Fachin propõe novas obrigações para polícia nas favelas e levanta objeções no STF

Foto – Gustavo Moreno/SCO/STF

O ministro Edson Fachin propôs a adoção de novas medidas, por parte das autoridades de segurança pública do Rio de Janeiro, no processo que busca reduzir a letalidade policial nas favelas e comunidades de periferia do estado. Nesta quarta-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da ADPF 635, que, desde 2020, impôs condições para a polícia realizar operações de combate ao crime organizado nas favelas.

De lá para cá, a pedido de ONGs e associações de moradores, a Corte restringiu o uso de helicópteros, exigiu que a polícia avisasse autoridades de saúde e educação antes das incursões, impediu o uso de escolas e unidades de saúde como base, e obrigou os policiais militares a usarem câmeras corporais em atividades de rotina e em ações de combate.

Nesta quarta, Fachin, que é o relator da ação, proferiu voto no julgamento de mérito, que dará uma decisão definitiva e abrangente sobre a questão. Ele propôs medidas adicionais, como:

– afastamento provisório de policiais envolvidos em mais de uma morte no período de um ano;

– investigação de crimes supostamente cometidos por policiais pelo Ministério Público;

– competência da Justiça comum, não da militar, para apurar homicídios dolosos pela polícia;

– proibição da Polícia Civil fazer a perícia nas investigações de mortes intencionais causadas por seus agentes – a perícia terá de ser feita pelo próprio MP ou pela Polícia Federal;

– veto à nomeação apenas de delegados da Polícia Civil para chefiar a perícia;

– implementação do uso de câmeras corporais na Polícia Civil em ações ostensivas;

– criação de comitê de instituições e entidades civis para monitorar as determinações do STF;

– divulgação obrigatória, pelo governo estadual, de dados sobre uso excessivo da força e mortes em operações.

O julgamento foi suspenso pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, para que os demais ministros possam analisar as propostas de Fachin, detalhadas ao longo de um voto de 182 páginas. Indicou que deve continuar o julgamento daqui a três semanas ou um mês.

Durante o voto de Fachin, nesta quarta, alguns ministros levantaram algumas objeções ou dúvidas em relação às propostas, principalmente Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo e ex-ministro da Justiça, assim como de Flávio Dino, que além de já ter chefiado o MJ, foi juiz federal, governador do Maranhão, deputado e senador.

Desde o início da ação, autoridades de segurança pública, principalmente do Rio de Janeiro, criticam algumas das determinações do STF, com o argumento de dificultarem o combate ao crime. Em seu voto, Fachin também rebateu essas críticas, apontando dados que mostram redução das mortes provocadas por policiais, mas também das mortes em geral no estado.

Moraes critica restrição a armamento pesado nas operações

Na sessão, no momento em que Fachin defendia princípios que impõem “moderação” no uso da força por parte da polícia nas incursões em áreas dominadas pelo crime, Alexandre de Moraes interveio, para defender o uso de armamento pesado para combater traficantes e milicianos, por exemplo, nas favelas.

“Qualquer operação contra milícias, contra o tráfico de drogas, me parece óbvio que o armamento a ser utilizado é o mais pesado que a polícia tenha. Não é possível que nós aqui insinuemos à polícia que possa ingressar numa operação contra a milícia e tráfico de drogas, em áreas controladas, que haja outra possibilidade que não seja com armas letais”, disse.

Ele criticou protocolos de atuação que impõem “o uso gradativo da força”. “É necessário que entrem com a máxima força possível”, disse o ministro.

Moraes ainda argumentou que, se a polícia for impedida de entrar em escolas e postos de saúde, os grupos criminosos acabam se apoderando desses locais – o que, na prática, colocaria em maior risco seus usuários, como alunos, professores, funcionários, pacientes e médicos.

“Se restringe isso, as milícias e os tráficos passam a utilizar dessas áreas para realizar o crime. Não podemos romantizar, como se vê em séries e filmes. A população, em grande parte dessas áreas, é escravizada pelas milícias, pelos traficantes”, afirmou ainda Moraes.

Por fim, ele ressalvou que eventuais abusos e excessos têm de ser investigados, mas sem que se estabeleçam, de antemão, exigências que acabem enfraquecendo a polícia.

