Especialistas analisam que tensionamento entre Brasil e EUA deve se agravar e elencam sanções que o Brasil ainda pode ser enquadrado.
Além da tarifa de 50% imposta a produtos brasileiros vendidos aos Estados Unidos e a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o governo do presidente Donald Trump ainda tem muita margem para escalar as sanções contra o Brasil se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optar por uma posição de confronto. Elas podem ser mais elevações de tarifas, embargos a setores econômicos, rompimento de relações diplomáticas e até a proibição para outros países fazerem comércio com o Brasil.
“Os Estados Unidos podem intensificar ainda mais suas sanções contra o Brasil, ampliando o impacto econômico e político. Talvez isso não ocorra de imediato, mas conforme o Brasil avançar em algumas pautas, isso vai ficar mais próximo”, alerta o doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) Luiz Augusto Módolo.
Segundo ele, a escalada de pressão americana pode ocorrer com a possível aceleração no julgamento do suposto golpe de Estado e o avanço do governo ou do Judiciário sobre as liberdades individuais e a liberdade de expressão. Outro motivo seria o governo Lula adotar a política da reciprocidade tarifária com os Estados Unidos. “Ou seja, há diversas frentes que podem justificar novas sanções”, destaca.
Para o advogado constitucionalista Alessandro Chioratino, há a possibilidade, inclusive, de uma ruptura de relações diplomáticas. As sanções que podem ser aplicadas por Washington são ferramentas da Casa Branca, do Departamento de Estado e do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
“Essa tensão pode escalar a algumas ou várias outras sanções. As tarifas, apesar de um recuo de centenas de itens, são uma forma de sanção, uma punição ao Brasil que implica diretamente à economia, mas ainda existem outras medidas como novos aumentos de tarifas até restrições comerciais cada vez mais graves”, alerta o economista e analista de mercado internacional Rui São Pedro.
Se Trump resolver fazer do Brasil um exemplo internacional contra retaliações aos Estados Unidos, ele pode dispor do mesmo tipo de ferramentas usadas para sancionar países párias, como o Irã, a Coreia do Norte e Cuba. Veja abaixo quais são as opções da Casa Branca.
1. Mais elevação de tarifas comerciais
Trump deixou claro por meio de uma carta difundida em 9 de julho que a tarifa de 50% imposta a produtos brasileiros vendidos nos Estados Unidos poderia cair ou ser elevada de acordo com o comportamento das autoridades brasileiras. As tarifas não são um tipo formal de sanção, mas vêm sendo utilizadas com essa finalidade pelo governo Trump.
Desde o recebimento da carta, publicamente o governo Lula ignorou a exigência política americana de fim de censura e perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro e vem tratando o tema como uma questão comercial. O resultado foi a confirmação de que a tarifa de 50% entrará em vigor no próximo dia 6.
Mas Lula já cogitou usar a Lei da Reciprocidade Econômica como forma de reação direta ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos. Isso significa que o governo pode também cobrar uma tarifa de 50% sobre produtos americanos vendidos no Brasil.
Especialistas alertam que, se isso ocorrer, a Casa Branca deve elevar os percentuais de tarifas de forma equivalente e até aumentar o leque de produtos tarifados. Assim, a tarifa americana pode chegar a 100%, inviabilizando na prática o comércio entre os dois países.
2. Embargos de comércio e sanções abrangentes
As sanções abrangentes impostas pelos Estados Unidos são medidas severas que bloqueiam quase todas as formas de relação comercial, financeira e diplomática com países ou regiões sob controle de regimes considerados hostis por Washington. Elas se baseiam em leis aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos e comumente são chamadas de embargos. Essa forma de punição ainda não está no radar, mas não pode ser descartada devido à imprevisibilidade de Trump, segundo analistas.
Essas sanções geralmente são determinadas por ordens executivas da presidência norte-americana, amparadas por legislação como a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA), e executadas pelo Departamento de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), órgão do Departamento do Tesouro dos EUA.
