A indústria têxtil e de vestuário nacional e estrangeira está apreensiva quanto à retomada das discussões para aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre produtos comprados em “marketplaces” internacionais como Shein, Shopee e AliExpress. Hoje a alíquota do tributo estadual é de 17%, e estados cogitam elevá-la para 25%.
Principal tributo estadual, o ICMS não é o único imposto que incide sobre essas compras. Além dele, é cobrado o Imposto de Importação, de competência federal. Este tem alíquota de 20% para compras de até US$ 50 (incluindo frete) – que está em vigor desde julho e ganhou o apelido de “taxa das blusinhas” – e de 60% para valores acima de US$ 50.
O varejo têxtil nacional apoia o aumento do ICMS. O argumento é de que hoje existe uma desigualdade tributária que afeta a competitividade de pequenas e médias empresas do setor. De outro lado, empresas internacionais de e-commerce são contrárias ao reajuste. À Gazeta do Povo, a Shein afirmou que almeja condições competitivas justas e que um aumento nos impostos pode prejudicar o consumidor.
A decisão sobre um incremento do ICMS cabe ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O órgão é vinculado ao Ministério da Fazenda, mas suas decisões dependem das discussões e acordos feitos pelos secretários estaduais de Fazenda que formam o colegiado.
Nesta quinta-feira (5), esses representantes se reúnem em Foz do Iguaçu para a 47.ª Reunião Ordinária do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). No dia seguinte, também em Foz, será realizada a 195.ª Reunião Ordinária do Confaz, conduzida pelo Ministério da Fazenda.
Há expectativas por parte de alguns representantes dos setores têxtil e de vestuário nacional e internacional de que o tema possa ser retomado na reunião. Desde fevereiro, quando a deliberação sobre o aumento do ICMS de 17% para até 25% foi adiada, os integrantes do Comsefaz avaliam a adequação e os efeitos de uma elevação do tributo.
A assessoria do Comsefaz informou à Gazeta do Povo que o aumento do ICMS não está na pauta da reunião desta semana. Disse ainda que os secretários tiveram acesso a uma pesquisa independente realizada sobre o tema e que os estados não se manifestaram a respeito no âmbito do comitê. Ainda segundo a assessoria, as discussões estão sendo mantidas apenas internamente, pelos secretários.
Ao retirar o tema da pauta a pedido dos próprios secretários, o Comsefaz, contudo, deixou aberta a possibilidade de que o reajuste da alíquota fosse retomado “em outra oportunidade”.
“É importante destacar que na eventualidade de alguma decisão ser tomada pelo Comsefaz em outra oportunidade, no sentido de revisar o valor atual da alíquota, a alteração terá que ser aprovada pelas respectivas Assembleias Legislativas dos 26 estados, além do Distrito Federal”, disse o comitê.
Indústria nacional quer aumento do ICMS para proteger pequenos e médios empresários
De sua parte, o varejo nacional reivindica a majoração do ICMS sobre produtos importados adquiridos via e-commerce para garantir a isonomia tributária no setor. A Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) alega que os marketplaces internacionais participantes do programa Remessa Conforme têm incidência de 17% de ICMS, contra os 20% a 25% cobrados das empresas nacionais.
As empresas nacionais têm pressa para que a resolução seja tomada ainda neste ano. De acordo com o presidente da ABVTEX, Edmundo Lima, caso a aprovação da alteração tributária não aconteça até o fim de 2024, as novas alíquotas só poderão entrar em vigor em 2026, mantendo por mais um ano uma concorrência que ele vê como desleal.
“A desigualdade tributária afeta a competitividade e prejudica diretamente o emprego e as pequenas e médias empresas do setor têxtil, que já enfrentam o fechamento de lojas em centros comerciais das grandes cidades devido à concorrência predatória. O que está em jogo, portanto, é a justiça fiscal e a preservação de 1,7 milhão de empregos gerados no setor têxtil brasileiro”, afirmou a ABVTEX em nota.
Contrária a aumento do ICMS, Shein diz que já paga mais de 44% de impostos
Uma das representantes do setor varejista a se pronunciar em relação ao possível aumento do ICMS foi a Shein. Anna Beatriz Lima, diretora de relações governamentais da empresa no Brasil, afirmou à Gazeta do Povo que a marca deseja que o ICMS seja justo para todos, e que os produtos vendidos no marketplace da empresa já são taxados acima do valor dos produtos nacionais.
Ana Beatriz explicou que a carga tributária média que incide sobre os produtos importados com valor abaixo dos US$ 50 e que são vendidos em seu e-commerce chega a 44%. De acordo com seus cálculos, caso haja o incremento para 25%, a tarifa final pode chegar a 60%. Isso ocorre porque o ICMS é cobrado sobre o valor da mercadoria já adicionado o valor do imposto de importação, que também incide sobre o valor do frete.
A marca, portanto, afirma que a carga sobre os produtos importados já é alta, inclusive quando comparada à da indústria nacional, e que qualquer incremento nas alíquotas acaba sendo transferido para o preço final, afetando a decisão de compra do consumidor.
“É importante trazer o nosso posicionamento, pensando que nós temos milhões de consumidores que esperam encontrar aqui preços acessíveis e produtos de qualidade na nossa plataforma”, afirmou Tatiana Presoti, diretora de relações públicas da Shein no Brasil.
