Globo: É um erro excluir receita do Judiciário das regras fiscais

STF prejudica controle das contas públicas ao decidir em causa própria e preservar recursos dos juízes

É preocupante a formação de maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) em favor de retirar as receitas obtidas pelo Judiciário federal do cálculo dos limites impostos pelo arcabouço fiscal. A decisão em causa própria vem num momento em que o país enfrenta uma crise grave nas contas públicas, e o Executivo tem sido titubeante no compromisso com a responsabilidade fiscal. Não tem faltado em Brasília “criatividade contábil” para driblar as regras já frouxas do arcabouço. Essas manobras parafiscais incluem financiamentos de fundos estatais ou crédito subsidiado pelo BNDES. Poderão alcançar, de acordo com certas estimativas, 1% do PIB ao final deste ano, ante 0,5% em 2024 (o Ministério da Fazenda contesta esses números).

O novo drible do STF preserva os gastos realizados com o dinheiro que os tribunais arrecadam com emolumentos, com custo de processos e com outros serviços prestados — ao todo, essa arrecadação somou R$ 2 bilhões no ano passado. Ao excluir esse valor das receitas apuradas pelas regras fiscais, automaticamente o limite de despesas também cai, pela fórmula do arcabouço. Resultado: enquanto todas as demais áreas do governo precisarão economizar para cumprir as metas, o Judiciário manterá esses recursos livres para gastar sem restrições. Na prática, o Supremo passou a conta adiante. Num momento em que o país corta investimentos em infraestrutura ou na saúde, o dinheiro dos juízes estará garantido.

O julgamento no STF foi motivado por uma ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) sustentando que a lei do arcabouço previu exceções: não estão, na base usada para calcular o teto dos gastos, as receitas próprias de universidades públicas federais ou instituições científicas. O paralelo é, porém, imperfeito. Esses centros geram valor por meio de consultorias ao setor privado, produtos e contribuições à sociedade. A origem das receitas do Judiciário é outra. São serviços públicos, equivalentes aos prestados por qualquer departamento do governo.

O artigo 99 da Constituição assegura autonomia administrativa e financeira ao Judiciário, mas dentro de parâmetros claros. Os tribunais elaboram sua proposta orçamentária de acordo com os limites estipulados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Deveriam, portanto, estar sujeitos às mesmas restrições que o resto do governo. Mas a AMB, conhecida pela defesa intransigente dos penduricalhos e outros privilégios dos juízes, enxergou mais uma brecha — e o STF decidiu isentar o Judiciário. Tem sido assim, de bilhão em bilhão, que o controle dos gastos, já tíbio, vai enfraquecendo.

É flagrante o contraste entre o tratamento dado aos tribunais e a outros organismos do Estado. Enquanto os recursos para investimentos públicos têm ficado abaixo do necessário há muitos anos, os do Judiciário têm crescido. O relatório do Tesouro Nacional divulgado em fevereiro mostra que o Brasil gasta o equivalente a 1,43% do PIB com seus tribunais, mais que o dobro dos países emergentes e o quádruplo das economias avançadas. Não é razoável que um Judiciário com tanto dinheiro queira afrouxar ainda mais o cinto em momento tão difícil para o país.

Crédito O Globo

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