Foto – Sergio Camargo
Saída de dólares bate recorde, real é a moeda que mais perde valor, repasse do câmbio aos preços acelera, e Lula não enxerga que desequilíbrio se deve em grande parte a seu governo
Enquanto o dólar consolidava posição acima dos R$ 6,00, o Banco Central (BC) registrava, nos primeiros 19 dias de dezembro, a saída do País de US$ 14,699 bilhões, um recorde histórico da série iniciada em 2008. Dois movimentos conectados que se juntam a outro ainda mais danoso, conhecido na literatura econômica por pass-through, que caracteriza o repasse da mudança do câmbio para os preços aos consumidores e o impacto nos investimentos e que afeta também os volumes do comércio exterior e os preços de importações e exportações.
O repasse cambial aos preços domésticos de bens de consumo está ocorrendo em velocidade maior do que normalmente é observado porque a economia está muito aquecida, com crescimento da demanda em ritmo mais intenso do que a capacidade de oferta, resultado de políticas de incentivo ao crédito e, em grande parte, ao aumento de programas de transferências de renda. Economistas ouvidos pelo Estadão situaram o repasse do câmbio aos preços entre 8% e 10%, com impacto certeiro sobre a inflação não apenas no curtíssimo prazo, mas também no futuro. Uma consultoria chega a calcular aumento de 1 ponto porcentual no IPCA em 12 meses.
À exceção dos integrantes do BC, os representantes do governo Lula da Silva costumam atribuir a escalada do dólar a especulações do mercado financeiro. Em meio à alta cambial e à saída de dólares, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, usou a tribuna para, mais uma vez, falar em especulação “de altíssimo grau”. Em julho, o próprio Lula havia dito o mesmo. “É uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real neste país. Não é normal o que está acontecendo”, disse em uma de suas entrevistas a programas de rádio.
O dólar estava cotado, então, em R$ 5,653 e o estopim para a alta, na ocasião, foram as duras críticas do presidente à política monetária do Banco Central, que interrompeu em junho o ciclo de queda na Selic, depois de cortes na taxa de juros por sete reuniões consecutivas do Comitê de Política Monetária (Copom). O banco decidira, por unanimidade, voltar à política contracionista para tentar manter o processo desinflacionário, que perdia terreno diante do sobreaquecimento da economia. Irritado, Lula disse que “não se pode inventar crises” e “jogar a culpa” nas declarações do presidente da República.
Estivesse ele com os pés no chão e não pairando em devaneios nacional-desenvolvimentistas, Lula da Silva se daria conta de que a insegurança do mercado ocorre em consequência dos atos de seu governo, que rotineiramente contradizem discursos oficiais de austeridade fiscal. O grau de especulação que pode estar embutido na alta do dólar se deve ao pânico em relação aos planos fiscais, como descrito em artigo recente da revista britânica The Economist.
O texto, reproduzido pelo Estadão, destaca que o real é a moeda com pior desempenho em 2024 – até a semana do Natal, a desvalorização acumulada ultrapassava 27%, mesmo após as intervenções do Banco Central para tentar conter a alta da moeda americana. O pacote fiscal medíocre apresentado pelo governo, que havia prometido um amplo corte de gastos, está no centro da atual queda vertiginosa do real. “Os mercados financeiros estão clamando por uma reviravolta fiscal, que o governo reluta em oferecer”, diz o artigo, que recorre a uma declaração do chefe de pesquisa econômica para a América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, para apresentar um diagnóstico para o Brasil: “Quanto mais você esperar, maior será o risco de que as coisas sejam feitas da maneira mais difícil, e o mercado forçará a correção. Os sintomas de uma crise estão aí”.
Recente relatório sobre as perspectivas para as companhias na América Latina em 2025, divulgado pela agência de classificação de risco Fitch Ratings, avalia que a piora das condições econômicas no Brasil ameaça os negócios das empresas. Ressalte-se que a saída de dólares verificada pelo BC vem aumentando não apenas nas empresas, mas também por pessoas físicas. Ou o governo se convence que é preciso mudar de rota ou caminhará direto para a crise.