Partido do presidente se uniu com grupos da esquerda na tentativa de barrar a ascensão da direita, liderada por Marine Le Pen
Os eleitores franceses vão às urnas neste domingo (7.jul.2024) para decidir a nova configuração da Assembleia Nacional da França, a Casa Baixa do Parlamento. Depois da vitória da direita no 1º turno, realizado em 30 de junho, o centro e a esquerda se uniram na chamada “frente republicana” na tentativa de barrar a ascensão de um primeiro-ministro de direita. O presidente Emmanuel Macron é de centro.
O movimento foi iniciado no último domingo (30.jun), logo depois de divulgadas as projeções dos resultados do 1º turno. O RN (Reagrupamento Nacional, direita), de Marine Le Pen, obteve 33,2% dos votos. A NFP (Nova Frente Popular, esquerda), de Jean-Luc Mélenchon, teve 28% dos votos. A coalizão Juntos (centro), da qual faz parte o Renascimento, partido de Macron, obteve 20% dos votos.
As eleições legislativas nacionais na França são pelo distrital puro: só é eleito para o Parlamento quem obtém maioria de votos no seu distrito.
O país é dividido em 577 distritos eleitorais nos quais há um número semelhante de eleitores (a ideia é preservar o conceito de “1 homem 1 voto”): os parlamentares escolhidos chegam ao Legislativo representando circunscrições nas quais o peso do eleitorado é equivalente.
Isso não acontece em eleições brasileiras. Os 26 Estados e o Distrito Federal são os “distritos” nos quais são eleitos os deputados federais. Dados do TSE de 2022 indicam muitas assimetrias. Eis uma comparação entre São Paulo e Acre:
- O Estado de São Paulo tinha 34.667.793 eleitores em 2022 e teve o direito de eleger 70 deputados federais (ou seja, só 1 assento na Câmara para cada 495.254 eleitores paulistas);
- Já o Estado do Acre com 588.433 eleitores em 2022 escolheu 8 deputados (1 deputado cada 73.554 eleitores acrianos).
Essas desproporções não ocorrem no sistema francês: cada deputado que vai para o Parlamento representa circunscrições com números semelhantes de eleitores.
Além disso, na França, para que algum candidato ao Parlamento seja eleito no 1º turno é necessário obter pelo menos 50% + 1 dos votos. Só 76 candidatos conseguiram atingir essa marca em 2024. Os outros 501 serão definidos neste domingo (7.jul).
Outra particularidade do sistema francês é que no 2º turno não passam só os 2 candidatos mais bem votados, mas também os demais tenham atingido pelo menos 12,5% no 1º turno. No Brasil, em eleições de 2 turnos (prefeito, governador e prefeito) apenas os 2 candidatos com mais votos obtidos podem participar da rodada final de votação. Na França, há situações em que até 4 disputam.
Essa característica de haver vários candidatos disputando o 2º turno na França permite que alguns candidatos desistam e apoiem outros que considerem ter mais chance de vitória. É exatamente o que está se passando agora, com Macron tendo articulado esse movimento para tentar isolar os nomes da direita em vários distritos.
A França, diferentemente do Brasil, tem um sistema semipresidencialista. O presidente é eleito diretamente, mas divide parte da responsabilidade com o primeiro-ministro, escolhido pelo Legislativo. Hoje, o primeiro-ministro francês é Gabriel Attal, do mesmo partido de Macron.
Para indicar alguém para o cargo de primeiro-ministro, é necessário que o partido ou a frente tenha pelo menos 289 deputados. Caso a direita vença as eleições deste domingo (7.jul), a França entraria num sistema conhecido como “coabitação”: um presidente de centro (Macron) e um premiê de direita.
Macron foi eleito em abril de 2022 e seu mandato é de 5 anos. Ficará no cargo até 2027.
União contra a direita
Na tentativa de derrotar o partido de Le Pen, a “frente republicana” (com nomes de centro e de esquerda) orientou seus candidatos com poucas chances de vitória, estejam eles em 2º ou 3º lugar, a desistirem de concorrer. O movimento tem o objetivo de concentrar todos os votos da esquerda e do centro em 1 único nome contra a direita.
O prazo para retirar a candidatura acabou na 3ª feira (2.jul). Ao todo, foram 224 desistências, a maioria para aderir à “frente republicana”, conforme dados do Ministério do Interior. Como resultado, das 306 disputas entre 3 candidatos que poderiam ocorrer, sobraram 89.
A secretária de Cidade e Desenvolvimento Urbano, Sabrina Agresti-Roubache, foi a 1ª integrante do governo a anunciar sua desistência do pleito. Ela ficou em 3º lugar no círculo eleitoral de Bouches-du-Rhône, em Marselha. “Uma derrota acontece; desonra, nunca”, declarou. “Nem 1 voto para o candidato de extrema-direita.”
Para Le Pen, a iniciativa de barrar seu partido é uma tentativa de Macron de “frustrar o processo democrático”. Segundo ela, o presidente “planeja, mesmo que o povo se expresse enviando uma maioria de deputados do RN, impedir o RN de governar”.
A “frente republicana” não é uma novidade na França, tendo sido eficaz em outras ocasiões, como, por exemplo, em 2002, quando eleitores de diversas orientações políticas se uniram para derrotar Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, em uma disputa presidencial.
No entanto, a eficácia dessa estratégia em 2024 permanece incerta, dada a evolução do cenário político francês e os esforços de Le Pen para suavizar a imagem do RN.
ELEIÇÕES ANTECIPADAS
O sistema de governo da França é semipresidencialista. Nele, o presidente é eleito de maneira direta pelos cidadãos para representar o Estado, enquanto o primeiro-ministro representa o governo. O premiê é indicado pelo presidente e só pode ser removido do cargo em caso de dissolução do Parlamento, como fez Macron em 9 de junho.
O presidente dissolveu o Parlamento francês e convocou eleições antecipadas depois de o Renascimento ter sido derrotado pelo RN nas eleições para o Parlamento Europeu. Segundo Macron, a medida era necessária para permitir que a população francesa escolhesse seus governantes.
INDICAÇÃO DO PRIMEIRO-MINISTRO
Se os esforços do centro e da esquerda não forem suficientes e a direita vencer as eleições, o presidente, de maneira não obrigatória, nomeará um primeiro-ministro que satisfaça a maioria dos deputados.
Nesse cenário, o deputado Jordan Bardella é o principal cotado para ser o próximo premiê da França. Ao nomeá-lo, Macron, que tem cerca de 3 anos de mandato pela frente, teria de governar com um primeiro-ministro que não compartilha de suas políticas. A coabitação entre o presidente centrista e um primeiro-ministro de direita configuraria um cenário político potencialmente desafiador.
Enquanto Macron é conhecido por suas políticas pró-europeias e progressistas, Bardella é descrito como um populista eurocético. Esta combinação pode resultar em impasses políticos significativos ou, na melhor das hipóteses, obrigar ambos os lados a cederem em questões cruciais para o país.
O presidente também teria suas funções reduzidas e deixaria de controlar as políticas doméstica e migratória, passando a liderar apenas as políticas externa e de defesa.
Caso Macron opte por não nomear o indicado pela maioria dos parlamentares, poderá sofrer uma moção de censura e ser derrubado do cargo.