Governadores do Sul e do Sudeste apoiam aumento do ICMS
Se a divergência é grande, a pressão também é. Durante encontro do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) os governadores apoiaram a elevação da alíquota do ICMS dos marketplaces internacionais.
Na Carta de Florianópolis, documento firmado durante o encontro, os governadores afirmaram que “no que se refere à tributação das operações via marketplaces internacionais, é fundamental que tenhamos regras iguais para todos, promovendo justiça tributária”.
“E sobre isso, é importante uma alíquota uniforme para que a tributação dessas plataformas seja mais próxima do que paga o comércio nacional”, escreveram os governadores do Sul e Sudeste na carta.
Conforme reportou a Gazeta do Povo, na época do adiamento da decisão sobre o aumento do ICMS, o presidente do Comsefaz, Carlos Eduardo Xavier, afirmou que o objetivo era unificar a alíquota para “trazer mais arrecadação para os estados, igualdade competitiva entre as mercadorias produzidas dentro do Brasil e essas que são adquiridas fora do Brasil pelas plataformas digitais”.
Pesquisa demonstra queda nas vendas após incidência de “taxa das blusinhas”
A Shein enviou à Gazeta os resultados de uma pesquisa feita pela Plano CDE, especializada em avaliação de impacto nas famílias de classe C, D e E no Brasil. Segundo a empresa, esse é o mesmo estudo que está sendo analisado pelos representantes do Comsefaz.
O período analisado foi o do primeiro trimestre após a entrada em vigência da “taxa das blusinhas”, ou seja, entre agosto e outubro deste ano. De acordo com a pesquisa, em agosto 70% dos consumidores das classes C, D e E adquiriram produtos importados online. Em outubro, o índice já era 10 pontos percentuais menor, com 60% tendo realizado compras de importados online.
Para as classes A e B a queda foi mais sutil, passando de 81% para 79%. Nessas classes, a desistência de realizar a compra na hora do pagamento chegou a ter redução de 44% para 40%. No entanto, quando desiste das compras importadas, essa faixa da população busca similares nacionais em substituição.
Isso não ocorre nas classes C, D e E, onde a taxa de desistência aumentou de 35% para 39%. Conforme dados da pesquisa, 44% das pessoas nessas faixas simplesmente desistiram de adquirir os produtos importados a partir de agosto deste ano.
E para 55% dos entrevistados, de todas as classes, todos ou a maior parte dos produtos comprados só poderiam ser adquiridos internacionalmente. A pesquisa ainda traz que 72% dos brasileiros são contra o aumento de impostos sobre produtos importados.
Importações caem, mas arrecadação sobe
Dados da Receita Federal apontam que em agosto deste ano, logo após a entrada em vigor da “taxa das blusinhas”, houve queda de 40% na importação de itens com valor abaixo de US$ 50, e que a redução se manteve na faixa de 30% nos meses subsequentes. A informação foi veiculada pelo Valor Econômico.
No entanto, apesar da queda no volume de importações, a arrecadação do governo federal com essas importações subiu de R$ 25,4 milhões, entre maio e julho, para R$ 533 milhões, entre agosto e outubro. Caso siga nos mesmos patamares, as projeções são de que a arrecadação possa chegar a R$ 2 bilhões ao ano. O valor não inclui o que os estados arrecadam em ICMS.
Ainda de acordo com os dados da Receita, no mês de julho, anterior à entrada em vigor da taxação, as importações de produtos até US$ 50 chegaram a 18,4 milhões de remessas, com valor total declarado de R$ 1,5 bilhão. Em agosto, houve queda de 40% nas compras, com 10,9 milhões de registros, com valor aduaneiro de R$ 822 milhões.
Até os Correios sentiram o impacto da “taxa das blusinhas”. Segundo relatório da própria empresa, o Imposto de Importação sobre itens abaixo de US$ 50 derrubou sua receita em R$ 1 bilhão, devido à queda no número de remessas. A empresa disse ainda que a regulação das compras internacionais pelo Programa Remessa Conforme reduziu sua receita em R$ 500 milhões.
O programa Remessa Conforme e a “taxa das blusinhas”
O Remessa Conforme é um programa da Receita Federal que entrou em vigor em agosto de 2023. Com ele, o Imposto de Importação passou a ser cobrado de forma antecipada, na hora da compra, em plataformas de e-commerce.
Para as empresas cadastradas no programa, a alíquota de importação dos produtos acima de US$ 50 é de 60%, além de 17% de ICMS. Quando foi implementado, os produtos importados que custavam menos de US$ 50 eram isentos de Imposto de Importação e, sobre sua compra, incidia apenas o ICMS.
A chamada “taxa das blusinhas” entrou em vigor no fim de julho de 2024. Aprovada na Câmara e no Senado como um “jabuti” do Mover, regime tributário da indústria automotiva. Após sua entrada em vigor, as empresas cadastradas no Remessa Conforme passaram a cobrar 20% de Imposto de Importação para compras abaixo de US$ 50, que até então não eram taxadas.
Na época, a aprovação da taxa gerou ampla controvérsia, enfrentando resistência até mesmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da primeira-dama, Janja da Silva, que era contrária à taxação. No entanto, o imposto teve o apoio da ala econômica do governo e do setor produtivo nacional, que alegava concorrência desleal principalmente com as varejistas chinesas.