Na prática, as sanções abrangentes proíbem uma ampla gama de atividades: importação e exportação de bens estratégicos (como petróleo, tecnologia e alimentos), transações financeiras com instituições do país-alvo, investimentos americanos diretos ou indiretos nesses países; acesso a propriedades ou bens nos Estados Unidos e até a concessão de vistos para autoridades, empresários ou representantes políticos ligados aos regimes sancionados.
Entre os países atualmente atingidos por esse tipo de restrição estão o Irã, devido à invasão da embaixada americana em 1979 e ao programa nuclear militar do país, a Coreia do Norte, por testes nucleares e atividades hackers e Cuba, que amarga o mais longo embargo americano iniciado durante a Guerra Fria.
Embora os termos “sanções abrangentes” e “embargo econômico” sejam frequentemente usados como sinônimos, especialmente no caso de Cuba, eles não são necessariamente equivalentes.
O embargo é uma forma extrema de sanção, geralmente unilateral, que bloqueia quase todas as transações dos Estados Unidos com um país, como ocorre com Cuba desde os anos 1960. Já as sanções abrangentes envolvem restrições amplas a setores econômicos e financeiros, mas costumam prever exceções para itens humanitários. No caso cubano, o embargo é, tecnicamente, um conjunto de sanções abrangentes extremamente rígidas.
O principal objetivo dessas sanções é forçar mudanças de comportamento, sem o uso de força militar, pressionando economicamente governos que violam normas internacionais, cometem abusos contra direitos humanos ou ameaçam a segurança global.
“As sanções abrangentes são uma forma de bloqueio quase total, que paralisa formalmente as relações dos EUA com o país afetado. Por ora, o Brasil não corre esse risco, mas se houver uma escala nas tensões isso não pode ser descartado”, afirma o economista Rui São Pedro.
3. Sanções Secundárias
As sanções secundárias são hoje uma das formas de pressão mais radical de Washington aplicada antes do embargo naval ou de operações militares. Elas impedem que o país sancionado tenha relações comerciais não apenas com os Estados Unidos mas com qualquer outro país, empresa ou indivíduo. Quem desobedecer e mantiver relações comerciais com a nação sancionada também corre o risco de sofrer sanções americanas.
Trump vem ameaçando a Rússia com as sanções secundárias para forçar o país a aceitar um cessar-fogo na Ucrânia. Moscou já é alvo de sanções abrangentes, de sanções a indivíduos e sanções setoriais, mas vem se recusando a interromper a invasão de larga escala à Ucrânia iniciada em 2022.
A implementação das sanções secundárias envolve punições a grandes economias e é muito difícil de ser implementada, porque pode trazer danos também à economia americana.
O Brasil, por exemplo, pode ver sua tarifa de comércio com os Estados Unidos elevada para 100% se continuar comprando produtos da Rússia depois do dia 8 de agosto, se Trump não desistir de sancionar Moscou. O Brasil se tornou o segundo maior comprador de óleo diesel da Rússia, se aproveitando de descontos aos produtos energéticos que foram estabelecidos por Moscou para burlar pacotes de sanções múltiplas aplicadas não apenas pelos Estados Unidos mas por todos os países do G7, o grupo das sete maiores economias democráticas do planeta.
“Essa é mais uma das medidas na escalada de pressões econômicas contra a Rússia e seus parceiros comerciais, com o objetivo de isolar o regime de Putin e forçar avanços nas negociações de paz. Mas o Brasil está no topo da lista na compra de combustíveis russos”, afirma o cientista político Gustavo Alves. Em 2024, o Brasil importou R$ 38 bilhões em diesel russo e se tornou o segundo maior cliente mundial de Moscou.
4. Sanções setoriais: restrições econômicas a setores estratégicos de um país
Essas formas de sanções incluem a imposição de limitações a setores específicos da economia de um país como energia, finanças ou defesa. Entre os exemplos de países que são alvos desse tipo de sanção estão Rússia e Venezuela. “O Brasil está próximo ideologicamente dessas duas ditaduras e corre o risco de ser sancionado com a mesma medida”, afirma o especialista em direito internacional, Luiz Augusto Módolo.
