Por Eli Vieira
Em 3 de abril de 2024, quando publiquei com David Ágape e Michael Shellenberger a série de reportagens Twitter Files Brasil, revelando uma campanha massiva de censura empreendida nas sombras por autoridades como Alexandre de Moraes e instituições como o Tribunal Superior Eleitoral, Jorge Messias, já Advogado-Geral da União, respondeu rápido.
Quatro dias depois da publicação da primeira matéria, Messias reuniu-se com integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e insinuou que a reportagem, e a reação de Elon Musk a ela, eram um “ataque coordenado pela extrema-direita transnacional contra a democracia brasileira”.
Quando Elon Musk ameaçou parar de obedecer ordens secretas de Moraes, Messias reagiu dizendo que “é urgente regulamentar as redes sociais”.
No dia 23 de abril, Messias mandou uma notícia-crime contra os Twitter Files a Moraes. Dessa vez, o ataque ao trabalho jornalístico era mais direto. Citando apenas Shellenberger, para validar a teoria da conspiração petista segundo a qual nossas reportagens eram um plano estrangeiro para ameaçar a soberania brasileira (a ideia da reportagem foi dos brasileiros), o AGU alegou “provável ocorrência de crime contra o Estado Democrático de Direito e contra as instituições em razão da divulgação de informações sigilosas, às quais foi atribuído segredo de justiça”.
Era uma alegação absurda em vários níveis, pois os documentos em que nos baseamos eram todos e-mails internos da equipe jurídica do Twitter Brasil.
Messias também alegou na representação, feita já com a intenção de nos acrescentar ao inconstitucional e interminável Inquérito das Milícias Digitais (4874) — onde Elon Musk foi incluído —, que nosso trabalho era uma “tentativa de desestabilizar o Estado Democrático instituído pela Constituição”.
Em resposta, Shellenberger denunciou Messias à CIDH por abuso de poder. Não há notícia de andamento de nenhuma das duas denúncias — em comunicação comigo, Shellenberger relatou que não se sentiu ouvido em uma audiência da CIDH.
Se o Senado não barrar a indicação de Messias como ministro do STF, anunciada hoje por Lula, ele não vai mais precisar da iniciativa de Moraes para perseguir jornalistas. Poderá fazer por iniciativa própria, aumentando para três o número de ministros ativamente envolvidos em censura no Supremo. O terceiro é Flávio Dino, que, quando era ministro da Justiça, tentou intimidar as redes sociais e, pouco tempo depois de ascender à corte, mandou destruir livros.
Tentativa de intimidação das redes sociais
Logo que assumiu o cargo de AGU, em janeiro de 2023, Messias anunciou a criação de um dos Ministérios da Verdade do governo Lula 3: a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia (PNDD), voltada à obsessão censória de “combater a desinformação”.
Naquele ano, a PNDD ajuizou uma ação civil pública contra o advogado e apresentador Tiago Pavinatto por comentários na Jovem Pan, em que ele comentou com estranheza a facilidade com que Flávio Dino entrara no Complexo da Maré. A petição da AGU tratou a fala como “notícia fraudulenta”, pediu censura das publicações nas redes, vídeo de retratação forçada e uma indenização de R$ 300 mil por “danos morais coletivos” à União – como se o Estado, e não o cidadão, fosse o titular do direito fundamental à liberdade de expressão. Em 2025, a 14ª Vara Federal Cível do Distrito Federal rejeitou o pedido e lembrou o óbvio: direitos fundamentais existem para proteger indivíduos contra o Estado, não o contrário. Mesmo derrotado, o aparato de Messias ainda recorreu para tentar tirar o conteúdo do ar, insistindo na ideia de que criticar um ministro é “desinformação” a ser erradicada.
Há décadas, Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores prometem “regulamentar os meios de comunicação”. Sobre isso o presidente disse, na abertura do VI Congresso Nacional do PT, que não ficou “mais radical. Apenas fiquei mais maduro. Mais maduro” — a alusão ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, foi clara.
Quando em vários países a esquerda começou a perder eleições e referendos por causa das redes sociais a partir de 2016, a alegação de que as derrotas foram por causa de “fake news”, “desinformação” e “discurso de ódio”, que deveriam ser removidos em nome da “democracia”, caiu como uma luva no antigo projeto do PT.
Esse projeto autoritário tem usado cinicamente casos isolados de tragédias no Brasil e no mundo, especialmente contra crianças. Foi o que Messias fez em abril de 2025, quando uma menina de oito anos morreu em Brasília por causa de um “desafio” de redes sociais nas quais ela nem deveria estar por sua pouca idade.
O AGU voltou a cobrar mais regulamentação: “Não podemos parar: precisamos regulamentar as redes sociais para combater desafios perigosos e crimes digitais que vitimam nossas crianças e destroem nossos lares”, disse Messias. Mas já há regulamentação suficiente desde 2014: o Marco Civil da Internet, agora sob vandalismo de ativismo judicial do próprio STF — como afirmou esta semana um dos integrantes da corte, o ministro André Mendonça.
Messias também participou do vergonhoso julgamento que derrubou o Artigo 19 do Marco Civil, o artigo da liberdade de expressão. Ele atuou representando a União e chegou a defender, em sustentação oral, a derrubada total do dispositivo, uma posição mais rígida que a do próprio STF.
Seu papo foi previsível, com neologismos da falsa área de pesquisa do “combate à desinformação”: “Estamos falando de um ambiente de infodemia [sic] que tomou conta do nosso país, com um ecossistema de desinformação”, alegou durante o julgamento.
Messias no STF é, portanto, mais uma ameaça à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Mas o momento é de desesperança. Um Senado que não serviu para barrar a recondução de Paulo Gonet à Procuradoria-Geral da República provavelmente também não representará resistência a Lula colocar mais um de seus serviçais pessoais na corte.





