Procurador-geral da República reforçou acusações contra Bolsonaro e aliados pela suposta tentativa de golpe de Estado.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, endureceu o tom nesta terça (2) das denúncias contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados no julgamento da suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A sessão começou mais cedo com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e seguiu com suas sustentações para a acusação do chamado “núcleo 1” ou “crucial” do alegado plano.
Usando adjetivos como “afrontas acintosas”, “belicistas”, “perversão” e “devaneios utópicos”, Gonet aprofundou a acusação contra o ex-presidente, afirmando que o julgamento da suposta tentativa de golpe é o momento em que a democracia no Brasil assume sua defesa. Segundo o procurador-geral, o suposto plano se iniciou no ano de 2021 até culminar com os atos de 8 de janeiro de 2023.
Para ele, ainda, que “a tentativa [de golpe] se consolide”, não era necessário ter uma ordem assinada pelo presidente da República para adoção de medidas explicitamente estranhas à regularidade constitucional.
“Os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denuncia são fenômenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas. Não podem ser tratados como atos de importância menor. […] A cooperação entre si dos denunciados para este objetivo derradeiro, sob a coordenação, inspiração e determinação derradeira do ex-presidente da República denunciado, tornam a nítida organização criminosa no seu significado penal”, citou.
Além de Bolsonaro, são julgados o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente e delator do plano; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil. É a primeira vez na história do país que militares serão julgados em um tribunal civil.
Durante a leitura do relatório de acusação, Gonet defendeu a delação premiada de Cid que, na visão dele, confirmou as provas colhidas durante a investigação e que levou à denúncia “com precisão e riqueza de detalhes” a suposta estruturação e a atuação do que classifica como “organização criminosa entre meados de 2021 e início de 2023”.
“Com o claro propósito de promover a ruptura da ordem democrática no Brasil, o grupo liderado pelo presidente Jair Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolvia e implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”, ressaltou citando que todos estes atos foram documentados pelos réus.
Ele pontuou que “se as defesas tentaram minimizar a contribuição individual de cada acusado e buscar interpretações distintas dos fatos, esses mesmos fatos, contudo, não tiveram como ser negados”, completou.
Para Gonet, houve um “inconformismo com o término regular do período do previsto de mando” e que isso “costuma ser fator deflagrador de crise para a normalidade democrática provocada pelos seus inimigos violentos”.
“Não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem, como mostram relatos de fatos aqui e no estrangeiro, recrudescem ímpetos de autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizada”, disparou.
“O que está em julgamento são atos que hão de ser considerados graves enquanto quisermos manter a vivência de um Estado Democrático de Direito”, pontuou.
Alegações contra os réus
Após as primeiras condenações, Gonet fez um apanhado das alegações contra os oito réus da suposta tentativa de golpe que, diz, “se nota uma unidade de propósito: o de impedir a chegada do exercício do poder pelo presidente que concorria pela oposição”.
“E o de promover a continuidade do exercício do poder pelo presidente Bolsonaro, pouco importando os resultados apurados no sufrágio de 2022”, afirmou citando que os fatos analisados devem ser tratados como uma sequência que levaria à consumação do suposto golpe – “na soma em que se integram para provocar o resultado que a legislação pune”.
Gonet ainda pontuou que, embora nem todos os denunciados tenham atuado em todo o suposto plano, eles tinham o mesmo objetivo para o resultado final. “Todos os personagens do processo, em que a tentativa do golpe se desdobrou, são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si”, completou.
O procurador-geral da República repetiu alegações citadas anteriormente por Moraes para embasar a acusação contra Bolsonaro e aliados, como críticas às urnas eletrônicas, a suposta difusão de “informações falsas” sobre o processo eleitoral e instituições do judiciário – em especial o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, a convocação dos comandantes das Forças Armadas “para aderirem” à suposta tentativa de golpe, os acampamentos em frente aos quartéis do Exército pedindo “intervenção militar”, e o “momento culminante da balbúrdia urdida” nos atos de 8 de janeiro de 2023, entre outros.
“Quando o presidente da República e o ministro da Defesa [Paulo Sérgio Nogueira] se reúnem com os comandantes militares, sob a sua direção política e hierárquica para concita-los a executar fases finais do golpe, o golpe nele mesmo já está em curso de realização”, pontuou.
Gonet ainda citou outros atos correlatos, como a tentativa de impedimento da diplomação de Lula e Alckmin em meados de dezembro de 2022 e a ameaça de explosão de um caminhão-tanque próximo ao aeroporto da capital federal.
“A instauração do caos era explicitamente considerada, etapa necessária do desenrolar do golpe para que se atraísse a adesão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica”, afirmou Gonet – o então comandante da Marinha, Almir Garnier, já teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro, segundo a PGR.
O procurador-geral da República seguiu, nas alegações, resgatando falas de Bolsonaro em atos e eventos — especialmente nas comemorações da Independência — as críticas principalmente ao TSE como uma forma de se apropriar indevidamente de símbolos nacionais para levar ao alegado golpe.
“A apropriação das estruturas, datas cívicas e símbolos estatais em favor dessa narrativa indicam a gravidade do desvio de finalidade. Procurava se revestir de legitimidade uma trama de ruptura”, pontuou Gonet.