Para os especialistas, os setores que poderiam ser mais facilmente atingidos no Brasil são os de alimentos e bebidas e mineração.
O cientista político Gustavo Alves explica que as sanções setoriais são punições aplicadas pelos Estados Unidos que não bloqueiam um país inteiro, mas atingem setores específicos da economia que podem incluir bancos, investimentos ou defesa, com armas e tecnologia militar.
A Rússia até o momento não foi totalmente proibida de fazer comércio com outros países, mas foi excluída do sistema global de pagamentos SWIFT, operado por bancos do Ocidente. Assim, o país vem tendo que negociar em moeda local e usar sistemas de pagamento internacional menos expressivos. Moscou também não tem mais acesso a empréstimos em dólar e teve cerca de US$ 300 bilhões congelados em contas em bancos europeus.
Já na Venezuela, os Estados Unidos aplicaram sanções que afetam diretamente a estatal de petróleo, que é a principal fonte de renda do governo venezuelano.
As sanções aplicadas pelos Estados Unidos à Rússia e à Venezuela têm fundamentos geopolíticos distintos, mas seguem um padrão comum de resposta a ações consideradas contrárias aos interesses internacionais dos EUA e às normas do direito internacional.
No caso da Rússia, as sanções foram significativamente ampliadas após a anexação da Crimeia em 2014 e se intensificaram com a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022. De acordo com o Departamento do Tesouro dos EUA, essas medidas focam em setores estratégicos como energia, finanças e defesa, além de atingir indivíduos ligados ao governo de Vladimir Putin, incluindo oligarcas e autoridades militares, como forma de pressionar Moscou a encerrar a agressão militar.
Já na Venezuela, as sanções começaram a ganhar força a partir de 2015, quando os EUA declararam o país uma ameaça à segurança nacional, e foram ampliadas sob o governo de Nicolás Maduro, especialmente após as últimas eleições, consideradas fraudulentas por observadores internacionais.
As medidas incluem o bloqueio de ativos da estatal do petróleo e restrições a transações financeiras, com o objetivo de pressionar por uma transição democrática.
“Essas sanções são como torniquetes econômicos: não cortam o país inteiro, mas apertam pontos estratégicos para causar pressão sem punir toda a população de forma imediata, apesar de os efeitos colaterais serem sentidos por todos”, afirma Alves.
5. Lei Magnitsky Global e sanções a indivíduos
Os Estados Unidos aplicam sanções não só países e segmentos econômicos, mas a indivíduos por motivos de corrupção, terrorismo ou violações de direitos humanos. Foi isso que aconteceu com o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, por meio da Lei Magnitsky Global. Na prática, empresas americanas ou que têm negócios nos Estados Unidos são proibidas de vender serviços ou fazer negócios com ele. Isso impossibilita, por exemplo, que o ministro tenha cartões de crédito ou faça operações financeiras em seu próprio nome. Além disso, ele fica impossibilitado de ir aos Estados Unidos e pode ter bens que estejam em seu nome apreendidos no país.
O governo Trump já deu a entender que mais autoridades brasileiras podem ser alvo dessas sanções por causa de perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro e pela censura de redes sociais americanas. “É muito provável que mais ministros do STF e outras autoridades possam ser sancionados pela Lei Magnitsky, a exemplo do que vimos com os vistos cancelados neste mês”, avalia o economista Rui São Pedro.
A Magnitsky Global é uma das leis que possibilitam a inclusão de indivíduos em listas de sanções. A punição em si é implementada por um decreto presidencial. Os decretos correspondem a ordens assinadas pelo presidente dos Estados Unidos. Eles criam a base legal para aplicar punições, definem quem pode ser punido e por quais motivos.