“Temos de ser rígidos com abusos, e estabelecer critérios, para que sejam verificados e responsabilizados, mas ao mesmo tempo, o cuidado maior que devemos tomar, não podemos dar uma mensagem de que a polícia não pode ingressar fortemente armada, que não pode fazer operação em todo o território onde haja, criminosos, porque estão atuando perto de escolas e hospitais”, disse Moraes.

Por fim, o ministro salientou que não é a só a própria polícia que deve apurar os abusos, mas que isso também é responsabilidade do Ministério Público e da Justiça. “Temos ver onde, nós Justiça, também, estamos errando”.

Dino pergunta sobre locais em que a polícia não poderia atuar

Mesmo após as objeções de Moraes, Fachin insistiu na proibição de utilização de escolas ou postos de saúde como base operacional para as polícias nas operações. Também disse que incursões devem ser comunicadas previamente às autoridades de educação e saúde.

Dino perguntou, então, se o ministro estabeleceria um perímetro ou raio em volta das escolas ou postos de saúde, medidos em metros, dentro do qual a polícia não poderia entrar. “Ou isso fica a critério da autoridade policial?”, questionou Dino. Indagou ainda como proceder em caso de batalhões ou delegacias já edificadas perto de escolas. Por fim, perguntou se, em casos de flagrante, também haveria as mesmas restrições propostas para as operações.

Fachin respondeu que, apesar de ter recebido sugestões de diversas distâncias, optou por um “caminho de natureza principiológica”, sem deixar claro o que na prática será feito.

“Não fazendo essa restrição de perímetros, com dimensão de metragem. Isso significaria estabelecer critério formal e com certo grau de abstração para realidades muito distintas. Em uma determinada região ou comunidade, 200 metros pode equivaler o que em outra signifique 400, do ponto de vista de localização do equipamento público”, disse Fachin.

Fachin, Gilmar e Barroso defendem atuação do STF nas favelas

No início do voto, Fachin rebateu críticas de que as determinações do STF teriam prejudicado o combate ao crime no Rio de Janeiro. Além da queda das mortes provocadas por policiais – que caíram de 1.814 em 2019 para 699 em 2024 – houve redução de outros crimes no estado.

“Crimes com resultado morte abrangendo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de mortes tiveram registrado também, entre 2019 e 2023, um declínio de 18,4%, acompanhados pela queda de 44% dos roubos de veículo, de 57,2% dos roubos de rua, de 60,9% dos roubos a transeuntes, de 64,3% dos roubos a coletivos, de 42,2% dos roubos de celular e de 56,8% dos roubos de carga”, afirmou no voto.

Ele também rebateu críticas de que membros de facções criminosas, como o PCC e o Comando Vermelho, tenham mudado de outros estados para o Rio de Janeiro para se proteger da polícia. Segundo o ministro, a disputa entre as duas organizações criminosas se intensificou desde 2016, com a expansão de suas atividades por todo o país.

“Tais dinâmicas impulsionam a circulação de foragidos de outros estados por todo o território nacional. Sua presença no Rio de Janeiro se dá no contexto do referido conflito, e não em busca de uma suposta proteção propiciada pelas decisões proferidas nesta Arguição”, disse.

Só no Rio de Janeiro, estima-se que hoje haja 100 mil bandidos armados, segundo especialistas consultados em reportagem da revista Veja citada pelo ministro no voto.

No final da sessão, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso também defenderam a atuação do STF no caso.

“O fato grave aqui é essa ocupação de território para fins econômicos e obviamente a não resposta do Poder Público estadual”, disse Gilmar Mendes, acrescentando que “as autoridades locais não dispõem de condições para enfrentar essa temática”. Depois, ele disse ter “a percepção que corremos o risco de, se não buscarmos medidas com o mínimo de praticidade e efetividade, ficarmos com a acusação de que estamos dificultando a atuação da polícia”.

Em seguida, Luís Roberto Barroso também afirmou que os problemas da segurança pública no Rio de Janeiro não são culpa do STF, insinuando que o problema estaria nas autoridades locais.

“A impressão que dá ouvindo muitas vezes é que os problemas começaram depois da decisão do STF, quando os problemas já vêm de longe, e muitas vezes colocam no Supremo uma responsabilidade que evidentemente, não decorreu da decisão e se procura justificar algum grau de inércia. Ouvi em algum lugar, uma vez, que política é o ofício de colocar a culpa nos outros. É um pouco a sensação que tenho aqui nesse assunto”, mencionou o presidente do STF.

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