Governo admite descontrole com ‘big techs’ e propõe “regras” contra monopólio

O Ministério da Fazenda propôs nesta quinta-feira (10) uma série de regras, entre mudanças legislativas e alterações na operação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), para conter práticas que afetam a competição promovidas pelas grandes empresas de tecnologia, as chamadas “big techs”.

A administração pública brasileira dá esse passo em um momento em que a conduta monopolista de Google, Apple, Facebook (Meta), Amazon e Microsoft vem sendo coibida nos Estados Unidos, onde o Google é ameaçado de ser dividido, e na Europa, onde as grandes plataformas precisam obedecer a rígidas regras.

Durante a apresentação do plano, integrantes do governo brasileiro admitiram que o Brasil não dispõe de mecanismos legais para coibir ações dessas plataformas que possam afetar a concorrência.

“O direito à concorrência brasileiro não é suficiente para lidar com isso.”Marcos Pinto, secretário de reformas econômicas do Ministério da Fazenda

Nos últimos anos, as grandes empresas de tecnologia foram alvo de processos que resultaram em multas bilionárias por darem preferência a seus produtos, cobrarem taxas abusivas em seus ecossistemas, firmarem acordo de exclusividade e aproveitarem suas posições monopolistas para impor preços abusivos.

Para construir a proposta de reforma, a Fazenda recebeu mais de 300 contribuições, incluindo as vindas de diversas associações que representam as “big techs” e do próprio Cade, que admitiu não dispor de “armas suficientes para coibir possíveis abusos”.

A recomendação da pasta do ministro Fernando Haddad é permitir que o Cade analise casos de forma mais ágil, além de ter poder e capacidade técnica para monitor agressões à concorrência antes que provoquem danos ao mercado.

Para isso, o plano é criar nova legislação que dê poderes ao Cade para:

  • determinar quais plataformas tecnológicas devam ser acompanhadas, segundo critérios como faturamento e presença em múltiplos mercados;
  • criar obrigações para essas empresas, como notificação sobre decisões que aprofundem a concentração de mercado, regras de transparência para usuários e o informe de mudanças nos termos de uso de serviços;
  • criar uma unidade especial que investigue “big techs”;
  • cooperar com Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) e a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) para assuntos técnicos e setoriais;
  • ter mais capacidade para fazer estudos de mercados.

Segundo o secretário de reformas econômicas, as novas regras atingirão apenas empresas gigantes.

“A gente está falando aqui de, no máximo, uma dezena de plataformas mundiais.”Marcos Pinto

De acordo com Pinto, a expectativa é que o processo chegue ao Congresso em 2024. Ainda está em discussão se o Executivo enviará um projeto de lei ou se as mudanças serão incluídas em alguma proposta já em tramitação no Legislativo.

Em paralelo a isso, outros dois ajustes devem ser feitos por meio de medidas infralegais, que dependem de portarias do Cade e de decretos do Ministério da Fazenda.

Segundo Alexandre Ferreira, diretor de Programas da Secretaria de Reformas Econômicas, as “big techs” entraram no radar por possuírem características que inviabilizam a aplicação de medidas à disposição do Cade hoje:

  • efeitos de rede: fornecem serviços que se tornam importantes à medida que mais pessoas os utilizam;
  • mercados de múltiplos lados: por um lado, ofertam serviços gratuitos (buscadores, redes sociais, vídeo, mapas), mas, por outro, são sustentados por modelos de negócio pagos (serviços de publicidade);
  • coleta e processamento de dados: por disporem de muitas informações pessoais de seus usuários, podem adotar novas estratégias de monetização, como a migração para outros mercados.

Esses aspectos fazem com que poucas empresas dominem áreas específicas e possam influir em outros segmentos.

“Quanto maior a relevância, centralidade e importância sistêmica, menor a probabilidade de o antitruste resolver e maior a necessidade de uma regulação específica.”Alexandre Ferreira, diretor de Programas da Secretaria de Reformas Econômicas

Segundo Marcos Pinto, a proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda é um ponto intermediário entre a abordagem dos Estados Unidos, que analisa apenas depois do fato, e da União Europeia, que estabelece regras rígidas de antemão.

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