As sanções por lista são registros oficiais mantidos pelo governo americano, especialmente pelo Departamento do Tesouro, que trazem os nomes das pessoas, empresas ou entidades que foram efetivamente sancionadas. Exemplos dessas listas são a SDN (Nacionais Especialmente Designados), a SDGT (Terroristas Globais), a SSI (Sanções Setoriais) e a FSE (Evasores de Sanções). “O decreto define o que pode ser feito, enquanto a lista mostra quem está sendo punido. Essas duas formas trabalham juntas: sem o decreto, a punição não é autorizada, e sem a lista, a punição não é aplicada a ninguém”, explica o cientista político Gustavo Alves.
6. Sanções direcionadas: restrições pontuais sem cortar todas as relações
As sanções não bloqueantes, também chamadas de sanções direcionadas ou específicas, são medidas que os Estados Unidos aplicam contra pessoas, empresas ou países, mas que não bloqueiam totalmente os bens ou todo o comércio com eles. Em vez disso, essas sanções limitam apenas algumas atividades específicas, como recebimento de empréstimos de bancos americanos ou participação em contratos com o governo dos Estados Unidos.
“Imagine que uma empresa estrangeira foi acusada de participar de corrupção, mas o governo dos Estados Unidos não quer bloquear todos os seus bens nem proibir completamente qualquer negócio com ela. Então, eles aplicam uma sanção que diz: essa empresa não pode receber empréstimos em dólares nem fazer contratos com o governo americano”, explica o economista Rui São Pedro.
Assim, a empresa pode continuar funcionando, mas enfrenta dificuldades para crescer ou conseguir dinheiro. É como colocar uma trava em partes importantes da empresa ou da pessoa, dificultando seu acesso a recursos, mas sem cortar totalmente todas as suas atividades. “Isso permite que os EUA pressionem alvos específicos sem causar um impacto geral muito grande, focando em áreas que vão realmente incomodar”, completa.
Esse tipo de sanção é usada para eliminar fontes de recursos de criminosos ou minar a base de apoio de líderes autoritários, geralmente formada por empresários ou oligarcas. Não há indicativos por ora de que a ferramenta será usada contra o Brasil. Trump está fazendo pressão no Executivo e no STF com a elevação de tarifas comerciais, mas isso tem aumentado o apoio popular ao governo.
7. Proibição de vender ou transferir equipamentos militares
Esse tipo de sanção impede a exportação ou importação de material militar, serviços ou tecnologia de defesa. Ela é implementada pelo Departamento de Estado por meio da Regulamentação de Tráfico Internacional de Armas. Países como Irã, Coreia do Norte, Síria, Cuba, China, Venezuela, Belarus, entre outros, são alvos dessas restrições.
“Apesar dessa ser uma possibilidade menor, não podemos esquecer que estamos em negociação com armas de defesa americana como helicópteros e até misseis. Esses projetos podem ser duramente afetados com a escalada da tensão entre Brasil e Estados Unidos”, afirma o analista Sérgio Gomes.
8. Retaliações no meio diplomático
Especialistas alertam que medidas de caráter diplomático têm possibilidade de escalar na atual crise tanto por parte dos Estados Unidos como do Brasil. Elas envolvem expulsão de diplomatas, fechamento de missões, embaixadas e até o rompimento de relações diplomáticas.
“Basta ver que até hoje, mais de seis meses após assumir o governo, Trump sequer designou um embaixador ao Brasil e as relações diplomáticas não avançaram quase nada quando as tarifas foram anunciadas na primeira quinzena de julho. Tudo isso leva para um tensionamento em escalada. Não sabemos o que se passa na cabeça do presidente americano Donald Trump e tudo pode mudar a qualquer momento”, completa Rui São Pedro.
Para Luiz Augusto Módolo, o governo brasileiro mantém provocações desnecessárias, como as entrevistas de Lula na mídia americana com críticas pessoais a Trump. Além disso, o país está cada vez mais próximo ideologicamente à Rússia e a China, potencializando os riscos de rupturas com o governo americano.