Estadão: Fadiga de material

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Aferrada a líderes e a ideias velhas, esquerda se desintegra na América Latina

Três vezes presidente da Bolívia, Evo Morales não disputará, como desejava, um quarto mandato nas eleições presidenciais de agosto deste ano. Em 2023, o tribunal constitucional boliviano limitou a dois o número de mandatos que qualquer indivíduo pode servir como presidente naquele país. Como o prazo para registro de candidaturas se encerrou no dia 20 passado, Evo está oficialmente fora do pleito, ainda que prometa travar uma batalha judicial para concorrer.

No entanto, os problemas de Evo, de seu antigo partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), e da esquerda latino-americana como um todo são bem mais amplos.

Alvo de uma ordem de prisão por tráfico de menores, acusação que nega, Evo, o outrora poderoso líder da esquerda boliviana, encontra-se encastelado em Chapare, seu reduto eleitoral e também área de produção da folha de coca, matéria-prima da cocaína. Lá, cocaleiros servem de “escudo” armado para impedir que forças de segurança se aproximem do ex-presidente para efetuar a prisão.

Brigado com seu ex-ministro e atual presidente, Luis Arce, Evo tentou, sem sucesso, viabilizar um novo partido de esquerda. Já Arce segue no MAS, porém, como anunciou recentemente, não tentará a reeleição.

O MAS, que nas últimas duas décadas dominou a cena política boliviana, encontra-se desorientado e rachado, um retrato bem acabado do atual estado da esquerda latino-americana, aferrada a ideias velhas e a líderes ultrapassados.

Em boa parte dos anos 2000, figuras como Evo, o falecido Hugo Chávez (Venezuela), o casal Kirchner (Argentina), Rafael Correa (Equador) e Lula da Silva (Brasil) eram expoentes da chamada “onda vermelha”, como ficou conhecida a predominância de governos de esquerda que arrebataram eleitores nos principais países da América Latina.

Mas o arrebatamento não sobreviveu ao crivo da realidade. Evo, está demonstrado, quis perpetuar-se no poder. Chávez morreu e a Venezuela de seu ungido e sucessor, Nicolás Maduro, é uma ditadura. Os governos do casal Kirchner ampliaram de tal maneira a catástrofe econômica argentina que os eleitores, desesperados, elegeram o disruptivo Javier Milei.

Condenado por corrupção, Correa vive exilado na Europa. Lula da Silva retornou ao poder, após a anulação de suas condenações na Operação Lava Jato, mas além de não desfrutar da popularidade dos primeiros mandatos, é a única, e envelhecida, estrela do PT, um partido sem ideias, sem governadores em Estados eleitoralmente expressivos e, aparentemente, sem um sucessor para seu líder máximo.

Nem mesmo no Chile, cujo presidente é o jovem e moderado Gabriel Boric, a esquerda tem encantado o eleitor. A candidata de direita Evelyn Matthei é a favorita para as eleições presidenciais de novembro. Só no Uruguai a esquerda ainda demonstra algum vigor.

Fica cada vez mais evidente que o ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, morto aos 89 anos, estava mais conectado à realidade do que lideranças que, carentes de projetos, buscam apenas o poder pelo poder.

Crédito Estadão

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