Itaipu: a manobra para incluir a COP 30 e o MST na sua conta de luz

Itaipu Binacional substituiu gastos com a construção da usina por “gastos socioambientais”. Deputada questiona legalidade de pagamentos

Em fevereiro de 2023, no começo do governo Lula (PT), a Itaipu Binacional terminou de pagar a dívida de cerca de US$ 13 bilhões, contraída para custear a construção da usina. O fim do pagamento poderia significar uma redução na conta de luz dos brasileiros que vivem nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, e que são atendidos pela usina.

Mas não foi o que aconteceu: os pagamentos da dívida foram substituídos por “gastos socioambientais” da binacional. Dentro da rubrica estão desde o investimento em obras para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, que ocorre em novembro em Belém (PA); até pagamentos de R$ 81 milhões para a Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Sairá da conta de luz dos brasileiros, por exemplo, o gasto de R$ 180 milhões para “adequação do terminal portuário” de Outeiro, em Belém, para que possa receber navios de cruzeiro que servirão de hospedagem durante a COP.

Ao longo de 2023 e 2024, os “gastos socioambientais” somaram cerca de R$ 5 bilhões – valor que foi pago pelos consumidores de energia da Usina, principalmente os brasileiros.

Esses gastos não estão previstos no Tratado de Itaipu, que é o acordo internacional entre Brasil e Paraguai que regulamenta o funcionamento da usina. Foram autorizados por um “acordo por troca de notas”, ou “nota reversal”, celebrado em 2005 entre diplomatas brasileiros e paraguaios.

A “nota reversal” é o instrumento jurídico usado para modificar um acordo internacional – no caso, o Tratado de Itaipu.

Ao contrário de outras “notas reversais” que alteraram o Tratado de Itaipu, porém, a  nota de 2005 não foi aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro, o que põe em dúvida a legalidade dos tais “gastos socioambientais”.

Na semana passada, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) apresentou um requerimento de informações (RIC) ao Ministério das Relações Exteriores, pedindo explicações sobre o trâmite da Nota Reversal nº 228, de 03 de maio de 2005, que autorizou os “gastos socioambientais”.

“Os brasileiros estão pagando uma conta mais cara de energia para bancar a construção de universidades, eventos como a COP 30 e até repasses para o MST — tudo isso sem autorização do Congresso, como exige a Constituição. É preciso esclarecer como esses gastos bilionários foram parar na conta operacional de Itaipu e estão sendo repassados diretamente para o bolso da população”, disse Adriana Ventura à coluna.

Um estudo de setembro de 2024 da Academia Nacional de Engenharia (ANE) mostra como a queda nos gastos com o serviço da dívida de Itaipu foram substituídos pelo aumento das “despesas de exploração” da usina, inflados pelas “despesas socioambientais”. Em 2024, o custo com o serviço da dívida foi zero, mas as despesas de exploração compensaram a queda e chegaram a US$ 2,17 bilhões.

“Nos últimos três anos a despesa de exploração foi aumentando à medida em que o serviço da dívida foi sendo reduzido. Nesse período a despesa de exploração mais que triplicou, saindo de US$ 700 milhões por ano para quase US$ 2,2 bilhões por ano. O serviço de dívida tinha prazo para terminar, ao contrário das despesas com as ‘benfeitorias socioambientais’”, diz um trecho do estudo da Academia.

“A partir de 2024 são quase US$ 1,5 bilhão por ano alocados em partes iguais para realização das tais benfeitorias em ambos os países, adicionais aos já existentes US$ 700 milhões anuais. Só que o Brasil arca não com a metade e sim com cerca de 80% dos custos. São os consumidores cativos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste que pagam a conta, embutida em suas contas de suprimento de energia elétrica”, diz a entidade.

Gráfico de gastos de Itaipu
Gastos com dívida foram substituídos por “benfeitorias socioambientais”, mostra estudo da Academia Nacional de Engenharia

Itamaraty: acordo de Itaipu não precisava passar pelo Congresso

Procurado, o Itamaraty disse que esta não é a única “nota reversal” aprovada no Tratado de Itaipu sem a autorização do Congresso. Disse ainda que as notas só precisam passar pelo Congresso quando “acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, conforme a Constituição – o que não seria o caso, no entendimento do órgão.

“O acordo por troca de notas (…) não traz dispositivos que tratem da estrutura tarifária da Usina, apenas estabelece que a responsabilidade social e ambiental deve ser levada em conta no curso de suas atividades. A fixação da tarifa de Itaipu é decisão que cabe a seu Conselho Administrativo”, disse o Itamaraty.

Itaipu: gastos do tipo remontam aos anos 1990

Já Itaipu Binacional disse que não cabe à entidade – uma espécie de empresa pública binacional – fazer comentários sobre a necessidade ou não de aprovação no Congresso.

Além disso, segundo a entidade, este tipo de gasto já existe desde os anos 1990, antes mesmo da edição da Nota Reversal de 2005.

“Desde a sua instituição, a Itaipu sempre associou a responsabilidade socioambiental à atividade de geração de energia. Além disso, ao menos desde a década de 1990 (ou seja, antes mesmo da Nota Reversal 228/2005), a Alta Administração da Itaipu autoriza a celebração de convênios de cooperação com parceiros para a execução de projetos socioambientais, com e sem transferência de recursos financeiros”, disse a empresa.

“Com efeito, a Itaipu pode adotar qualquer ação que não esteja expressamente vedada em sua normatividade especial (princípio da legalidade geral). Daí a opção da Alta Administração da Itaipu, desde a instituição da entidade, pelos investimentos de responsabilidade socioambiental”, disse a entidade.

“Os investimentos socioambientais se inserem no conceito de “gastos de administração e gerais” previstos nas “despesas de exploração”, as quais são disciplinadas no subitem “I.5” do Anexo C do Tratado”, disse Itaipu.

Crédito Metrópoles

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