Leia na íntegra:
Centrão e lulopetismo conduzem o governo, negligenciando setores de centro e centro-esquerda que contribuíram para derrotar Bolsonaro
Crise do Pix e o alto preço dos alimentos não foram as causas da queda de popularidade de Lula, à época. Também não foi a economia, suspeita de sempre. Foi a credibilidade. Credibilidade, parente próxima da reputação, se constrói em décadas —e se perde em dias.
Lula, para vencer as eleições, estruturou o discurso nas bandeiras que enlaçavam a maior dimensão possível de oposição a Jair Bolsonaro. Foi animal político.
Falou em frente ampla e pacificação. Não cumpriu. Frente ampla supunha governar com setores que se opuseram a Bolsonaro, além da aliança comum: PT-PSOL-PC do B. Não o fez.
Uniu-se, sim, ao centrão, que apoiou Bolsonaro, inclusive com Arthur Lira e Hugo Motta, do time “golpista” de Eduardo Cunha. Enlaçados, centrão e lulopetismo conduzem o governo, negligenciando os setores de centro e centro-esquerda que contribuíram para derrotar Bolsonaro por escassos 2 milhões de votos.
Lula ignorou: não venceu, foi Bolsonaro quem perdeu.
O presidente desmoralizou o imperativo categórico de Immanuel Kant, onde superam-se os interesses e impõe-se o ser moral, o dever. Os indivíduos deveriam agir conforme o que gostariam de ver como lei universal. Em síntese: trate os outros como gostaria de ser tratado.
Lula colidiu com o imperativo, atuando de acordo com seus interesses, manejando as regras segundo as respectivas predileções circunstanciais. Instituiu o lema “União e Reconstrução”. Descumpriu. Atacou sempre o adversário no velho estilo “nós contra eles”. A gerar mais hostilidade na sociedade. Ação provoca reação. Poderia ter até motivos para tanto, mas não foi o que prometeu na campanha eleitoral.
Lula é o brasileiro cordial, no sentido da passionalidade. Competitivo, escala na liça pessoal. Impõe a lei de Newton à política. Não uniu nem reconstruiu. O discurso alcançou mais o desprezo às ações anteriores do que o regenerativo numa sociedade carente de complacência e mansidão.
O governo também não se ajustou à visão de Friedrich Hegel: a realidade é um cenário em constante movimento, transformando-se através da dialética: tese, antítese e síntese; onde a antítese nem sempre é a negação, pode ser a transformação, que conduzirá à superação. “Aufhebung”. Superação. Lula não lida com a dialética porque não suporta a antítese.
“Taxa das blusinhas”, anúncio esquizofrênico de ajuste fiscal com isenção de Imposto de Renda, Pix, preço dos alimentos foram gatilhos e, por fim, o INSS.
Popularidade só cai com gatilhos. Quanto à credibilidade, está bastante abalada. Sem bala no tambor, essência, gatilhos falham. A perda de credibilidade, urdida permanentemente, teve esmero. O ego se sobrepõe à racionalidade. A incoerência, quando muita, engole o ator.
Um ministro afirmou: a estratégia do Banco Central ao aumentar juros para conter a inflação é uma imbecilidade. Quem nomeou os supostos imbecis que estão no BC? A maioria foi nomeada pelo presidente.
A forma como Lula tratou a saída das ministras não se harmoniza com o discurso de campanha, que se contrapunha ao tratamento de Bolsonaro às mulheres. Lula também não nomeou tantas mulheres quanto se esperava.
O presidente pode até defender a exploração do petróleo na margem equatorial, há fundamento para tanto, mas isso abalroa a escolha que fez por Marina Silva e a concessão a ela para nomear o diretor do Ibama. Precisava dos ambientalistas, agora os repudia na costa do Amapá, alinhado a Davi Alcolumbre.
No derradeiro aniversário do PT, o discurso foi agressivo, enfatizando o “nós contra eles”. Sem pacificação. Defende a paz em Gaza, criticando Netanyahu e apoia Putin. Elogiou Pepe Mujica por lutar sem confrontar, mas afrenta adversários, sempre.
As pessoas percebem. O povo é inteligente como Lula, e capta a dissonância. Falta de curso superior não impede a percepção política, Lula deveria saber.
Com R$ 644 bilhões de isenções e subsídios fiscais, R$ 400 bilhões dados sem contrapartida, conforme a Receita Federal; quase tudo ofertado a quem não precisa. Lula premia os ricos. Com isenção de IR premia a classe média, não põe o foco na extrema pobreza. Quem fatura R$ 400 mil por mês não poderia estar no Simples.
Lula não desenrola, enrola. É um mar de contradições. Os eleitores perdidos em Pernambuco e Bahia avisaram: o rei está nu.
Crédito Folha