O sistema judicial britânico deu mais um passo em direção ao duplo padrão com a aprovação de uma nova diretriz do Conselho de Sentenças que insta os juízes a considerarem a origem étnica dos criminosos antes de proferir sentença. Em um documento publicado na quarta-feira, o órgão judicial estabelece que os magistrados “normalmente deveriam considerar” a elaboração de um relatório prévio à sentença para aqueles acusados que provenham de uma “minoria étnica, cultural e/ou religiosa”.
No entanto, não se exige a mesma consideração para criminosos de outros grupos étnicos, o que desencadeou uma grande controvérsia e foi classificado como uma “justiça de duas velocidades” por diversos setores políticos e judiciais.
O viés do novo sistema
Os relatórios prévios à sentença, elaborados pelo serviço de liberdade condicional, fornecem informações aos juízes que poderiam inclinar a balança a favor de sanções mais leves, como a suspensão da condenação ou a substituição da prisão por trabalhos comunitários. Em outras palavras, a diretriz abre as portas para que criminosos de certas minorias possam evitar a punição da prisão com mais facilidade que o restante dos cidadãos.
O secretário de Justiça na sombra, Robert Jenrick, foi contundente em sua denúncia: “É completamente escandaloso e estabelece um duplo padrão judicial. Com esta norma, o sistema judicial de Two-Tier Keir (em referência ao líder trabalhista Keir Starmer) caminha em direção a um viés antibranco e anticristão”.
Até mesmo dentro do governo britânico há aqueles que manifestaram seu descontentamento com esta reforma. A secretária de Justiça, Shabana Mahmood, enviou uma carta ao Conselho de Sentenças instando-o a revogar essas mudanças e expressou seu “desgosto” pela nova orientação judicial.
“As diretrizes atualizadas de hoje não refletem nem minhas opiniões nem as deste governo”, declarou. “Como alguém de origem minoritária, não posso apoiar qualquer tratamento diferenciado perante a lei para ninguém. Não haverá justiça de dois níveis sob minha supervisão”, assegurou.
Outros fatores atenuantes que beneficiam certos criminosos
O viés da nova diretriz não se detém na etnicidade. Também estabelece que os juízes devem considerar esses relatórios prévios caso o acusado seja uma mulher, tenha entre 18 e 25 anos, enfrente sua primeira condenação de prisão ou uma pena de dois anos ou menos, esteja grávida ou em período pós-natal, ou seja a principal pessoa responsável por um familiar dependente.
Além disso, a norma estende este benefício a pessoas que se identificam como transgênero, sejam viciadas em drogas ou álcool, sofram de doenças crônicas ou tenham sido vítimas de abuso doméstico, escravidão moderna ou manipulação.
O Conselho de Sentenças esclareceu que esta lista não é exaustiva e que os juízes ainda podem solicitar esses relatórios mesmo que o acusado não se encaixe em nenhuma dessas categorias. No entanto, o padrão é claro: a tendência a favorecer certos grupos acima do restante.
Um novo golpe à justiça igualitária
A nova diretriz, que entrará em vigor em 1º de abril, representa uma modificação substancial das diretrizes anteriores sobre condenações comunitárias e de prisão. Segundo o Conselho de Sentenças, a norma busca enfatizar o papel fundamental dos relatórios prévios nas decisões judiciais.
O presidente do Conselho, William Davis, defendeu a medida: “Uma sentença adequadamente ajustada às circunstâncias individuais do criminoso e do crime tem a maior probabilidade de ser cumprida com sucesso”.
Esta diretriz segue a linha do Conselho de Sentenças de abril de 2023, quando pediu aos juízes que considerassem penas mais indulgentes para criminosos provenientes de ambientes “desfavorecidos” ou “difíceis”.
Pela primeira vez, a norma estabeleceu que fatores como pobreza, baixa educação, experiência de discriminação ou falta de moradia estável devem ser considerados como atenuantes nas condenações. Naquele momento, o então secretário de Justiça, Alex Chalk, advertiu que esta orientação era “paternalista”, “imprecisa” e que corria o risco de converter a falta de recursos em uma desculpa para cometer crimes.
Com esta nova reforma, a justiça britânica parece avançar ainda mais na erosão da igualdade perante a lei, favorecendo determinados grupos enquanto desprotege o resto da população.