próximos anos.

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No mercado, já há quem veja o dólar a R$ 7, mas governo Lula finge não ter nada com isso e espera por ‘acomodação’ enquanto ignora os estragos do câmbio nos preços e na economia

A consolidação do patamar cambial de 6 por 1 na relação entre o real e o dólar americano, que ganha contornos de senso comum no mercado neste início de 2025, é uma grave ameaça para a economia brasileira. Entre os países do G-20 – que reúne as maiores economias globais –, o Brasil foi o que assistiu à maior desvalorização de sua moeda ao longo de 2024 e permanece ameaçado pela pressão cambial, que pode levar o dólar a R$ 6,50 ou até mesmo a incríveis R$ 7, como revelaram analistas econômicos em recente reportagem do Estadão.

Obrigado a suspender as férias de janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, retornou a Brasília e, depois de reunião de uma hora e meia com o presidente Lula da Silva, falou a jornalistas negando – para alívio geral – qualquer possibilidade de mudança no regime de câmbio flutuante que vigora no País desde 1999. E preferiu colocar panos quentes na escalada do dólar: “Tem um processo de acomodação natural, e nós tivemos um estresse no final do ano passado no mundo todo. Tivemos aqui um estresse também, no Brasil”.

Esqueceu-se o ministro de citar que a tensão cambial que se espalhou pelo mundo foi mais forte por aqui porque, juntamente com as incertezas que atingiram todos – como o recrudescimento das guerras e a mudança política nos Estados Unidos –, o governo Lula da Silva tratou de ampliar o risco marchando em direção contrária à estabilização econômica. Atitude dolosa que produziu o terceiro maior fluxo cambial negativo dos últimos 25 anos.

Voaram para longe US$ 15,9 bilhões que estavam no País. Em 1999, ano da mudança para o atual regime cambial, a saída chegou a US$ 16,182 bilhões. A partir de 2000, porém, somente em 2019 e 2020 a fuga de capitais superou a do ano passado. Em 2020, a pandemia de covid foi o principal motivo; no ano anterior, o primeiro da gestão Jair Bolsonaro, as causas principais foram internas: crise nas relações entre governo e Congresso, baixo crescimento, juros baixos e indefinição da agenda econômica levaram a uma debandada de US$ 44,7 bilhões.

No fim de 2019, em sua página oficial, o Partido dos Trabalhadores classificou como “um verdadeiro desastre” a “queima das reservas” em mais US$ 10 bilhões na tentativa de conter a alta do dólar, que chegou a R$ 4,25 em novembro e encerrou o ano cotado a R$ 4,01. A título de comparação, somente em dezembro passado, para conter a disparada do dólar, o BC fez a maior injeção de recursos em um único mês desde o início do regime de câmbio flutuante. Foram US$ 21,5 bilhões, cerca de 6% das reservas, que encerraram 2024 em US$ 329,7 bilhões, US$ 25,3 bilhões a menos que no ano anterior.

Se, por um lado, a cotação recorde do dólar pode servir para turbinar o valor das exportações, por outro, causa enorme estrago ao encarecer uma infinidade de insumos, máquinas e equipamentos. O custo mais elevado da produção faz também o câmbio ser repassado internamente. O IGP-M, índice de inflação calculado pela Fundação Getulio Vargas, registrou alta de 6,54% no ano, com contribuição decisiva dos preços no atacado.

Embora Lula da Silva tenha exigido da Petrobras o “abrasileiramento” da política de preços, é inevitável que em algum momento o impacto do dólar chegue à gasolina e ao diesel, e então, num país onde a carga é transportada prioritariamente por rodovias, a inflação tende a se espalhar com mais força. E ainda que a Petrobras exporte 30% de sua produção, a verdade é que a conta não fecha para uma empresa que tem também a dívida bilionária atrelada ao dólar.

O governo deveria tirar os óculos de lentes distorcidas do lulopetismo para enxergar a realidade que se impõe enquanto ainda há tempo de reverter projeções que indicam câmbio pressionado e inflação acima da meta em 2025, 2026 e 2027. Neste momento, somente o anúncio de medidas fiscais tão ambiciosas quanto urgentes seria capaz de restaurar a credibilidade do governo, severamente abalada desde o tímido pacote de corte de gastos, que, sem o apoio firme do presidente, acabou por ser ainda mais esvaziado pelo Congresso.

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