O relator do caso no STJ apontou que reportagem está “permeada de ironias” contra Gilmar Mendes e defendeu a condenação dos jornalistas.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisa um recurso apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), contra a revista IstoÉ e dois jornalistas. Gilmar pede que eles sejam condenados a indenizá-lo em R$ 150 mil por uma reportagem de 2017 sobre a venda de uma universidade de sua família para o governo do Mato Grosso por R$ 7,7 milhões.
Em dezembro de 2017, a revista IstoÉ publicou a reportagem intitulada “Negócio suspeito”, assinada pela jornalista Tabata Viapiana e pelo atual presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Octávio Costa, alvos da ação. Os dois tiveram acesso a investigação do Ministério Público, que apontava supostas “práticas de ilícitos morais administrativos” na venda da instituição.
O recurso chegou ao STJ em maio de 2021, após Gilmar perder na primeira e na segunda instância. Na ocasião, o ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso, rejeitou a apelação em uma decisão monocrática. No entanto, Cueva mudou de entendimento e afirmou que a matéria está “permeada de ironias e insinuações” contra o ministro, defendendo a condenação da revista e dos jornalistas.
Para o relator, a reportagem tem o “nítido o intuito de associá-lo, de forma pejorativa, a imagem de alguém que se distancia da ética e que visa apenas resguardar benefícios pessoais e favorecer pessoas próximas”. Além dos R$ 150 mil, ele determinou o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% do valor da condenação.
“Não se deve confundir, por consequência, liberdade de imprensa ou de expressão com irresponsabilidade de afirmação”, disse. A ministra Daniela Teixeira acompanhou o entendimento do relator. O julgamento começou no último dia 3 e está previsto para terminar na segunda-feira (9). O caso é analisado no plenário virtual.
Entenda o caso
Em 2013, o então governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (MDB), comprou a faculdade União de Ensino Superior de Diamantino (Uned), que pertencia à Maria Conceição Mendes França, irmã de Gilmar, por R$ 7,7 milhões. Ele transformou a instituição num dos campus da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), no município de Diamantino, cidade natal do ministro.
Em 2017, a IstoÉ teve acesso a investigação do MP sobre a negociação e publicou a matéria “Negócio suspeito”. A defesa do decano do STF acionou a justiça por considerar que a revista “se prestou a tecer uma série de impropérios, com a clara intenção de desabonar a honra e a imagem do Autor e de minar sua credibilidade”.
Porém, Gilmar perdeu na primeira e na segunda instância. O juízo de primeiro grau considerou o pedido improcedente e condenou o ministro ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa. Gilmar apelou, mas a Quinta Turma Cível, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), rejeitou o recurso por unanimidade.
Para o TJDFT, a matéria jornalística foi publicada “nos limites do direito à livre expressão das atividades de comunicação, assegurado nos artigos 5º, inciso IX, e 220 da Constituição Federal, em que inexistiu ato ilícito por parte do suposto ofensor, não enseja a reparação civil por dano moral”. Os embargos de declaração de Gilmar, uma espécie de recurso após a decisão, também foram negados.
Em um recurso especial, a defesa do ministro argumentou que o tom utilizado pelos jornalistas na matéria continha “maliciosa insinuação” para “induzir” seus leitores a acreditarem que Gilmar “exerceria suas atribuições como magistrado em desacordo com a legislação e a Constituição, flertando com ilicitudes das mais repugnantes”.
Em maio de 2021, o recurso foi analisado pelo ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso no STJ, que rejeitou a apelação do decano do Supremo em uma decisão monocrática. Em fevereiro deste ano, a defesa de Gilmar apresentou um agravo e o relator reconsiderou e levou o caso para análise da Terceira Turma.
Entidades apontam”precedente de censura judicial” contra jornalistas
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) destacou a preocupação com a liberdade da imprensa diante da possibilidade de condenação dos jornalistas, apontando para o risco da criação de um “precedente de censura judicial contra jornalistas que atuam sem má-fé e em prol do interesse público”.
“O processo também levanta discussões sobre o uso do sistema de Justiça por figuras públicas para intimidar repórteres e veículos de comunicação”, apontou a Fenaj. A Coalizão em Defesa do Jornalismo (CDJor) reforçou que “as decisões de primeira e segunda instâncias julgaram a ação improcedente, destacando a veracidade das informações publicadas e a legitimidade das críticas jornalísticas”.
A Coalizão em Defesa do Jornalismo fez um apelo aos integrantes da 3ª Turma do STJ para que sigam o “já consolidado entendimento do STF de que críticas dirigidas a autoridades públicas podem ser fortes e ácidas sem que isso gere o dever de indenizar”.
Crédito Gazeta do Povo