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Governo quis manter saidinhas de presos em troca do crime de “fake news”

Foto - Pedro França/Agência Senado

Governo tentou manter “saidinhas” de presos em troca de não criar novo crime de “fake news”.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou negociar com a oposição para não derrubar um veto antigo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que impede o uso da Lei de Segurança Nacional para punir a divulgação de supostas notícias falsas, as chamadas “fake news”. Em troca, os governistas queriam manter um veto de Lula que descaracteriza o projeto de lei que pretende acabar com as “saidinhas” de presos das penitenciárias em datas festivas.Mas a oposição não aceitou a proposta e quer enfrentar o governo em votações em plenário.

Apesar disso, na última sessão conjunta do Congresso Nacional, em 9 de maio, o governo conseguiu acordar para que ambos os vetos fossem votados no próximo dia 28, quando deputados e senadores se reunirão para analisar as propostas.

O trecho vetado pelo ex-presidente classifica como crime na Lei de Segurança Nacional “promover ou financiar campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

Questionado sobre a articulação em relação ao trecho vetado por Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que “ainda não há uma definição dos líderes sobre o assunto”. O líder da oposição na Câmara, Filipe Barros (PL-PR), disse à reportagem que o resultado de uma votação sobre a Lei de Segurança Nacional seria incerto, mas a oposição trabalha para reunir os votos necessários.

A leitura nos bastidores do Congresso é de que o governo se aproveitou da falta de consenso sobre o veto de Bolsonaro para postergar uma derrota no projeto de lei que trata das “saidinhas”. Apesar dos esforços do governo, congressistas dão como certa a derrubada do veto de Lula, acabando assim com as saídas temporárias de presos.

Em março, a Câmara dos Deputados aprovou o fim do benefício dado aos presos em datas festivas, como Natal e ano novo. O texto prevê que os presos saiam apenas para fazer cursos profissionalizantes ou para cursar o ensino médio ou o superior. O estudo deve ser na mesma comarca onde o detento cumpre pena.

Lula chegou a sancionar o projeto, mas vetou o trecho que extinguiu a visita dos presos a familiares. Para os parlamentares, a medida inviabilizou o projeto por completo.

Derrubada do veto de Bolsonaro pode gerar insegurança jurídica

Para juristas ouvidos pela reportagem, caso reabilitem o dispositivo da LSN, a norma não poderia ser aplicada nas eleições deste ano, já que, pela lei eleitoral, devem aprovar mudanças no pleito até um ano antes da eleição. Ou seja, deveriam ter aprovado o trecho vetado por Bolsonaro em outubro de 2023.

O advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, aponta que, apesar da vedação da legislação eleitoral, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovada em fevereiro deste ano já abre brechas para que haja uma criminalização da propagação do que a Justiça considerar como notícia falsa. Caso o veto seja derrubado, poderá servir como mais um mecanismo de insegurança jurídica.

“Se o veto for derrubado, acredito que a melhor interpretação será a de que seus efeitos não serão válidos para estas eleições, em nome da segurança jurídica do pleito. No entanto, vejo o artigo 9-E da resolução 23.732/24 deste ano do TSE superar a questão, pois desinformação e fake news estão regulados no artigo que estará vigente já para estas eleições”, diz Marsiglia.

A normativa citada pelo advogado responsabiliza os provedores de internet pela “divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.

Na avaliação do advogado Fábio Tavares, especialista em Direito Constitucional e mestrando pela Fundação Getúlio Vargas, a legislação eleitoral é clara ao dizer que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. No entanto, ele alerta que se o dispositivo LSN for usado nesta eleição, “estaremos diante de flagrante inconstitucionalidade”.

“É importante ressaltar que a Constituição se refere à “lei que alterar o processo eleitoral”, ou seja, qualquer norma capaz de inovar o ordenamento jurídico. Portanto, o princípio da anualidade não abrange os regulamentos editados pela Justiça Eleitoral para promover a fiel execução da lei, sem extrapolar seus limites legais ou inovar a ordem jurídica eleitoral”, disse o jurista.

O receio sobre inovações na legislação eleitoral desse tipo também encontra lastro nas eleições de 2022. Na época, o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, proibiu o eleitor de levar aparelho celular para a urna de votação.

A medida foi vista como uma inovação jurídica por parte do Tribunal fora do período estipulado pela lei, já que foi feita em 29 de setembro: dois dias antes da votação do primeiro turno. Na época, o ministro alegou que a medida visava “garantir a escolha livre e evitar o voto sob ameaça”.

Derrubada do veto pode reacender debate sobre fake news

Além da questão jurídica, existe o receio de que a derrubada do veto de Bolsonaro também possa ser o ponto de partida para que outros projetos relacionados às fake news possam voltar a ser discutidos no Parlamento.

Em abril, o governo tentou reabilitar o Projeto de Lei 2630/20, conhecido como PL das Fake News, como forma de conter as denúncias feitas pelo caso Twitter Files Brasil acerca da tentativa de censura praticada por autoridades brasileiras contra jornalistas e influenciadores.

Apesar do esforço, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), descartou a proposta após conversar com os líderes da Casa. No entanto, para atender ao governo e a ministros do Supremo, o deputado alagoano criou grupos de trabalho para debater a regulação das redes sociais.

Critério sobre fake news pode ser usado para censura

O conceito usado pela Lei de Segurança Nacional para caracterizar desinformação também traz insegurança sobre o que pode ser considerado desinformação. Para Richard Campanari, advogado especializado em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a derrubada do veto presidencial “traz preocupações significativas sobre a liberdade de expressão e a possibilidade de censura”.

“Num contexto de insegurança jurídica atravessado pelo Brasil, essa mudança [a derrubado do veto] pode acabar afastando o eleitorado do debate político por medo de represálias legais.Além disso, Richard afirmou que o possível controle sobre o que é considerado “inverídico” também pode levar à formação de um “tribunal da verdade” informal, onde a subjetividade da veracidade pode ser usada para manipular o discurso político.

Ele também afirmou que “não delimitar claramente qual conduta seria objeto da criminalização, é entregar, no contexto dos trechos vetados, ferramentas poderosas de controle sobre o que poderá ou não ser dito”.

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Uma resposta

  1. Lembram das negociações por ocasião da implementação da audiência de custódia, ano 2015? Até hoje está ausente uma legislação específica para regulamentar o instituto ao nível federal. Apenas uma resolução do CNJ, estabelece as diretrizes para a realização das audiências de custódia em todo o território nacional.

    O congresso nacional completamente paralisado – fruto de acordos nos bastidores. Ou seja, uma norma inconstitucional regulamenta um instituto ainda mais inconstitucional. Então, essa “saidinha”, poderá ser mais uma aberração que será definitivamente institucionalizada diante de um congresso inerte (para atender aos anseios dos pagadores de impostos), mas se comprometem e atuam firme a serviço do crime organizado. Game over!

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